48733 - DO TEXTO AO CONTEXTO: ANÁLISE DE CONTEÚDO DOS RELATÓRIOS ANUAIS DE GESTÃO DOS ESTADOS DO NORDESTE ACERCA DE SAÚDE MENTAL E SUICÍDIO. LIANA CARLAN PADILHA - UFRN, FERNANDA CUNHA SOARES - UFRN, ANA KALLINY DE SOUSA SEVERO - UFRN
Apresentação/Introdução
O agravamento de problemas de saúde mental durante o período pandêmico está evidenciado em estudos realizados em todo o mundo[1]. Durante a pandemia da Covid-19, foram observadas consequências sociais, econômicas, psicológicas, com reflexos em problemas de saúde mental, tais como ansiedade, transtornos de humor, depressão, havendo provável relação com o aumento de suicídios[1],[2],[3]. No Brasil, estudo sobre óbitos por suicídio ocorridos na região Nordeste do Brasil já apontava para aumento desta causa de óbito[4].
No SUS, o planejamento em saúde é realizado por todos os entes federativos por meio dos instrumentos de planejamento, que devem trazer ações voltadas a atender às necessidades de saúde das populações. Tem como base o Planejamento Estratégico em Saúde, por meio de instrumentos como o Plano de Saúde (PS), a Programação Anual de Saúde (PAS), o Relatório Detalhado do Quadrimestre Anterior (RDQA) e o Relatório Anual de Gestão (RAG), o qual compilar ações em saúde planejadas e realizadas no ano anterior à sua divulgação [5], [6]. Ao mencionar as ações realizadas, o RAG apresenta, de forma resumida, conteúdos que podem refletir a preocupação dos gestores com determinadas demandas de saúde. Assim, a análise comparada do conteúdo do RAG de anos sucessivos pode trazer evidências sobre como algumas demandas são mais ou menos priorizadas pela gestão ao longo do tempo.
Objetivos
Realizar a análise comparada dos RAG ou RDQA do 3º quadrimestre de cada estado do Nordeste ao longo do período de 2011 a 2022, por meio de técnica de análise de conteúdo, para compreender se houve impacto da pandemia da Covid-19 no planejamento em saúde mental.
Metodologia
Trata-se de análise de conteúdo quantitativa, que, segundo Bardin[7], é um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos (frequência de aparição de certos elementos da mensagem), indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção.
A análise de conteúdo realizada teve como objetos os RAG ou RDQA do 3º trimestre dos nove estados do Nordeste, no período de 2011-2022. Os instrumentos foram escolhidos por conterem ações em saúde planejadas e executadas.
Como critério, utilizou-se as palavras “saúde mental” e “suicídio”, e, por meio de ferramenta de busca interna do software de leitura, contabilizou-se todos os retornos nos instrumentos. O parâmetro de interpretação foi de que, quanto maior a frequência desses termos, maior a disponibilidade de dados disponíveis sobre ações realizadas. Comparou-se, ano a ano, a frequência dos termos “saúde mental” e “suicídio”, nos instrumentos elaborados antes e no período da pandemia da Covid-19. Foram analisados 105 instrumentos de planejamento, entre RAG e RDQA, relativos ao período de 2011 a 2022.
Resultados e Discussão
Os dados obtidos demonstram que a preocupação dos gestores do NE com a saúde mental não é uma constante, variando com grande amplitude ano a ano, especialmente em PE, MA, AL, SE e PB. Por outro lado, indicam que pode ter ocorrido correlação da pandemia com as ações voltadas à saúde mental.
São dados que importa destacar:
a) BA: em 2019 trazia 5 menções, em 2020, 2021 e 2022 apresentou 14, 14 e 15 menções;
b) MA: o RAG 2019 trazia 0 menções, mas em 2020, 2021 e 2022 apresentou 27, 16 e 26 menções;
c) PI: o RDQA-3º quadrimestre de 2019 trazia 0 menções, mas em 2020, 2021 e 2022 apresentou 13, 21 e 23 menções; e,
d) RN: RAG 2019 trazia 15 menções, mas em 2020, 2021 e 2022 apresentou 7, 30 e 37 menções.
Quanto ao termo “suicídio”, identificou-se que, na maioria dos estados não havia ações de saúde relativas à temática do suicídio até o período da deflagração da pandemia de Covid-19, momento que marca aumento da frequência.
Dados que importa destacar:
a) CE partiu de 0 menções até 2019, para 5, 7 e 14 menções em 2020, 2021 e 2022;
b) PI, com 0 menções até 2019, passou para 5, 9 e 11 em 2020, 2021 e 2022;
c) AL teve maior aumento de frequência entre 2021 e 2022, saindo de 0 para 21 menções;
d) BA apresentou crescimento apenas em 2020, saindo de 0 em 2019 para 7;
e) SE com crescimento apenas em 2021, saindo de 4 retornos em 2020 para 13.
Destaca-se que, a partir de 2016, há no Brasil um intenso desmonte da atenção psicossocial e reinvestimento no modelo manicomial, iniciativas que caracterizam a contrarreforma psiquiátrica[8], que pode ter refletido nos instrumentos de planejamento ao longo dos anos.
À exceção de AL, CE e PI, todos os demais estados voltaram a reduzir conteúdos sobre ações de saúde mental e voltadas à temática do suicídio em 2022, com destaque para SE e PE.
Conclusões/Considerações finais
Apesar da limitação encontrada na disponibilidade dos RAG ou RDQA do 3º quadrimestre dos estados do Nordeste, fato que preocupa, pois, a disponibilização desses instrumentos de planejamento deveria ser realizada para fácil acesso, encontrou-se evidências relevantes.
A análise de conteúdo indicou que houve aumento expressivo de menções ao termo “saúde mental” nos instrumentos de planejamento do período de 2020 a 2022 em estados como BA, MA, PI e RN, e quanto ao termo “suicídio” houve aumento no CE, PI e AL. Esses dados representam possível aumento da preocupação dos gestores como resultado dos impactos da pandemia no âmbito da saúde mental.
Por outro lado, a redução da frequência dos referidos termos no ano de 2022 é preocupante e merece atenção do controle social e dos próprios gestores do SUS, na medida em que as necessidades de saúde relativas à saúde mental continuam demandando ações e atividades específicas.
Referências
1. ZETTERQVIST, M. et al. A potential increase in adolescent nonsuicidal self-injury during covid-19: A comparison of data from three different time points during 2011 – 2021.
2. FAROOQ, S. et. al. Suicide, self-harm and suicidal ideation during COVID-19: A systematic review.
3. HOSSAIN, M. et al. Mental health outcomes of quarantine and isolation for infection prevention: a systematic umbrella review of the global evidence.
4. BONADIMAN, C.S.C. et al. The burden of suicide in Brazil: findings from the Global Burden of Disease Study 2019.
5. PAIM, J. S. Planejamento em saúde para não especialistas. In: CAMPOS, G. W. de S.; et al. Tratado de Saúde Coletiva. (2017).
6. BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de planejamento no SUS (2016).
7. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Edições 70: Lisboa, Portugal, 1977.
8. OKA, C. P. B.; COSTA, P. H. A. Os Caminhos da Contrarreforma Psiquiátrica Brasileira: Um estudo documental.
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