Roda de Conversa

06/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC8.27 - Desafios para formação profissional na Saúde

50004 - TRANSFORMAÇÕES NA PRÁXIS DE SANITARISTAS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE A PARTIR DA FORMAÇÃO LATO SENSU EM SAÚDE PÚBLICA
GÍSSIA GOMES GALVÃO - FIOCRUZ, GUSTAVO DE OLIVEIRA FIGUEIREDO - UFRJ


Apresentação/Introdução
Esse trabalho apresenta resultados de um estudo realizado com coordenadores e sanitaristas egressos de um curso de especialização em Saúde Pública. Partimos do pressuposto de que tanto a formação em saúde pública, como a práxis no SUS, estão imersas no contexto da tensão teórica existente entre os campos científicos da saúde pública e da saúde coletiva. Embora o nosso objeto seja um curso de Saúde Pública, entendemos que o seu referencial teórico e metodológico traz também conceitos da saúde coletiva, apontando para a renovação do campo da saúde pública, a partir do surgimento do campo da saúde coletiva.

Podemos dizer que as rupturas de paradigma que ocorreram no campo da saúde pública, principalmente na Era Moderna, contribuíram para o surgimento de um novo paradigma (Khun, 1998). Rupturas representadas por um lado, pelas lutas políticas, especialmente o movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RSB), que culminaram com a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), a Constituição Federal e a criação do SUS. Por outro lado, pela crescente incorporação das disciplinas, conceitos e métodos das Ciências Sociais e Humanas na área da saúde, corroboram nossa tese de que ambos os campos convivem simultaneamente no contexto brasileiro contemporâneo e que os cursos de graduação em saúde coletiva e o reconhecimento da carreira do sanitarista são expressões mais recentes desse processo.

Objetivos
O objetivo geral foi analisar como a formação lato sensu em saúde pública pode contribuir para a transformação da práxis de sanitaristas do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir do estudo de um curso de especialização. Os objetivos específicos foram: identificar as características pedagógicas dessa formação que podem contribuir para a transformação da práxis e analisar a percepção de coordenadores e sanitaristas sobre o potencial desse curso para a transformação da práxis.

Metodologia
Esse estudo tem como abordagem epistemológica a perspectiva histórico-dialética de Marx, em composição com a proposta da Investigação-Ação-Participação construída por Fals-Borda (2015) em diálogo com Paulo Freire (Giroux; Figueiredo, 2021), esses três autores comungam da perspectiva histórico-dialética, situando-se como autores críticos. Caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso, que teve como procedimento metodológico a realização de quatro grupos focais, sendo um com coordenadores do curso e três com sanitaristas egressos, trabalhadores do SUS.

Os discursos de coordenadores e sanitaristas foram analisados considerando a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo, com base em Lefèvre e Lèfevre (2003; 2010). Este estudo integra um projeto de pesquisa mais amplo e foi submetido ao Comitê de Ética de duas Instituições, os grupos focais foram realizados após aprovação por estes comitês e a participação dos sujeitos se deu após consentimento prestado mediante leitura e gravação do Registro de Consentimento Livre e Esclarecido.


Resultados e Discussão
Apontamos algumas características pedagógicas do curso que parecem caracterizá-lo como um processo formativo com perspectiva crítica e contribuir para transformar a práxis dos sanitaristas no SUS. Na categoria “A perspectiva crítica da formação em saúde pública”, em relação aos métodos pedagógicos, os discursos apontaram para a presença da reflexão e problematização, o que favorece o exercício da atitude crítica diante do objeto estudado (Freire, 1978). Quanto as formas de interação, os pontos destacados pelos sanitaristas foram as aulas serem um debate aberto e democrático com a coordenação/professores. E quanto aos conteúdos, os sanitaristas destacaram: epidemiologia, planejamento e gestão; e os coordenadores apontaram a necessidade de dar mais atenção as Ciências Sociais e Humanas, que junto com os anteriores formam o tripé da saúde pública/coletiva (Paim; Almeida Filho, 2014).

Na categoria “As possibilidades de transformação na práxis dos trabalhadores do SUS”, os sanitaristas ressaltaram o desenvolvimento do “senso crítico”. Paim e Pinto (2013), consideram que a formação do sujeito da saúde coletiva supõe o desenvolvimento dessa aptidão crítica, o que pode explicar a ênfase dada a militância em defesa do SUS, que para Leal e Camargo Júnior (2012) caracteriza o campo da saúde coletiva. A bagagem técnica adquirida pelos sanitaristas, composta por diferentes saberes, disciplinas e tecnologias (Paim; Almeida Filho, 1998), foi considerada fundamental para qualificar a práxis. Foi percebido ainda um conjunto de práticas que se aproxima do observado por Castro (2016) sobre a relação com o trabalho que varia de militante a adoecida, se impondo uma pedagogia política e crítica (Giroux, 2019) na formação dos trabalhadores de saúde para que se tornem agentes de mudança social.

Conclusões/Considerações finais
Embora consideremos que o curso possui características pedagógicas potentes que contribuem para a transformação da práxis, reconhecemos a existência de uma crise no campo da saúde no Brasil, como apontado por Wargas (2015). Neste sentido, acreditamos que para além de processos formativos críticos, é necessário a decisão política de investir no SUS, melhorando sua infraestrutura, freando seu desmonte e valorizando seus trabalhadores.

Finalizamos traçando uma linha do tempo, que começa em 1985, início da redemocratização no Brasil, cujas marcas mais importantes na área da saúde foram a VIII CNS, a Constituição Federal e a implantação do SUS. E chegamos com a clareza do quanto é importante fortalecer a nossa democracia, reafirmando o slogan da RSB proferida por Arouca na VIII CNS “Saúde é democracia e democracia é saúde” e questionando se não é essa a principal identidade dos sanitaristas, a defesa da democracia, da saúde pública e do SUS.


Referências
FREIRE, P. Cartas à Guiné Bissau: registros de uma experiência em Processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1978.
GIROUX, H. If Classroms Are “Free of Politics”, the Right Wing Will Grow. TRUTHOUT, 2019.
KUHN, T. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.
LEAL, MB; CAMARGO JUNIOR, KR de. Saúde Coletiva em debate: reflexões acerca de um campo em construção. Interface, 2012.
LEFÈVRE, F; LEFÈVRE, AMC. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa; desdobramentos, 2003.
PAIM, JS; ALMEIDA FILHO, N. Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou um campo aberto a novos paradigmas? Rev. Saúde Pública, 1998.
PAIM, JS; PINTO, ICM. Graduação em Saúde Coletiva: conquistas e passos para além do sanitarismo. Rev. Tempus - Actas de Saúde Coletiva, 2013.
WARGAS, T. A formação em saúde coletiva e os desafios da avaliação. Ensaios & Diálogos em Saúde Coletiva, 2015.

Fonte(s) de financiamento: Financiamento próprio


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