Roda de Conversa

04/11/2024 - 17:20 - 18:30
RC9.5 - Política Nacional de Saúde Bucal: gestão, monitoramento e avaliação dos serviços

53360 - TENDÊNCIA DA PRODUÇÃO ODONTOLÓGICA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA NO BRASIL, 2013-2022: EM QUE DIREÇÃO TEMOS CAMINHADO?
ICARO SANTIAGO DE AQUINO - UFC, ADRIANO DE AGUIAR FILGUEIRA - UFC, GEMAKSON MIKAEL MENDES - UFC, ANA KARINE MACEDO TEIXEIRA - UFC


Apresentação/Introdução
A inclusão da saúde bucal na Estratégia de Saúde da Família proporcionou estímulo à qualificação da atenção à saúde bucal, na tentativa de superar o modelo assistencial tradicional, que elencava a prática em procedimentos mutiladores. Nesse cenário, mudanças no acesso aos serviços de saúde bucal e na redução das desigualdades impactaram positivamente no perfil saúde/doença da população. Entretanto, a conservação desse desempenho foi ameaçada por transformações políticas, econômicas e epidemiológicas enfrentadas pelo país nos últimos anos. Apesar da alta demanda pelos serviços de saúde, o Estado brasileiro, ao implantar medidas como a Emenda Constitucional Nº 95/2016, limitou os gastos públicos por 20 anos, contribuindo negativamente com a manutenção da rede de atenção, incluindo a saúde bucal. Além disso, diante da pandemia da COVID-19, houve a necessidade de redirecionar a prática assistencial para a rede hospitalar, enquanto a atenção primária sofreu negligência quanto aos investimentos necessários. Entretanto, há uma carência de estudos quanto à tendência dos procedimentos de saúde bucal na atenção primária antes da pandemia. O presente estudo enseja o melhor entendimento do cenário recente da saúde bucal no sistema único de saúde, para além do que foi observado com a pandemia e fornece aporte para o planejamento e tomada de decisão na gestão.


Objetivos
Este estudo teve por objetivo analisar a tendência dos procedimentos odontológicos realizados na atenção primária à saúde no Brasil ao longo de dez anos.

Metodologia
Trata-se de estudo de série temporal com dados secundários do DATASUS, que adotou como referência temporal o período entre os anos de 2013 a 2022. Os registros dos procedimentos odontológicos realizados no âmbito da atenção primária foram coletados e divididos em grupos e subgrupos, de acordo com o tipo de procedimento. Desse modo, os procedimentos de prevenção e de promoção à saúde constituíram o Grupo 1, enquanto os procedimentos curativos e restauradores integraram o Grupo 2, e o Grupo 3 correspondeu às primeiras consultas odontológicas programáticas. Calculou-se a taxa de produção anual por 100 mil habitantes. Para analisar a evolução da produção entre 2013 e 2022, obteve-se a diferença absoluta do percentual da taxa de entre os dois anos. Em seguida, aplicou-se o modelo de regressão joinpoint para identificar os anos em que houve alteração na tendência da série temporal, considerando dois pontos de inflexão, com o cálculo da Annual Percent Change (APC), em intervalo de confiança de 95%. Devido a utilização de dados secundários de domínio público, não houve a necessidade de submissão do projeto de pesquisa ao comitê de ética.

Resultados e Discussão
O grupo 2 apresentou a maioria dos procedimentos realizados de 2013 a 2022 (Tx = 42.236; 58,9%). O grupo 3 apresentou as menores proporções durante o período avaliado. Houve redução (-37,6%) no total de procedimentos realizados. Na análise das tendências, foram identificados os anos de 2017 e 2020 como pontos de inflexão da série temporal, demarcando três períodos de análise, sendo o primeiro deles 2013-2016 (APC 1), o segundo 2017-2019 (APC 2) e o terceiro 2020-2022 (APC 3). No grupo 1, verificou-se tendência crescente para o APC 1 (APC 1 = 15,38; IC 95% 2,09 a 54,32), e decrescente para o APC 2 (APC 2 = -26,84; IC 95% -38,43 a -9,63), enquanto no grupo 2 (APC 2 = -31,75; IC 95% -42,20 a -17,76) e no grupo 3 (APC 2 = -31,21; IC 95% -40,95 a -19,01) houve tendência decrescente significante para o APC 2. Observa-se que anteriormente à pandemia já havia um decréscimo na quantidade de procedimentos executados. Na última década, importantes alterações nas políticas que regulamentam o sistema de saúde pública no Brasil podem ter impactado negativamente na produção odontológica. No cenário de restrição orçamentária, a Política Nacional da Atenção Básica foi revisada, em 2017, flexibilizando a composição das equipes e prevendo a não obrigatoriedade da saúde bucal. No que concerne à Política Nacional de Saúde Bucal, considera-se ainda a perda do direcionamento ao nível federal no entorno de 2017. Além disso, vale-se a ressalva de que os recursos humanos empregados na assistência odontológica da atenção primária nos últimos anos são, comumente, provenientes de vínculos empregatícios que desfavorecem o firmamento destes profissionais em seus territórios de atuação e dificultam a aplicação prática de princípios básicos da política de saúde bucal.

Conclusões/Considerações finais
Conclui-se que a queda na produção odontológica ao longo da década, especialmente após 2017, reproduziu um reflexo das mudanças políticas empregadas nos últimos anos, expondo negligências na manutenção da atenção odontológica da atenção primária no Brasil. Nessa conjuntura, faz-se necessário reconhecer os fatores contextuais que culminaram no retrocesso observado para que momentos de instabilidade política, econômica e epidemiológica não resultem em regressos nos direitos alcançados e no exercício da cidadania. Reforça-se, ainda, a importância da atuação das comunidades acadêmicas e de todas as entidades de controle social no monitoramento contínuo das políticas públicas de saúde bucal, uma vez que estas, quando alteradas abruptamente, podem implicar em impactos negativos na saúde da população.

Referências
Gonçalves AJG et al. Estrutura dos serviços de saúde bucal ofertados na Atenção Básica no Brasil: diferenças regionais. Saúde debate. 2020;44(126):725–38.
Corrêa GT, Celeste RK. Associação entre a cobertura de equipes de saúde bucal na saúde da família e o aumento na produção ambulatorial dos municípios brasileiros, 1999 e 2011. Cad Saúde Pública. 2015;31(12):2588–98.
Pucca GA Jr, Gabriel M, de Araujo ME, Almeida FC. Ten Years of a National Oral Health Policy in Brazil: Innovation, Boldness, and Numerous Challenges. J Dent Res. 2015;94(10):1333-7.
Santos LPS et al. Política de Saúde Bucal no Brasil: transformações e rupturas entre 2018-2021. Ciênc saúde coletiva. 2023;28(5):1575–87.

Fonte(s) de financiamento: Não há.


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