52541 - OLHARES AMPLIADOS SOBRE O CUIDADO: LIMITES E POSSIBILIDADES DA INSERÇÃO NA RAPS COMO PARTE DA FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA EM SAÚDE CARLA SILVA SOARES - IMS/UFBA, DANIELA RODRIGUES GOULART GOMES - IMS/UFBA
Contextualização
O termo Saúde Mental é utilizado para definir o campo de conhecimentos e práticas relacionados à produção de saberes, manutenção e restabelecimento da saúde mental das pessoas. Trata-se de um campo inter e transdisciplinar na construção dos conhecimentos, e intersetorial na sua atuação (Lancetti; Amarante, 2014). Como parte das propostas para efetivação da reforma psiquiátrica brasileira, foram instituídas, a partir da Portaria 3088/2011 (Brasil, 2011), as Redes de Atenção Psicossocial. As RAPS têm encontrado desafios para sua efetivação em todo o Brasil, tais como frágil articulação intra e intersetorial, além da distribuição desigual e insuficiente de serviços (Macedo et al., 2017). Ademais, há uma dificuldade de inserção social e cidadã dos usuários, associada ao estigma ainda atribuído à pessoa em sofrimento (Lima; Guimarães, 2019). Na cidade desta experiência, a rede está em processo de expansão e reordenamento, e apresenta fragilidades nas articulações entre os pontos da rede, que dificultam a integralidade da atenção. Neste contexto, mostra-se fundamental que a formação de profissionais de saúde para o SUS, que tenha como meta o atendimento às necessidades de saúde da população com desenvolvimento de autonomia e controle social, além da transformação das práticas profissionais e da organização do trabalho (Ceccim; Feuerwerker, 2004).
Descrição da Experiência
A experiência aqui descrita corresponde a um Estágio Básico em Saúde realizado com turmas do sexto semestre do curso de psicologia de uma Universidade Federal situada em cidade do interior. São analisadas as práticas em dois semestres letivos: 2023.2 e 2024.1. Em ambos, os discentes foram distribuídos entre quatro serviços diferentes da RAPS: ambulatório de saúde mental, CAPSII, CAPSad III e serviço psiquiátrico de Hospital Geral (internação). Foram realizadas práticas semanais, ocorridas entre setembro e novembro de 2023 e abril e maio de 2024, após as quais os discentes deveriam produzir diários de campo das suas experiências no dia. As atividades desenvolvidas foram planejadas junto às supervisoras em cada serviço, e variaram em função do processo de trabalho e de decisões das equipes preceptoras em cada local. Foram acompanhados e realizados acolhimentos, triagens, grupos de sala de espera, visitas domiciliares, oficinas terapêuticas, entre outros. Ao final de cada semestre, foram realizadas reuniões de avaliação das práticas com cada serviço. Este relato se baseia nos diários de campo dos 55 estagiários dos dois semestres, discussões em sala de aula, além de vídeos produzidos pelos discentes de 2023.2 e um Fórum organizado pelos discentes de 2024.1.
Objetivo e período de Realização
O Estágio Básico em Saúde tem como objetivo articular as concepções de diagnóstico, planejamento e intervenções no campo da saúde, nos dispositivos ambulatorial, atenção especializada e internamento, em especial aos vinculados à RAPS. Foi iniciado com revisão teórica sobre a Reforma Psiquiátrica, diretrizes da RAPS, Projeto Terapêutico Singular e Clínica Ampliada. As práticas em serviço ocorreram de setembro a novembro de 2023 e de abril a maio de 2024, com supervisões semanais em sala de aula.
Resultados
Os Resultados indicam que houve uma ampliação dos olhares dos estudantes sobre o cuidado em saúde mental. Nos CAPS, tiveram acesso a práticas que vão além dos limites do diagnóstico nosológico, historicamente priorizado pela prática psiquiátrica. Em diversos serviços, foram evidenciados os determinantes sociais da saúde mental, sendo o sofrimento ali apresentado relacionado com violência de gênero, pobreza, ambiente de trabalho, entre outros. Na turma de 2023.2, teve destaque a mobilização dos discentes com a pouca integração da RAPS e tentativas de articular o trânsito de pacientes na rede através dos próprios estagiários. Na finalização, os vídeos produzidos refletiam sobre a importância do CAPS na reforma psiquiátrica e os limites do cuidado em saúde mental em internação. A turma de 2024.1 se mobilizou com as limitações dos serviços para dar conta das necessidades dos usuários, com reflexões sobre a persistência da lógica manicomial e a baixa implicação da rede intersetorial no cuidado ampliado em saúde mental. Estes discentes organizaram, em maio um Fórum de Luta Antimanicomial, como espaço de diálogo entre universidade, serviços da RAPS, usuários e seus familiares.
Aprendizado e Análise Crítica
A experiência demonstra a dupla vantagem da inserção de estudantes de graduação em serviços da RAPS. Por um lado, estudantes têm a oportunidade de vivenciar o cotidiano das práticas em Saúde Mental e conhecerem as possibilidades de cuidado ampliado, tornando-se militantes da Luta Antimanicomial e munindo-se de um arcabouço teórico e técnico para sua atuação como futuros psicólogos. Por outro, a presença de estudantes nestes espaços favorece um novo olhar e uma nova disposição para a mudança dentro dos serviços. Discentes assim inseridos transformam-se em um potente elo entre Universidade e serviços da RAPS, na produção de diálogos e propostas para garantia de um cuidado ampliado e integral em saúde mental. Desta forma, promove-se a busca de uma formação de profissionais de saúde para o SUS (Ceccim; Feuerwerker, 2004), que possibilita a transformação das práticas profissionais e da organização do trabalho para melhor escuta e atendimento das necessidades de saúde da população. Entre os limites da prática, destaca-se a segmentação dos estágios entre as diferentes profissões, pois os aprendizados, reflexões críticas e potenciais transformações trazidos pela inserção de estudantes de psicologia na RAPS seriam enriquecidos se fossem construídos interprofissionalmente.
Referências
CECCIM, R.B., FEUERWERKER, L. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 14, n. 1, p. 41-65, 2004.
LANCETTI, Antonio; AMARANTE, Paulo. Saúde Mental e Saúde Coletiva. In: CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa; BOMFIM, José Rubem de Alcântara; MINAYO, Maria Cecília de Souza; AKERMAN, Marco; DRUMOND JÚNIOR, Marcos; CARVALHO, Yara Maria de. Tratado de saúde coletiva. 2ª ed. rev. aum. São Paulo: Hucitec, 2014.p. 661-680.
LIMA, D. K. R. R.; GUIMARÃES, J.. Articulação da Rede de Atenção Psicossocial e continuidade do cuidado em território: problematizando possíveis relações. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 29, n. 3, p. e290310, 2019.
MACEDO, J. P. et al.. A regionalização da saúde mental e os novos desafios da Reforma Psiquiátrica brasileira. Saúde e Sociedade, v. 26, n. 1, p. 155–170, jan. 2017.
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