Roda de Conversa

04/11/2024 - 17:20 - 18:50
RC9.14 - Fortalecimento das Políticas de Saúde Materno-Infantil: Desafios, Estratégias e Impactos na Atenção ao Pré-Natal e na Mortalidade Infantil no Brasil

50910 - PROCURA E ACESSO À LAQUEADURA TUBÁRIA EM UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE: O QUE DIZEM MULHERES E PROFISSIONAIS DE SAÚDE?
MARIANA TEIXEIRA BARROSO - ENSP/FIOCRUZ, SIMONE MONTEIRO - IOC/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
A laqueadura tubária (LT) foi um método de esterilização feminina considerado clandestino até meados dos anos 1980. No final dos anos 1990, o Ministério da Saúde publicou a Lei do Planejamento Familiar, que regulamentou o procedimento com fins contraceptivos. Segundo a legislação para ter direito à LT a mulher deveria ter ao menos 25 anos ou dois ou mais filhos, além da assinatura de consentimento do parceiro (Paula et al., 2023). Em setembro de 2022 as regras para o acesso ao procedimento foram modificadas pela Lei nº 14.443: a idade mínima passou para 21 anos e foi revogada a exigência do consentimento pelo cônjuge. A despeito da importância da ampliação do acesso à LT, no que tange à escolha das mulheres por um meio seguro para o encerramento da trajetória reprodutiva e redução de gestações que culminem em abortos inseguros, não tem havido um direcionamento universal dessas ações (Brandão e Cabral, 2021). As iniciativas são focalizadas para mulheres jovens, negras, pobres e socialmente excluídas sob o discurso do cuidado, proteção e oferta de cidadania, sem o simultâneo aporte de políticas sociais para a transformação das condições de vida. Diante desse cenário, em 2023 foi realizada uma pesquisa qualitativa em uma unidade básica de saúde (UBS) de uma favela carioca, visando compreender de que maneira as mudanças na legislação impactaram o acesso das mulheres à LT.

Objetivos
O estudo teve por objetivos: 1) Analisar como os novos critérios para a realização da laqueadura tubária (LT) estavam sendo adotadas pelos/as profissionais de saúde na prática cotidiana de uma UBS em uma favela carioca; 2) De que modo as demandas para LT de usuárias no puerpério e usuárias não gestantes estavam sendo atendidas no serviço pesquisado.

Metodologia
O estudo é um recorte da pesquisa de doutorado da primeira autora em fase de finalização, aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa das instituições envolvidas (no 6.031.815). Trata-se de uma investigação de caráter etnográfico, que visa compreender os aspectos sociais, a dinâmica sociocultural e o caráter subjetivo do objeto de estudo. A abordagem metodológica envolveu duas estratégias complementares: 1. Observação direta do cotidiano do serviço de saúde e das reuniões do grupo de planejamento familiar da UBS, ocorridas mensalmente, por meio de visitas duas vezes por semana, durante o período de junho a dezembro de 2023; 2. Depoimentos de usuárias do serviço na sala de espera e de membros da equipe de profissionais - composta por médicos/as, enfermeiras/ros, técnicas de enfermagem, agentes comunitários de saúde (ACS) e farmacêutico - fruto de conversas informais no campo, visto que tratam da reflexão dos próprios sujeitos sobre a realidade que vivenciam (Bourdieu,1998).

Resultados e Discussão
Durante a observação, identifiquei um cartaz na parede da UBS com as informações sobre as novas regras da LT, que eram expostas oralmente no grupo de planejamento familiar, em sua ampla maioria frequentado por mulheres e poucos homens que buscavam a vasectomia. No entanto, era salientado pela enfermeira que a LT poderia ser realizada somente após seis meses do parto, devido regras estabelecidas pelas maternidades. Interessa destacar que essa informação não consta na legislação, que garante o acesso à LT no período do parto desde que a vontade seja manifestada 60 dias antes. Ademais, a realização da LT em outro momento significa uma nova internação e uma janela temporal que pode incorrer em uma nova gestação não intencional. Os achados ilustram que os procedimentos no âmbito hospitalar não seguem as diretrizes definidas e as/os profissionais têm interpretações distintas da legislação. As conversas com usuárias na sala de espera confirmaram as dificuldades das mulheres conseguirem a realização do procedimento logo após o parto, devido entraves nas maternidades. Entre as não gestantes, de acordo com os relatos das ACS e enfermeiras responsáveis pelo grupo de planejamento, atualmente o acesso a LT está ocorrendo em uma semana após a solicitação, havendo alta adesão das mulheres. Segundo uma ACS, as usuárias reclamam muito do dispositivo intrauterino (DIU), em função do incômodo e logo querem retirar, o que amplia o trabalho da equipe. Entre os profissionais a LT é considerada mais vantajosa por evitar que as usuárias “façam mais filhos”. Na perspectiva das usuárias, as motivações para realizar a LT foram associadas à ocorrência de gestações mesmo durante o uso de anticoncepcional (injetável ou oral) e as desvantagens do DIU (o incômodo e a possibilidade de deslocamento).

Conclusões/Considerações finais
No que diz respeito à escolha sobre o encerramento da trajetória reprodutiva, são inquestionáveis os avanços trazidos pela atual legislação da LT. A ampliação deste e dos métodos reversíveis e de longa duração (LARC) justifica, em parte, a queda nas taxas de gravidez indesejada, refletindo um declínio nas taxas de aborto (Diniz et al., 2023). Ademais, o acesso à contracepção segura aliada às políticas de saúde integral, como a Rede Cegonha, contribui para a redução da mortalidade materna. A despeito do limite desta pesquisa ter sido realizada em apenas uma UBS, foi possível observar escassa abordagem acerca da sexualidade, gênero e contracepção, sendo importante uma ampliação do conhecimento sobre os LARC; além de barreiras de acesso à LT no âmbito hospitalar. Para avançarmos na garantia dos direitos sexuais e reprodutivos é indispensável que haja o direcionamento universal dessas ações e que as mulheres possam escolher sobre suas trajetórias reprodutivas.

Referências
BOURDIEU, P. (coord.) A miséria do mundo. 2ª ed. Petrópolis, RJ : Vozes, 1998.

BRANDÃO, E. R.; CABRAL, C. DA S. Juventude, gênero e justiça reprodutiva: iniquidades em saúde no planejamento reprodutivo no Sistema Único de Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 7, p. 2673–2682, jul. 2021.

DINIZ, D.; MEDEIROS, M.; MADEIRO, A. National Abortion Survey - Brazil, 2021. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 6, p. 1601–1606, jun. 2023.

PAULA, A. C. D. S.; FERREIRA, I. V. D. A.; REQUEIJO, M. J. R. Nova Lei sobre laqueadura tubária no Brasil e seus impactos sociais: uma revisão de literatura. Research, Society and Development, v. 12, n. 6, p. e12112642132, 12 jun. 2023.

Fonte(s) de financiamento: Bolsa de Doutorado - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)


Realização:



Patrocínio:



Apoio: