50922 - A PERCEPÇÃO DE GESTORES E ESTUDANTES SOBRE O PSE DE FRANCISCO MORATO: UMA AVALIAÇÃO QUALITATIVA CRÍTICA DA PROMOÇÃO E ASSISTÊNCIA NO ESPAÇO ESCOLAR VANESSA MOREIRA CHAVES DE ALMEIDA - IS, CLÁUDIA MALINVERNI - IS
Apresentação/Introdução O PSE é uma estratégia intersetorial proposta pelos ministérios da Saúde e da Educação para enfrentar as vulnerabilidades que afetam o desenvolvimento pleno dos alunos da rede pública de ensino, entendendo a escola como espaço potencial para ampliação e garantia dos direitos preconizados pelo SUS, com foco no cuidado integral. A adesão ao programa assegura a cada escola participante uma equipe de saúde da atenção básica, a partir de 13 ações agrupadas em cinco eixos temáticos (avaliação clínica e psicossocial; promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos; educação permanente e capacitação de profissionais da educação e da saúde e de jovens; monitoramento e avaliação dos estudantes e do próprio programa), estabelecidas pelo MS e adaptadas ao território. Localizado no extremo norte da Grande São Paulo, o município de Francisco Morato é um dos mais vulneráveis do território paulista e altamente dependente de programas sociais, como o Bolsa Família. A rede pública de ensino moratense atende a todas faixas etárias, desde a primeira infância até a idade adulta, a partir de 68 unidades escolares municipais (creche, ensino infantil e fundamental), 21 estaduais, das quais 3 oferecem educação de jovens e adultos (EJA), e 1 escola técnica. A rede básica de saúde contabiliza 12 UBS, responsável pela aplicação do PSE, e 10 unidades de atenção especializada.
Objetivos A pesquisa buscou identificar as percepções de gestores, profissionais da saúde e da educação e de estudantes de Francisco Morato (SP) sobre as ações de promoção da saúde e de avaliação clínica e psicossocial do Programa Saúde na Escola. Especificamente, buscou entender como essas ações são aplicadas no PSE local e os modos de encaminhamento dos estudantes atendidos pelo PSE para as unidades de saúde.
Metodologia A pesquisa envolveu três estratégias de coleta de dados para formação do corpus analítico. Num levantamento bibliográfico exploratório foram encontrados 26 documentos legais (1 decreto, 18 portarias interministeriais e 7 portarias do MS) e 46 artigos sobre o PSE, todos lidos integralmente. Na segunda estratégia foram feitas sete entrevistas com três gestoras (duas da educação e uma da saúde) e quatro profissionais (duas de cada área), orientadas por dois roteiros semiestruturados. Quatro entrevistas foram realizadas presencialmente e três pela plataforma Zoom. A última estratégia foi roda de conversa, com 21 alunos de uma escola estadual de ensino médio, 12 do sexo feminino e 9 do masculino, com idades de 15 e 16 anos. As entrevistas e as falas da roda de conversa foram gravadas, integralmente transcritas e lidas. A análise empregou a etnometodologia, que considera cada participante da pesquisa como membro capaz de expressar singularidades acerca de dado fenômeno, e as práticas discursivas e produção de sentidos, abordagem que toma a linguagem como instituidora de realidades, construídas pelas pessoas nas interações sociais.
Resultados e Discussão A análise foi dividida em três eixos temáticos: “Promoção da saúde versus prevenção de doenças”; “A soberania do preventivismo, uma memória higienista”; e “A responsabilidade de cada um, a ausência de controle social”. No primeiro, as profissionais que atuam no PSE de Francisco Morato, ao descreverem as ações que consideram prioritárias, se concentraram no preventivismo, servindo o programa para diagnósticos e encaminhamentos dos estudantes. Isso desvaloriza a promoção da saúde, uma prioridade do PSE, e provoca nos alunos uma evidente confusão entre os conceitos de promoção e prevenção de doenças. O segundo eixo evidenciou a permanência do higienismo nos discursos sobre a promoção de saúde, com ênfase na ideia de que as escolas poderiam corrigir “falhas” das famílias, em geral culpabilizadas pelas condições de saúde de seus filhos. Uma profissional da educação, ao contar como abordava temas da saúde junto aos familiares, chegou a dizer: “Ó, pai, pobreza não quer dizer sujeira!” Nas escolas, as ações de saúde parecem limitadas a duas estratégias: folhetos informativos e palestras, nem sempre conduzidas por profissionais da saúde: “Um grupo (...) da [Igreja] Universal, (...) [deu] palestras aqui na escola. Eles falam sobre (...) combater a depressão, esse tipo de coisa”. Quanto às responsabilidades de cada ator e ao controle social proposto pelo PSE, ficou evidente nas falas dos estudantes que eles não eram envolvidos em nenhuma instância do PSE, e talvez por isso tenham dito que não conheciam o programa. Já as entrevistas indicaram que a participação da família no PSE era restrita às ações de imunização, ainda assim numa perspectiva de culpabilização: “A mãe, se bobear, fica em casa e não vai atrás das coisas.”
Conclusões/Considerações finais O PSE moratense não distingue as ações de promoção da saúde e prevenção de doenças. Para as gestoras e profissionais entrevistadas, a identificação e o tratamento das doenças são prioridades. Os estudantes não conhecem o programa, ainda que ele já tenha sido aplicado na escola, resultado que pode estar associado à não participação deles no controle social do PSE. Quanto às famílias, as escolas parecem atuar junto aos pais, mães e responsáveis pelas crianças num sentido persecutório, em geral colocando sobre eles boa a responsabilidade pelo mal desempenho dos indicadores de saúde. A culpabilização emergiu em falas que tomaram o familiar como figurante no processo, limitado a atender às demandas dos serviços. A gestão do PSE deve investir em processos e ações efetivamente intersetoriais, com foco nos determinantes sociais, buscando nas premissas do próprio PSE as melhores estratégias e práticas para transformar a escola em um espaço efetivo de produção de uma saúde emancipatória.
Referências
Almeida VMC. A percepção sobre o Programa Saúde na Escola (PSE) em Francisco Morato: desafios para a promoção de saúde. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Saúde Coletiva). Programa de Especialização em Saúde Coletiva, Instituto de Saúde, São Paulo, 2023.
Bispo, M.S; Godoy, A.S. A Etnometodologia enquanto caminho teórico-metodológico para investigação da aprendizagem nas organizações. RAC, Rio de Janeiro, v. 16, n. 5, art. 3, p. 684-704, 2012.
Brasil. Lei N° 6.286, de 05 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 06 dez. 2007.
Spink, M. J. Linguagem e Produção de Sentidos no Cotidiano. Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro Edlstein de Pesquisas Sociais. Rio de Janeiro. 2010. Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/w9q43/pdf/spink-9788579820465.pdf
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