Roda de Conversa

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC8.14 - Agentes Comunitários: formação e prática

51032 - A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DAS AGENTES COMUNITÁRIAS DE SAÚDE EM QUESTÃO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA A PARTIR DA ATUAÇÃO NO PROJETO SAÚDE COM AGENTE
JOSE HENRIQUE DE LACERDA FURTADO - ENSP-FIOCRUZ/SOBRAPIS, FRANCISCA PAULA DE LACERDA FURTADO - IFRJ, CAIO RAMON QUEIROZ - UNIFOA, LUCIANO SANTOS DA SILVA FILHO - GPVT-UECE/SOBRAPIS, ANA IRIS MOTA PONTE - ESP-CE/SOBRAPIS, JOSÉ MATEUS BEZERRA DA GRAÇA - UFRN, ALINE OSORIO PEREIRA RAMOS DE LACERDA - UNIGRANRIO, ANTONIO DIEGO COSTA BEZERRA - UECE/SOBRAPIS, ITALO MARQUES MAGALHÃES RODRIGUES VIDAL - UFC, ARIELA TORRES CRUZ - USP/UBM


Contextualização
No Brasil, o esforço de construção de um novo modelo de atenção à saúde, que buscasse a reversão do “enfoque curativo, individual e hospitalar, tradicionalmente instituído nos sistemas de saúde nacionais, em um modelo preventivo, coletivo, territorializado e democrático” (Fausto; Matta, 2007, p. 44), foi materializado na Atenção Primária à Saúde (APS), ainda no início da década de 1990, por meio da implementação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e da Estratégia de Saúde da Família (ESF), ao longo da década de 1990 (Melo et al., 2018).
Emergindo enquanto uma nova categoria profissional instituída no recém-criado Sistema Único de Saúde (SUS), as Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) assumiram a partir de então, papel estratégico na operacionalização das políticas públicas de saúde no país, sobretudo, considerando o papel mediador comunitário proposto para elas, que vislumbrava a possibilidade de uma aproximação entre a comunidade e a equipe de saúde, bem como uma visão mais abrangente acerca dos problemas sociais enfrentados em cada território de atuação (Pereira; Linhares, 2007).
No entanto, apesar do protagonismo dessas trabalhadoras na operacionalização das políticas de saúde recém instituídas, pouco se avançou ao longo dos anos, em termos de estratégias efetivas de formação e qualificação do trabalho dessas profissionais (Furtado; Furtado; Almeida, 2023).

Descrição da Experiência
O presente trabalho trata-se de um relato de experiência, construído a partir das vivências enquanto tutor no âmbito do Projeto Saúde com Agente (SCA), realizado a partir da tripla parceria entre o Ministério da Saúde brasileiro, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O SCA tinha como objetivo promover a formação técnica dos ACS e dos Agentes de Combate às Endemias (ACE) que atuam no SUS.
Destaca-se que os cursos técnicos para a formação dos agentes de saúde ocorreram de maneira híbrida, sendo o conteúdo teórico realizado por meio da modalidade de educação a distância, com cada turma composta por até 50 estudantes, acompanhados por um tutor, que tinha como principais atribuições promover o acolhimento e o engajamento do grupo para as atividades do curso, mediar os processos educacionais por meio de estratégias dialógicas e colaborativas junto aos alunos, bem como esclarecer as possíveis dúvidas em relação ao conteúdo programático e em relação ao curso.
Faz-se oportuno salientar que as atividades de tutoria tiveram início em agosto de 2022, permeada ainda por muitas dúvidas sobre como se daria o funcionamento do curso, e sem que houvesse tempo para uma ambientação inicial no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).

Objetivo e período de Realização
O presente estudo tem como objetivo descrever a experiência de atuação enquanto tutor em uma turma do curso técnico em Agente Comunitário de Saúde, no âmbito do projeto Saúde com Agente, refletindo sobre a formação proposta pelo curso em diálogo com o trabalho real desenvolvido pelos agentes de saúde no contexto atual. A atuação no referido projeto durou aproximadamente 10 meses, com início em agosto de 2022 e término em junho de 2023.

Resultados
O projeto SCA, embora desenvolvido em uma conjuntura desafiadora advinda do contexto político, socioeconômico e sanitário no país, permeado por uma pandemia ainda em curso de proporções catastróficas, surge enquanto conquista da categoria, fruto de reinvindicações das próprias trabalhadoras e suas bases, que ansiavam não só, pela qualificação do trabalho, mas pela legitimação da importância de suas ações, essenciais para o desenvolvimento de uma APS, de fato, abrangente e integral (Méllo; Santos; Albuquerque, 2023).
Durante o transcorrer do curso, era notória a percepção do grupo e, sua consequente desmotivação, em relação à dicotomia existente entre o papel essencialmente proposto para os ACS, em oposição ao que, de fato, tem sido desenvolvido em seu cotidiano de trabalho. Embora o curso buscasse retomar o seu papel essencialmente promotor de saúde, que dentre as suas várias atribuições, tem o trabalho de educação em saúde junto à população como função principal (Morosini; Fonseca, 2018), era desafiador promover discussões profícuas acerca de como desenvolver tais ações, em meio a uma lógica de trabalho extremamente gerencialista, com propósitos bem diversos do que era discutido.

Aprendizado e Análise Crítica
A atuação das ACS ao longo dos anos foi marcada pelo redirecionamento progressivo das suas diretrizes de trabalho, com a ampliação gradativa do seu escopo de práticas. Além da inclusão de atribuições cada vez mais burocráticas, a lógica instituída para avaliação do trabalho na APS passou a limitar o desenvolvimento de ações essenciais na ESF (Morosini; Fonseca, 2018).
Apesar disso, o transcorrer dos processos de mediação junto a turma foram essenciais no sentido de promover o compartilhamento de experiências e a construção de sentido para o trabalho. Muitos dos saberes compartilhados se entrelaçavam, contribuindo não só, para a formação técnica das ACS, mas para sua formação humana, enquanto profissionais engajadas com seu importante papel de mobilização comunitária para a transformação da realidade social.
Foi nesse contexto que o SCA foi sendo estruturado, enquanto uma ação inédita para formação de mais de 200 mil agentes de saúde brasileiros. No entanto, salienta-se a essencialidade de que as ações futuras busquem a construção do diálogo contínuo entre todos os envolvidos, a fim de que as reflexões propostas no curso levem em conta a realidade de cada território, bem como contribuam para o resgate do potencial das ACS enquanto classe que pode possibilitar, de fato, a materialização da participação popular e a efetivação do controle social, que segue em constante ameaça.


Referências
FAUSTO, M.C.R.; MATTA, G.C. Atenção Primária à Saúde: histórico e perspectivas. In: MOROSINI, M.V.G.C. Modelos de atenção e a saúde da família. Rio de Janeiro: EPSJV, 2007.

FURTADO, J.H.L.; FURTADO, F.P.L.; ALMEIDA, S.A. A formação profissional dos Agentes Comunitários de Saúde em questão: uma proposta de projeto de extensão. In: XAVIER, B.L. et al. (Org.). Trilhas formativas na Docência da Educação Profissional e Tecnológica. 1ed.: IFRJ, 2023.

MÉLLO, L.M.B.D.; SANTOS, R.C.; ALBUQUERQUE, P.C. Agentes comunitárias de saúde e a busca pelo ensino superior: motivações e implicações para a profissão Physis, v.33, 2023.

MOROSINI, M.V.; FONSECA, A.F. Os agentes comunitários na Atenção Primária à Saúde no Brasil: inventário de conquistas e desafios. Saúde Debate, v.42, n.1, 2018.

PEREIRA, E.M; LINHARES, F. O Estado e as políticas sociais no capitalismo. In: MOROSINI, M.V.G.C. (Org.). Sociedade, estado e direito à saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, 2007.

Fonte(s) de financiamento: Não se aplica.


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