51804 - ALIENAÇÃO TECNOLÓGICA NA SAÚDE: DESAFIOS NA FORMAÇÃO E TRABALHO DE TÉCNICOS EM EQUIPAMENTOS BIOMÉDICOS VIRGILIO MAGALDE DE AZEVEDO - FIOCRUZ, ALEXANDRE MORENO AZEVEDO - FIOCRUZ
Apresentação/Introdução Na área da saúde, que tem experimentado um avanço tecnológico significativo, a perda de acesso ao conhecimento técnico é frequente. Fabricantes apresentam novas funcionalidades em feiras, congressos e reuniões, mas o corpo clínico e técnico frequentemente não domina a lógica interna de operação e componentes dos equipamentos.
A equipe técnica enfrenta dificuldades para se atualizar com as inovações tecnológicas. Muitas vezes, não possuem acesso a diagramas detalhados ou esquemas de funcionamento, limitando sua capacidade de realizar manutenções sem comprometer garantias ou enfrentar questões legais.
Aqui estamos tratando, principalmente, de equipamentos de média e alta complexidade, que exigem técnicos capacitados e especializados. Os equipamentos podem ser classificados pelo seu grau de complexidade e miniaturização dos componentes eletrônicos, mecânicos e automatismos. Segundo Brasil (2002), eles correspondem de 30% a 60% do valor do parque tecnológico instalado.
Diante desse cenário, uma classe de profissionais é ainda mais prejudicada: os técnicos de equipamentos biomédicos. Esses trabalhadores ficam limitados a auxiliar na operação, verificações de rotina e contatar serviços terceirizados indicados pelos fabricantes. Essa situação gera lacunas de formação, aprofunda as desigualdades de saberes e promove uma racionalidade instrumental entre esses trabalhadores da saúde.
Objetivos O objetivo desse trabalho foi examinar a aplicação do conceito de alienação tecnológica no ambiente da saúde a partir dos desafios dos técnicos de manutenção de equipamentos biomédicos para pensar a formação e o trabalho em saúde na contemporaneidade.
Metodologia A metodologia utilizada baseia-se no referencial teórico de Karl Marx e Gilbert Simondon para examinar questões contemporâneas das tecnologias na saúde e suas relações com o conceito de alienação. As obras analisadas foram "O Capital" e “Manuscritos econômico-filosóficos”, de Marx, e “A Investigação dos modos de existência” e ”A Individuação à Luz das Noções de Forma e de Informação”, de Simondon.
Marx foi escolhido por sua análise da alienação econômica, essencial para entender a desumanização dos trabalhadores no contexto da saúde e da tecnologia. Simondon, por sua vez, oferece uma perspectiva sobre a alienação técnica, pertinente à desconexão dos técnicos com os equipamentos complexos que atuam.
A aplicação das teorias envolveu a análise crítica de situações em que técnicos de manutenção de equipamentos biomédicos são afastados do conhecimento pleno das tecnologias que utilizam. Através desse referencial, investigamos como a falta de acesso a informações essenciais e a dependência dos fabricantes agravam essa alienação.
Resultados e Discussão A partir desses postulados, vê-se que os trabalhadores de nível médio em manutenção tornam-se os mais prejudicados devido a uma servidão perante a tecnologia. Isso ocorre porque a complexidade crescente desses equipamentos exige um conhecimento técnico aprofundado que, frequentemente, não é acessível a esses trabalhadores devido à falta de formação contínua e ao acesso restrito a informações técnicas. Ademais, quanto mais tecnologias avançadas o técnico gerenciar, tanto mais ele é dominado pela técnica, tornando-se um ente passivo e atuador de terceiros.
Dada essas condições, chama-se a atenção para uma dependência tecnológica e comercial do fabricante de equipamentos, gerando uma dinâmica onde os técnicos ficam à mercê dos fabricantes para manutenção e operação adequada dos dispositivos. A lógica neoliberal faz com que o interesse primordial do fabricante de equipamentos seja, antes de tudo, o de lucrar. Isso resulta em uma situação em que o conhecimento técnico é tratado como propriedade exclusiva dos fabricantes, limitando o acesso dos técnicos a informações críticas necessárias para o desempenho pleno de suas funções.
Indo além, é possível pensar ainda em uma colonialidade de saber (Lander, 2005), uma vez que parte de um conhecimento tecnocientífico centralizado e controlado por grandes corporações, muitas vezes estrangeiras, perpetuando uma relação de dependência tecnológica que desfavorece o trabalho em saúde. Essa colonialidade do saber reforça a desigualdade de conhecimento e exacerba a alienação dos técnicos.
À luz de Latour (2001), é importante ressaltar que a tecnologia é apenas um elemento da rede de cuidados em saúde. Isso implica que deve ser vista como parte de um sistema maior, onde o conhecimento e a habilidade dos profissionais também são fundamentais.
Conclusões/Considerações finais A retomada dos conceitos de alienação e alienação tecnológica permitiu examinar a aplicação do trabalho dos técnicos de equipamentos biomédicos. A falta de acesso às informações técnicas detalhadas e à formação continuada são fatores importantes que levam a essa desconexão entre o profissional e a tecnologia. Essa centralização do conhecimento causa uma dependência do fabricante na manutenção e operação desses equipamentos.
Em conclusão, a alienação tecnológica no ambiente da saúde, especialmente entre os técnicos de manutenção de equipamentos biomédicos, apresenta desafios que exigem atenção. Abordar esses desafios mediante uma formação técnica continuada, acesso às informações detalhadas e uma abordagem do conhecimento tecnológico pode ajudar a minimizar os efeitos da alienação. A partir dos estudos de Marx e Simondon, a solução aponta para uma compreensão da construção tecnológica e do saber técnico para evitar essa alienação.
Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde. Equipamentos Médico-Hospitalares e o Gerenciamento da Manutenção: capacitação a distância. Projeto REFORSUS. – Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2002.
LANDER, Edgardo et al. (Ed.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: perspectivas latino-americanas. CLACSO, 2005.
LATOUR, Bruno. A Esperança de Pandora. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
MARX, Karl. O capital. São Paulo: Abril Cultural, Col. Os Economistas, Livro I, Tomo 1, 1983.
_______. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Nova Cultural, 1991 (Coleção Os Pensadores).
SIMONDON, Gilbert. A Individuação à Luz das Noções de Forma e de Informação. Tradução de Luís Eduardo Ponciano Aragon e Guilherme Ivo. São Paulo: Editora 34, 2020a (1ª Edição).
_______. Do modo de existência dos objetos técnicos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020b.
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