Roda de Conversa

05/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC8.16 - Desafios da Gestão do Trabalho no SUS

50002 - A INFLUÊNCIA DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO SOBRE A QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE INFANTIL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA
ALLAN CRUZ DA SILVA - UECE, ISRAEL COUTINHO SAMPAIO LIMA - UECE, CIDIANNA EMANUELLY MELO DO NASCIMENTO - UECE, IAGO ALMEIDA DA PONTE - UECE, JOÃO HENRIQUE CORDEIRO - UECE, HELDER MATHEUS ALVES FERNANDES - UECE, ANA CLARA DOS SANTOS RAMOS - UNICHRISTUS, DANIELLY CUSTÓDIO CAVALCANTE DINIZ - UECE, ILVANA LIMA VERDE GOMES - UECE, JOSÉ JACKSON COELHO SAMPAIO - UECE


Contextualização
De acordo com a Política Nacional de Atenção Básica estabelecida na Portaria nº 2436 de 2017, a Atenção Primária à Saúde-APS é a porta de entrada preferencial de todo o Sistema Único de Saúde-SUS. São responsabilidades das três esferas de governo garantir formas de fixação de profissionais, promover ofertas de cuidado, além de garantir direitos trabalhistas em prol de qualificar os vínculos de trabalho e implantar carreiras que associem a qualificação do trabalhador em consonância com a dos serviços ofertados às pessoas.
Na realidade, entretanto, não há qualificação das relações de trabalho. Existem vínculos fragilizados, desrespeito aos direitos trabalhistas e trabalhadores em situação de precariado, com uma vulnerabilidade política, econômica e social que dificulta até movimentos de luta por melhores condições ocupacionais (Druck, 2016). Logo, o precariado seria uma nova classe social, formada por profissionais jovens e qualificados que enfrentam situações de trabalho casuais e precárias, sem direitos ou benefícios (Assad, 2014).
A precarização afeta as condições ocupacionais, refletindo diretamente na atenção à saúde, como destacam os autores Druck, 2016; Dilélio et al., 2024, no contexto da APS, variações na taxa de mortalidade infantil são observadas em decorrência da má qualidade do processo do cuidado infantil.


Descrição da Experiência
A experiência relatada ocorreu entre janeiro de 2022 a janeiro de 2024, em cinco Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS), concebidas para realizar a Estratégia Saúde da Família (ESF), no município de Fortaleza, no estado do Ceará. As informações relatadas foram coletadas por meio de anotações realizadas em diário de campo do autor principal do estudo, além da recuperação do processo vivido, por meio de reflexões de fundo. A partir deste ponto, é importante compreender que o enfermeiro designado como supervisor de estágio, tem a atribuição de garantir ambiente seguro e propício ao ensino-aprendizagem dos estudantes no desenvolvimento de suas competências e habilidades diante do processo de cuidado e gestão do serviço.
Todavia, o contexto real nem sempre se apresenta como ideal para a concretização do ensino. Nesta experiência, as UAPS apresentavam elevado fluxo de usuários, ocasionando sobrecarga de trabalho para as equipes. A situação exigia do enfermeiro supervisor e de seus discentes que assumissem parte das demandas da UAPS, na tentativa de apoiar e reduzir o esforço laboral dos profissionais dos serviços. Assim, o supervisor e os supervisionados tornam-se integrantes assistenciais do serviço, experienciando os reflexos das condições de trabalho em campo concreto, principalmente sobre os tipos de vínculos frágeis de trabalho na assistência prestada à população infantil.


Objetivo e período de Realização
O estudo objetivou relatar a experiência vivenciada por um enfermeiro, enquanto preceptor de estágios na área de saúde coletiva, com discentes dos cursos técnico e de graduação em Enfermagem, em UAPSs de Fortaleza, capital do estado do Ceará, no que diz respeito à observação da influência dos vínculos de trabalho frágeis, que podem afetar a qualidade da assistência prestada pela equipe destes serviços, entre janeiro de 2022 e janeiro de 2024.

Resultados
A recuperação das vivências em campo determinado, com foco nos tipos de vínculos laborais, permitiu ver que são fatores importantes que afetam diretamente o processo do cuidado e assistência infantil ofertada pela equipe das UAPS. Em análise inicial, pôde-se identificar elevada rotatividade de profissionais, fator este que dificulta a construção de vínculos com as mães ou responsáveis direto pelas crianças atendidas.
A alta rotatividade deriva do vínculo intermitente e inseguro de trabalho. Observou-se que entre os profissionais havia uma constância sobre a manifestação de sentimento de insegurança e desapego em relação à unidade. Exatamente por não se sentirem parte do serviço, devido ao risco de um possível desligamento ou transferência para outro serviço.
Constatou-se que a rotatividade de profissionais impede que o trabalhador se integre completamente à equipe, uma vez que o tempo necessário para se adaptar ao fluxo de trabalho muitas vezes é inferior ao período de permanência na função ou no emprego. Essa dinâmica dificulta tanto os programas de acompanhamento contínuo, como na Puericultura, quanto os processos mais complexos, como a rotina de vacinação e a territorialização.


Aprendizado e Análise Crítica
Nota-se que a crise de financiamento da saúde pública no país resulta numa prática danosa: a alocação de cargos por meio de organizações sociais, cooperativas e indicações políticas (Druck, 2016). Esses métodos, que se camuflam como servientes ao interesse público, corroem a eficácia dos serviços, minando a qualidade laboral dos trabalhadores e a confiança da população no SUS.
Organizações que inicialmente parecem pragmáticas podem se revelar fontes de ineficiência e precarização, enquanto indicações políticas comprometem a qualidade dos serviços ao privilegiar lealdades pessoais ou partidárias sobre mérito e experiência, havendo um rodízio dos profissionais a cada nova gestão.
A transformação desse cenário exige uma mudança cultural e institucional que respeite a Portaria nº 2436 e reafirme os princípios do SUS, da democracia e da transparência na gestão pública, garantindo que os recursos sejam empregados em prol do bem-estar coletivo, não de interesses particulares.
Um resultado inesperado do estudo foi o próprio pesquisador se identificar como mais um profissional precarizado. Assim como os outros profissionais, percebeu a fragilidade e a inconstância dos seus vínculos, a baixa remuneração para suas atividades laborais e como isso tudo interfere negativamente na assistência e no processo de desenvolvimento dos estagiários.


Referências
Assad, Leonor. Uma nova classe social ou o proletariado que se transforma? Ciência e Cultura, São Paulo, v. 66, n. 3, p. 17-18, set. 2014.
Dilélio, Alitéia Santiago; et al. Estrutura e processo na atenção primária à saúde das crianças e distribuição espacial da mortalidade infantil. Rev. Saúde Pública, v. 21, n. 58, p. 1-11, 2024.
Druck, Graça. A TERCEIRIZAÇÃO NA SAÚDE PÚBLICA: formas diversas de precarização do trabalho. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 15-43, nov. 2016.
Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Mussi, Ricardo Fraklin de Freitas; et al. Pressupostos para a elaboração de relato de experiência como conhecimento científico. Práxis Educacional, v. 17, n. 48, p. 1-18, 1 set. 2021.


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