54316 - PLATAFORMIZAÇÃO DO TRABALHO NA SAÚDE: IMPLICAÇÕES À REDE DE SAÚDE E PRINCÍPIOS DA ATENÇÃO BÁSICA CIANE DOS SANTOS RODRIGUES - ENSP/FIOCRUZ, MÁRCIA TEIXEIRA - ENSP/FIOCRUZ, MARIA INÊS CARSALADE MARTINS - ENSP/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução Nos últimos anos, vem sendo observado no setor saúde, crescimento expressivo das chamadas health techs, aumentando de 248 empresas para 747 entre os anos 2019 e 2022 (DISTRITO, 2021). São empresas de saúde cuja base está na inovação tecnológica.
Desenvolvem atividades de marketplace, e-commerce, gestão de consultórios e clínicas, prontuários eletrônicos, uso de inteligência artificial, informação em saúde, entre outras.
Esta pesquisa consiste no estudo das health techs voltadas para oferta de consulta médica, aqui nomeadas como empresas-plataforma ou aplicativos de consulta (app).
Objetivos Caracterizar o modelo de plataformas digitais de consulta médica no Brasil e analisar sua expansão no âmbito da rede pública e suplementar do SUS.
Metodologia Foi realizada pesquisa qualitativa delineada como estudo de caso, com uso dos instrumentos amostragem não probabilística bola de neve – adaptado para ambiente digital – e análise documental.
O método bola de neve se deu na loja de aplicativos da Apple, a partir da busca de uma empresa inicial, sendo identificadas e selecionadas as demais sugeridas pelo algoritmo da Apple Store. A análise documental se deu sobre 58 Termos de Uso.
Consideramos os preceitos éticos das Resoluções nº 466, de 2012, e nº 510, de 2016. Submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa recebendo parecer de dispensa de análise ética (nº 18/2021).
Selecionamos 54 empresas-plataforma para análise e discussão de resultados. A primeira empresa criada, identificada nesta pesquisa, surgiu em 2015. O ano de 2020 teve o maior número de empresas-plataforma fundadas.
Destas 24 empresas, foram analisados 58 Termos de Uso (9 termos para profissionais e 49 termos gerais), com apoio do software Atlas.ti versão 22 para Windows®.
Resultados e Discussão O "termo de uso" ou "termos e condições de uso" regulamenta a relação entre trabalhador/usuário e plataforma. Alguns estabelecem termos específicos para prestadores de serviço e usuários, enquanto outros têm um termo único para ambos.
A análise codificou trechos em 172 unidades de registro, resultando em 4 categorias: Autonomia, Relação de Trabalho, Monopólio dos Dados e Organização e Gestão do Trabalho. Os aspectos de responsabilização do trabalhador foram mais frequentes (45 vezes) do que os relacionados à plataforma (21 trechos).
As empresas se posicionam como empresas de tecnologia, não responsáveis por serviços médicos, transferindo toda responsabilidade ao médico, incluindo danos e custas processuais. Negam vínculo de trabalho ou societário. Mais de 30% dos trechos condicionam e induzem o trabalho na plataforma. Documentos não são exigidos, sendo responsabilidade exclusiva do médico zelar pela veracidade das informações.
Parcerias com grandes planos de saúde, hospitais e laboratórios têm crescido, ampliando a cobertura e serviços oferecidos. A atuação das empresas no SUS expandiu de consultas na atenção primária para consultas especializadas. Outra mudança relacionada com os serviços ofertados foi a inserção do atendimento de casos de urgência.
Nesse sentido, levantamos o debate a respeito do possível impacto como mais uma porta de entrada no sistema de saúde, produzindo demanda para continuidade do cuidado, seja por meio da realização de exames/procedimentos ou novas consultas para acompanhamento.
Conclusões/Considerações finais Esse crescimento relaciona-se à facilidade para início de atividades e ao atrativo do setor privado de saúde em meio ao enfraquecimento da oferta pública. Isso impulsiona planos de saúde populares e novas modalidades assistenciais via aplicativos. A expansão da telemedicina no Brasil e o apelo à autonomia médica contribuem para esse cenário.
No entanto, a assistência por aplicativos muitas vezes não prioriza o vínculo entre usuário e médico, fragilizando princípios e diretrizes da PNAB.
Na medida em que não prioriza construção de vínculo, sem acompanhamento regular e continuado, sem responsabilização, a longitudinalidade do cuidado é afetada; quando apenas ocorre o atendimento pontual sem a garantia da inserção do usuário na RAS, localizando quais outros pontos de atenção precisam ser acessados para a garantia da integralidade, estão sendo afetadas diretrizes da PNAB que apontam para coordenação do cuidado e a ordenação em redes.
Referências ABÍLIO, Ludmilla Costhek. Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, 2019.
ANTUNES, Ricardo. Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2020.
CARELLI, Rodrigo de Lacerda; OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. As plataformas digitais e o direito do trabalho: como entender a tecnologia e proteger as relações de trabalho no século XXI. 1. ed. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2021.
GRAHAM, Mark; HJORTH, Isis; LEHDONVIRTA, Vili. Digital Labor and Development: Impacts of Global Digital Labor Platforms and the Gig Economy on Worker Livelihoods. Massachusetts Institute of Technology. London: Ed: Mark Graham, 2019.
HUWS, Ursula. Reinventing the Welfare State: Digital Platforms and Public Policies. UK: Ed Pluto, 2020.
SUPIOT, Alain. Le travail n’est pas une marchandise: contenu et sens du travail au xxie siècle. Paris: Éditions du Collège de France, 2019.
Fonte(s) de financiamento: CAPES/CNPQ
|