Roda de Conversa

06/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC8.28 - Correlações entre trabalho e formação

52019 - FLEXIBILIZAR É MESMO A SOLUÇÃO? UMA REFLEXÃO SOBRE ESTRATÉGIAS ADOTADAS PARA O ENFRENTAMENTO DA ROTATIVIDADE DE MÉDICOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
CAROLINE PAGANI MARTINS - UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA, FERNANDA DE FREITAS MENDONÇA - UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA


Apresentação/Introdução
O sucesso da Estratégia Saúde da Família (ESF) relaciona-se intimamente com a estabilidade dos profissionais. Contudo, a alta rotatividade de trabalhadores, principalmente de médicos, impõe barreiras à sua consolidação como modelo reorientador da atenção à saúde.
A problemática agravou-se a partir de 2017, com a publicação de contrarreformas neoliberais que afetam o processo de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS). Entre elas, destacam-se a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17), que possibilita a terceirização de atividades-fim, e a mais recente atualização da Política Nacional de Atenção Básica (Portaria nº 2.436/17), que propõe arranjos de equipe e carga horária que, para Seta, Ocké-Reis e Ramos (2021), contrariam atributos essenciais da APS, como o vínculo com as famílias.
A justificativa para tais incursões é a de que a flexibilização daria aos gestores locais mais autonomia na organização dos serviços. Todavia, essas decisões são apontadas como mecanismos de desmonte do SUS que, ao reduzirem a estabilidade e os direitos trabalhistas, estabelecem fatores críticos para a fixação de médicos no sistema público (Ney; Rodrigues, 2012).


Objetivos
Analisar estratégias que têm sido adotadas por municípios de uma macrorregião do Paraná para o enfrentamento da rotatividade de médicos, refletindo sobre suas repercussões para a gestão do trabalho na Atenção Primária à Saúde (APS).

Metodologia
Estudo quantitativo, de caráter exploratório na macrorregião Norte do Paraná, composta por 97 municípios e cinco Regiões de Saúde (RS).
Nove municípios foram selecionados: Apucarana, Arapuã, Cândido de Abreu, Conselheiro Mairinck, Cruzmaltina, Londrina, Pinhalão, Porecatu e Santo Antônio do Paraíso. Essa decisão se deu no âmbito da pesquisa “Mudanças nas regras de transferência de recursos federais do Sistema Único de Saúde: implicações e desafios para o financiamento e a organização da Atenção Primária à Saúde no Brasil”.
Obteve-se, pelo sistema de informação do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), dados secundários sobre as cargas horárias e modalidades de contratação de médicos na APS em dezembro de 2007, 2017 e 2023. Os filtros foram: tipo de unidade (posto de saúde; centro de saúde/unidade básica; unidade mista), profissionais que atendiam SUS e nível de atenção (ambulatorial/Atenção Básica). Para inclusão, o trabalhador deveria cumprir ao menos uma hora de carga horária ambulatorial. Após, procedeu-se com a estatística descritiva.
Como os dados estavam disponíveis em relatórios públicos, a aprovação prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa foi dispensada.



Resultados e Discussão
Arranjos contratuais marcados pela supressão de direitos trabalhistas, adotados como alternativa para a contratação de médicos, têm sido apontados como dificultadores para a fixação de profissionais no SUS (Ney; Rodrigues, 2012). O problema, identificado em todo o país, foi observado também na macrorregião estudada. A modalidade estatutário reduziu 4,87% entre 2007 e 2023.
Em 2023 foi incluída categoria até então inexistente nos registros: vínculos intermediados. Naquele ano, 408 dos 596 médicos cadastrados em Londrina (68,45%) eram intermediados autônomos pessoa jurídica. Entre os municípios de pequeno porte predominaram o vínculo empregatício contrato por prazo determinado, que expõe o trabalhador à insegurança da demissão antes do encerramento do contrato, e autônomo pessoa física, em que não há vínculo empregatício com o setor público (Carneiro et al., 2023). Em três deles, não se registrou estatutários em nenhum dos anos. Ao passo que se precariza as relações trabalhistas para ampliar a fixação dos médicos, essa ação é apontada como fator que afasta a categoria do SUS (Viana; Ribeiro, 2021).
Com explicação semelhante, isto é, de que as mudanças propostas implicariam em menor rotatividade, decidiu-se pela flexibilização da carga horária dos médicos (Viana; Ribeiro, 2021). Como resultado, o número de trabalhadores que cumpriam menos de 10 horas semanais em Londrina passou de sete, em 2007, para 371, em 2023. Nos municípios pequenos, quase metade dos médicos cumpriam 20 horas ou menos. Cabe o questionamento, porém, se tal flexibilização não põe a atuação desses trabalhadores em descompasso com atributos sensíveis à ESF, como a longitudinalidade do cuidado e a formação de vínculo com o usuário.


Conclusões/Considerações finais
Os achados evidenciaram que as mudanças mais significativas ocorreram em 2023, quando predominaram modalidades de contratação que submetem o trabalhador a situações de exploração e supressão de direitos, bem como a redução significativa da carga horária ambulatorial, comprometendo a articulação das equipes de saúde e dos usuários para a concretização de um cuidado verdadeiramente longitudinal e integral.
Chama a atenção, nesse sentido, que as flexibilizações de vínculo e carga horária foram observadas, ainda que com graus variados, em todos os municípios, independentemente do porte, potencial de arrecadação e localização mais ou menos distante dos centros urbanos. Diálogos estabelecidos com gestores locais no âmbito da pesquisa maior da qual esse estudo faz parte demonstram que, embora suscitadas como fatores que facilitariam a fixação de médicos da APS, essas estratégias - ao menos na macrorregião Norte do Paraná – trazem resultados opostos aos almejados.


Referências
CARNEIRO, C. C; MOROSINI, M. V; KOSTER, I.; FONSECA, A. F; CHINELLI, F.; REIS, R.; et al. Configurações do Trabalho na Atenção Primária: modalidades de contratação. 2º Boletim da Pesquisa “Desafios do Trabalho na Atenção Primária à Saúde na Perspectiva dos Trabalhadores”. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz. Novembro, 2023. 32 p. Disponível em: https://doi.org/10.29327/5340980

NEY, M. S.; RODRIGUES, P. H.A. Fatores críticos para a fixação do médico na Estratégia Saúde da Família. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 22, n. 4, p. 1293–1311, 2012.

SETA, M.H.; OCKÉ-REIS, C. O; RAMOS, A.L.P. Programa Previne Brasil: o ápice das ameaças à Atenção Primária à Saúde? Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. suppl 2, p. 3781–3786, 2021.

VIANA, V.G.A; RIBEIRO, M.F.M. Fragilidades que afastam e desafios para fixação dos médicos da Estratégia de Saúde da Família. Revista Família, Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social, v. 9, p. 216, 2021.


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