Roda de Conversa

06/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC9.12 - Avaliação de políticas, programas e tecnologias em saúde

49152 - EQUIDADE INTERSECCIONAL NOS MUNICÍPIOS RURAIS REMOTOS BRASILEIROS: O CAMINHO PARA A EFICIÊNCIA E EFETIVIDADE EM SAÚDE
SIMONE SCHENKMAN - FSP/USP, AYLENE BOUSQUAT - FSP/USP


Apresentação/Introdução
As localidades rurais remotas devem ser compreendidas de acordo com a dinâmica de suas relações socioespaciais, suas estruturas sociais e relações de poder, cujas disputas constantes trazem consequências materiais e simbólicas (Bourke et al., 2012).
No Brasil, estas localidades foram classificadas de forma mais fidedigna à sua realidade muito recentemente pelo IBGE (2017), de acordo com a densidade demográfica, % da população urbana e acessibilidade a centros urbanos. Apesar da crescente produção do conhecimento nestas localidades, a maioria das estratégias em saúde ainda são desenvolvidas pensando o espaço urbano, ignorando as localidades rurais e suas populações, que acabam por ter de adaptá-las de forma solitária, sem os recursos correspondentes. Por outro lado, há muito poucos estudos de eficiência na APS, sendo mais raros ainda aqueles que levam em consideração as iniquidades e os sistemas de saúde locais dos espaços rurais remotos.
O lugar constitui-se em categoria interseccional relevante, com dominância do urbano e formas de opressão ao espaço social rural. Esta categoria se soma às demais categorias interseccionais (Havinsky, 2012), tais como gênero, etnia e posição social, acumulando iniquidades. Ademais, os lugares estão interligados de forma complexa e desigual por meio de relações sociais de poder (Easthope, 2004).

Objetivos
Para conhecer melhor as iniquidades interseccionais presentes nessas localidades e verificar quais os melhores modelos organizacionais da APS para reduzi-las, o objetivo deste artigo é analisar a eficiência e efetividade dos municípios rurais remotos-MRR, inclusive em comparação aos demais tipos de municípios brasileiros. Assim, pretende-se contribuir ao planejamento de ações e programas de saúde que atendam a esses grupos sociais em seu território.

Metodologia
Avaliamos a eficiência e efetividade dos diferentes modelos organizacionais (arranjos de equipes/estabelecimentos) utilizando o modelo de produção de saúde, gradualmente adentrando a realidade rural remota. Foram avaliadas as dimensões de recursos humanos, materiais e financeiros, com ênfase nas equipes, os resultados das ações de saúde da APS e os resultados finais. A metodologia utilizada foi o modelo de efeitos fixos e a análise envoltória de dados com a dimensão das iniquidades interseccionais avaliada de forma transversal.
Primeiramente, foi realizada análise de eficiência e efetividade com todas as Unidades Federativas (UF) brasileiras, incluindo as categorias de recursos, da saúde e intersetoriais. Cabe destacar que os modelos relativos aos resultados dos serviços de saúde foram baseados na utilização dos serviços segundo as necessidades de saúde.
Em seguida, foram realizadas análises de eficiência, comparando as tipologias do rural remoto com as demais, somente entre os estados brasileiros que apresentam municípios rurais remotos. Por fim, comparamos os diferentes clusters dos MRR entre si (Bousquat et al., 2022), no que se refere à interseccionalidade.

Resultados e Discussão
A comparação entre os estados com (13 UF) e sem MRR (14 UF) demonstra que no nível dos recursos e da saúde, há maior eficiência para os estados com MRR (p≤0,01), ao passo que no que se refere à intersetorialidade e aos modelos globais, o inverso é percebido, sendo significante para mortalidade infantil (p≤0,01).
Os MRR destacam-se em relação aos demais, principalmente no que se refere aos óbitos evitáveis, à Expectativa de Vida ao Nascer e à mortalidade infantil. Pode-se perceber gradiente importante entre as tipologias: os MRR com os melhores valores, seguidos dos rurais adjacentes, dos intermediários remotos e adjacentes e dos urbanos.
Quando analisamos somente os MRR, destacam-se as equipes de saúde ribeirinhas e fluviais, o % de unidades de diagnóstico e tratamento, além do % de analfabetismo e de mães adolescentes e da iniquidade de alcance de altos níveis de escolaridade entre gênero e raça. O % do PIB decorrente de serviços baliza as variáveis de nível de vida, pois constituem avanços aliados à atividade agropecuária destas localidades. Todos os modelos apresentaram coeficientes de determinação elevados (77-81%), sendo tanto maiores quanto mais UF presentes no modelo.
Os melhores resultados observados nos territórios da Amazônia trazem a reflexão sobre a melhor escolha do modelo de organização frente às realidades locais e as necessidades dos usuários. Deve-se levar em consideração que a implantação de equipes ribeirinhas e fluviais, bem como das UBS fluviais marcam inovações relevantes da forma de organizar a gestão do cuidado, mas trazem consigo novas necessidades de modificações nos processos de trabalho e na territorialização, com enfoque familiar, marcadamente intercultural e fortemente ancorado na vigilância em saúde (El Kadri et al., 2019).

Conclusões/Considerações finais
Os modelos apresentaram variáveis relevantes à realidade local, como as equipes ribeirinhas e fluviais; a proporção de SADT, as transferências intergovernamentais, o saneamento básico local (fossa séptica e poço/nascente), a educação e as mães adolescentes e as iniquidades interseccionais de gênero e etnia na educação.
Para garantir ganhos de eficiência e efetividade nestes municípios, devem ser priorizados os recursos financeiros (próprios e de outros níveis de governo) e a fixação de recursos humanos, as equipes de saúde da família configuradas para os deslocamentos necessários, a disponibilidade de diagnóstico e tratamento locais e maior atenção ao saneamento básico e às iniquidades interseccionais de educação. Enfim, buscar a equidade de gênero e etnia na renda e na educação e, acima de tudo do lugar, percebido em sua totalidade.

Referências
Bourke L et al. Understanding rural and remote health: a framework for analysis in Australia. Health Place. 2012; 18(3):496-503. 10.1016/j.healthplace.2012.02.009
IBGE. Classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos do Brasil: uma primeira aproximação. IBGE, Coordenação de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, 2017.
Hankivsky, O. (Ed.). (2012). An Intersectionality-Based Policy Analysis Framework. Vancouver, BC: Institute for Intersectionality Research and Policy, Simon Fraser University.
Easthope H. A place called home. Housing, Theory and Society,2004; 21:128-38. 10.1080/14036090410021360
Bousquat A et al. Different remote realities: health and the use of territory in Brazilian rural municipalities. Rev Saúde Pública 2022; 56. 10.11606/s1518-8787.2022056003914
El Kadri et al. Unidade Básica de Saúde Fluvial: um novo modelo da Atenção Básica para a Amazônia, Brasil. Interface (Botucatu). 2019; 23: e180613 10.1590/Interface.180613

Fonte(s) de financiamento: Bolsista FAPESP Pós-doutorado - FSP/USP processo no 2022/05461-5,

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)


Realização:



Patrocínio:



Apoio: