52026 - LUTO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL: O QUE A COVID-19 NOS ENSINOU ACERCA DO CUIDADO AO LUTO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE JOÃO FERREIRA COELHO FILHO - UECE, ANA JAMILLE CARNEIRO VASCONCELOS - UECE, ANA PATRÍCIA PEREIRA MORAIS - UECE
Apresentação/Introdução A pandemia de COVID-19 caracterizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2020, deflagrou a vivencia de lutos individuais e coletivos, causando impactos na saúde física e mental de muitas vítimas. Para Franco (2021) o luto é um processo oscilatório, com reações emocionais, cognitivas, sociais e espirituais, diante de uma perda significativa, concreta ou simbólica, que podem ocorrer ao longo da vida, experienciada de modo singular.
A morte escancarada, compreendida nessa passagem do século XX para o XXI é uma morte que acontece de forma repentina, invasiva e brusca (Kovács, 2003). A pandemia de COVID-19, apresentou essas características e deixou inúmeros enlutados, atravessados por um luto muito particular, devido as características da morte por covid.
Na Atenção Primária à Saúde (APS), campo onde este estudo foi realizado, as Equipes de Saúde da Família (ESF), podem oferecer ações terapêuticas para pessoas e comunidades enlutadas. A experiência com a morte, provocada pela COVID-19 foi uma realidade inevitável aos trabalhadores da saúde, no caso do Brasil, em todos os níveis de atenção, considerando sua complexidade e tecnologias disponíveis para o cuidado (Merhy, 2007). Portanto, o vivido impôs o cuidado às pessoas enlutadas, questionando qual o preparo profissional para esse cuidado.
Objetivos Analisar as demandas de formação dos profissionais da saúde que atuam na Estratégia de Saúde da Família para o cuidado integral no contexto dos fenômenos morte e luto.
Metodologia Dadas as características do objeto desse estudo, realizamos uma pesquisa exploratória, transversal e reflexiva. A pesquisa fundamentou-se em uma abordagem teórica e epistemológica qualitativa, realizada por meio de uma pesquisa de campo (Minayo; Deslandes; Gomes, 2016).
Este estudo é composto por uma amostra qualitativa de 07 profissionais de nível superior das seguintes categorias: odontologia, enfermagem e medicina, distribuídos em 06 Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município de Fortaleza-ce.
Os profissionais foram inseridos por conveniência e de forma aleatória, após conhecerem o objetivo da pesquisa e concordarem em participar. As UBS foram selecionadas conforme organização territorial dos bairros com maior número de óbitos por COVID-19 até abril de 2022.
Os dados foram coletados entre os meses de agosto e outubro de 2022, utilizando a entrevista semiestruturada e o diário de campo. Os resultados foram analisados a partir da análise de conteúdo, como proposto por (Minayo, 2013). Após seguir as etapas metodológicas emergiu a seguinte categoria temática: “Elementos da formação dos profissionais da equipe de saúde da família em relação aos temas morte e luto”.
Resultados e Discussão A integralidade é um princípio que garante ao indivíduo o acesso a serviços de saúde. Esse cuidado pode ser oferecido a pessoas que passaram pela perda de um ente querido, à medida que o luto produz implicações na saúde física e mental. O contexto da pandemia acentuou a necessidade de formação profissional para atuação em situações de emergências emocionais e de saúde mental.
No cenário brasileiro, estamos expostos a situações econômicas, geográficas, sanitárias que levam os sujeitos a diferentes tipos de perdas e lutos, como por exemplo, situações de desastres, violências urbanas e periféricas, suicídio, fenômenos ambientas e sociais que correspondem a mortes repentinas e traumáticas, pandemias, endemias, epidemias, que causam uma ruptura de um vínculo por mortes individuais ou em massa.
Os participantes do estudo não possuem formação específica (pós-graduação ou cursos de formação) em relação aos temas morte e luto. Esse déficit na formação é apontado por Machado e Ximenes Neto (2018), a formação dos profissionais para o Sistema Único de Saúde (SUS) está pautada no modelo biomédico, prioritariamente direcionado para a cura, isto é, para “salvar vidas”.
O luto, faz parte do cotidiano dos profissionais da ESF, no entanto esses profissionais não sabem como acolher e orientar, por falta de políticas públicas e protocolos de intervenção que direcionem para esse tipo de cuidado. Quando questionados se a formação profissional que possuem, consegue dar conta dessa demanda diante do contexto de mortes por covid, a Enfermeira F deu a seguinte resposta “Não, (...) eu acho que para lidar com essas coisas que são muito específicas, tem que ter uma instrução (...)”. As narrativas apontam para uma lacuna da formação que se relaciona diretamente com o manejo dessa demanda na prática.
Conclusões/Considerações finais O contexto da pandemia acentuou a necessidade de formação profissional para atuação em situações de emergências emocionais e de saúde mental. O luto tornou-se essa figura emergente, realçando o desafio para a saúde coletiva no debate acerca de políticas públicas para o cuidado ao luto.
Há de se destacar que existe movimentações que rompem com essa ideia da morte como tabu e que primam pelo cuidado ao luto, entendendo que essa é uma pauta importante e que precisa ser visibilizada por diferentes setores como a saúde, educação, segurança para a efetivação do cuidado integral ao enlutado.
O estudo aponta uma lacuna na formação dos profissionais para o trabalho com o luto na APS. Os currículos propõem que o tema seja abordado na universidade, em algumas disciplinas que discutem a morte como parte do ser, no entanto a aproximação com o tema deve perpassar por disciplinas especificas de tanatologia e que estejam como prioritárias na formação e não como optativo para a formação.
Referências FRANCO, M. H. P. O luto no século 21: uma compreensão abrangente do fenômeno. 1. ed. São Paulo: Summus, 2021.
KOVÁCS, M. J. Educação para a morte: temas e reflexões. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
MACHADO, H. M; XIMENES NETO, F. R. G. Gestão da educação e do trabalho em saúde no SUS: trinta anos de avanços e desafios. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 6, p. 1971-1980, 2018. Doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.06682018.
MINAYO, M. C. S.; DESLANDES, S. F.; GOMES, R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade – Manuais acadêmicos. Petrópolis: Vozes, 2016.
MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13. ed., São Paulo: Hucitec, 2013.
MERHY, E. E. et al. O Trabalho em Saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. O debate no campo da saúde coletiva. 4. ed., São Paulo: Hucitec, 2007.
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