52311 - ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO EM SAÚDE E SUA ASSOCIAÇÃO COM TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS ELAINE DE SOUZA REIS - UFBA, FERNANDO RIBAS FEIJÓ - UFBA, PALOMA DE SOUSA PINHO FREITAS - UFRB, MARGARETE COSTA HELIOTERIO - UFRB, TÂNIA MARIA DE ARAÚJO - UEFS
Apresentação/Introdução
Os novos modelos de gestão laboral do capitalismo flexível firmam-se no acúmulo de capital e precarização do trabalho, de modo que o ser humano é considerado uma mercadoria descartável, enfraquecendo os vínculos de trabalho e modificando os processos laborais.1 O aumento da exploração da força de trabalho vem sendo vivenciado no contexto do trabalho em saúde, em especial com os processos de terceirização da força de trabalho e com os vínculos precários de trabalhadores da saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo Heloani e Barreto (2018), o assédio moral compreende-se como um fenômeno que se constitui a partir da reestruturação produtiva, abrangendo qualquer comportamento abusivo que possam infringir à dignidade e/ou integridade física/psíquica de outrem, interferindo na autonomia e individualidade dos sujeitos, forçando-os a atenderem as perspectivas impostas pelo mercado. Para isso, mecanismos coercitivos e de controle de produtividades, tomam-se cada vez mais comuns, como “parte da rotina” do trabalhador/a, cujo fim destina-se ao acúmulo do capital firmado na exploração e espoliação1. Essa prática vem sendo observada, inclusive no trabalho em saúde, no qual seus praticantes podem ser os que ocupam posições de chefia e/ou próprios colegas de trabalho de mesmo nível hierárquico2. Entretanto, poucos estudos nacionais aprofundaram esse tema no trabalho em saúde.
Objetivos
Analisar a associação entre a exposição ao assédio moral no trabalho e TMC em trabalhadores/as da saúde da atenção primária e média complexidade no Sistema Único de Saúde (SUS).
Metodologia
Foi realizado um estudo epidemiológico analítico transversal com uma amostra representativa de trabalhadores da saúde de três municípios do estado da Bahia: Feira de Santana, São Gonçalo dos Campos e Cruz das Almas. A população alvo foi constituída por 1.014 trabalhadores da Atenção Primária e Média Complexidade. Foram incluídos todos os trabalhadores, de nível básico, técnico ou profissional, que atuavam nas unidades de saúde dos três municípios elegíveis no período de coleta de dados. Foram excluídos aqueles que possuíam a ocupação de estágio e/ou tinham idade inferior a 18 anos. A coleta de dados teve início em abril de 2021 e término em abril de 2022. Os TMC foram avaliados por meio do Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), enquanto a exposição ao assédio foi avaliada pelo self-labelled method3 com a descrição da definição sobre assédio moral e questões específicas sobre a exposição à prática nos últimos 6 meses. Estimaram-se razões de odds e intervalos de confiança 95% por meio da Regressão Logística múltipla, com controle para confundidores.
Resultados e Discussão
A prevalência global de TMC na amostra foi de 40,3%. Com relação ao assédio moral, 8,4 % afirmaram ter sofrido assédio, destes 80,9% eram do sexo feminino e 19,1% do masculino. Com relação a frequência, 67,0 % relataram episódios e assédio menores que 1 vez ao mês, seguidos de 14,8% diariamente, 10,2 % mensalmente e 8,0% semanalmente. Trabalhadores/as expostos a situações de assédio apresentaram 2,5 vezes maior chance de apresentarem o desfecho (OR = 2,47; IC 95% 1,56- 3,91), em comparação aos não expostos. Após ajuste para fatores de confusão, ainda assim aqueles que sofreram o assédio, apresentaram 1,7 vezes maior chance de terem TMC (OR=1,76; IC 95% 1,05-2,93). Os achados confirmam a hipótese de que o assédio moral no trabalho em saúde está associado aos TMC, e que é um fator independente de risco à saúde. Os resultados condizem com a literatura, confirmando que o assédio é maior no sexo feminino 4 e que os principais assediadores foram chefes e colegas de trabalho. O processo de precarização do trabalho em saúde, agravado pelo contexto da pandemia de COVID-19 vivenciada no período da coleta de dados, torna os ambientes de trabalho em saúde na APS, vulneráveis aos estressores psicossociais do trabalho e ao assédio e violência. Os prejuízos dessas práticas são nefastos, tanto para o Estado e para os serviços de saúde (redução da qualidade dos serviços, absenteísmo), quanto para o trabalhador/a (adoecimento psíquico)5. Por fim, ressalta-se ainda a alta prevalência de TMC entre os trabalhadores/as. Dessa forma, demonstra-se a urgente necessidade da implementação de ações preventivas e de promoção a saúde no âmbito do SUS, com vistas à redução das práticas de violência/assédio e do adoecimento psíquico, preservando a saúde dessa força de trabalho fundamental.
Conclusões/Considerações finais
O assédio moral no trabalho é um problema para o trabalho em saúde, o que pode ter se exacerbado após a pandemia de COVID-19. As práticas de violência são efetuadas e materializadas por chefias e/ou colegas de trabalho, mas desvelam um contexto de trabalho em saúde precarizado. Tais práticas, além de hostilizar o ambiente o trabalho, enfraquecendo as relações de coletividade, podem desdobrar-se no adoecimento físico e psíquico dos indivíduos, aumentando a carga de doença entre trabalhadores/as. Investir em melhorias na organização do trabalho e na capacitação da gestão pode ser um dos meios para redução do assédio moral e da carga de doença relacionada aos TMC, o que não deve se dissociar da formulação de políticas públicas e estratégias institucionais que garantam vínculos de trabalho seguros, estáveis e condições de trabalho dignas no âmbito dos serviços de saúde e, especialmente, no SUS.
Referências
1. HELOANI, R. e BARRETO, M. Assédio moral: gestão por humilhação. Roberto Heloani, Margarida Barreto – Curitiba: Juruá, 2018. p. 7-14.
2.CAHÚ, Graziela R. P. et al. Produção científica em periódicos on line acerca da prática do assédio moral: uma revisão integrativa. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 32, n. 3, p. 611-619, 2011.
3.EINARSEN, S. V. et al. (2020). The concept of bullying and harassment at work: The European tradition. In S. E. Valvatne, H. Hoel, D. Zapf, & C. L. Cooper (Eds.), Bullying and harassment in the workplace: Theory, research and practice.
4. Bobroff MCC, Martins JT. Assédio moral, ética e sofrimento no trabalho. Rev Bioét. 2013;21(2):251-8
5. SOBOLL, L. A. P. Assédio moral no Brasil: a ampliação conceitual e suas repercussões. In Lis Andrea Soboll (Org.). Violência psicológico e assédio moral no trabalho – pesquisas brasileiras. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.
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