53473 - REFLEXÕES DECOLONIAIS DE UM MESTRADO ACADÊMICO NA SAÚDE COLETIVA SIMONE SILVA DE PAIVA DE MAGALHÃES - PPGSC/UFF
Contextualização Tentarei, neste espaço que defino como literário de potência científica, registrar uma caminhada metamorfósica dentro de um mestrado em Saúde Coletiva, que impulsione outras existências em busca de diálogo, afeto,identidade e principalmente empatia e reciprocidade em seu sofrimento. E este registro ao se desenvolver na dinâmica universitária do processo ensino-aprendizagem, traz consigo elementos desafiadores para refletirmos sobre a formação dos indivíduos, dos mestres e da sociedade que se alimenta destes conhecimentos, sejam nas práticas profissionais, projetos de extensão ou políticas públicas costuradas a partir destes. Os elementos supracitados se apresentarão em vários momentos discursivos ao longo desta escrita, indo e voltando em interpretações carnais do viver e do sentir o encorpamento deste trabalho. Será permeado de subjetividades, onde minha escrita percorre, circunda e deságua em novos pontos de interseção. Não há como fugir desta configuração etérea nesta pesquisa, pois a mesma não tem um padrão linear e objetificado de processos, que sucumbem aos desígnios academicistas dos que almejam o definido título. Por isso se torna um desafio, exacerbado e contundente na vida daquele que se desnuda (e também é desnudado!) neste processo.
Descrição da Experiência Ao perceber o mestrado como este grande desafio e ao ser desafiada intuitivamente
coloquei as armaduras de guerra, inclusas retóricas de luta e defesa, para aguentar seus
desdobramentos. Trago aqui nesta primeira imersão o envolvimento afetivo, afetuoso e também conflituoso, que perpassa todo alicerce e arcabouço da pesquisa. Encontrei nas leituras pretas: acolhimento, carinho, dor e amor, assim como encontrei força, resistência, (in)sanidade e insurgência. O que trago está em circularidade e em uma dinâmica onde os sentidos e disputas não são duais: estamos felizes e tristes sim, sóbrios e embriagados, sãos e insanos a depender de algum contexto. A estrutura da sociedade se reflete nas representações que impactam cotidianamente o viver, o olhar a garoa, a bruma, a beleza das flores e superação das dores, transformando seus indivíduos em objetos colonizados de consumo e descarte, assim como o seu sentir. Talvez tenha sido neste ponto que eu comecei a emergir nesta pesquisa. O que vivenciei ao entrar na Pós-Graduação em Saúde Coletiva, me moveu para profundas inserções existenciais que me afetaram profundamente. Precisei buscar diferentes caminhos para mergulhar em um “submundo" ou um mundo velado para mim. Pensei em desistir da pesquisa, mas na minha vida sempre foi preciso superar e seguir, característica relevante do meu campo de lutas cotidianas.
Objetivo e período de Realização No período de junho de 2021 a 2023, tracei esta escrita baseada na vida e a partir dela trago reflexões e apropriações sobre transformações emergentes na sociedade, congruentes com uma Saúde Coletiva que horizontalize cada vez mais estas possibilidades. Proponho refletir sobre o processo formativo por uma ótica discente e uma valorização das experiências dos sujeitos e suas afetações imbricadas em concepções decoloniais e interseccionais para embasar esta compreensão.
Resultados Trata-se de um ensaio reflexivo que não vislumbra resultados lógicos e lineares, mas proposições que fomentem reflexões sobre transformações no aprender-fazer-aplicar e que se sintonizem com a Saúde Coletiva em sua contemporaneidade.O caminho se constrói a partir de uma aposta decolonial, utilizando o recurso de escrevivências de Conceição Evaristo (2017), onde trago registros do cotidiano da minha trajetória pessoal, profissional e acadêmica, dialogando com referências literárias afrocentradas como o feminismo negro, a filosofia africana, as resistências e as lutas de povos subalternizados, sempre impulsionada por uma necessidade de resgate epistêmico e valorização de um lugar de fala que almeja ser legitimado na ciência ocidental. Convido o leitor a refletir sobre rupturas viáveis para outros horizontes epistêmicos e formativos. Nesta pesquisa, apresento uma escrita poética e contemporânea, que me permite burlar epistemes eurocentradas, avançar nesse “mundo velado” e sufocado em minha diáspora afrocênica, para poder emergir a potência de expressão de um lugar constituído de atores eternamente subalternizados em suas falas, corpos mercantis e existências.
Aprendizado e Análise Crítica Este percurso teve uma sonoridade literária a cada novo índice, com prosas, poemas, hip hop entre outras nuances artísticas autorais, que circunscrevem minhas escrevivências dando sentido ao meu caminho cursivo. Ainda não encontramos nos manuais e espaços acadêmicos, orientações formais que orientem estas escritas, mesmo tendo similaridades com modelos já em uso. Esta apropriação reflete que seres socialmente constituídos, seja em regimes de opressão e deslegitimação de saberes e culturas ou nas oportunidades ocidentais de ascensão são pluriversais. De uma pluriversalidade ontológica, parafraseando a ideia de contraponto à universalidade apresentada pelo filósofo sul-africano Mogobe Ramose (NOGUERA et al, 2019).Trouxe as energias que regem a minha ancestralidade nas escritas, do meu imaginário que não percebia estar em todas as minhas projeções e perspectivas,das fontes que me ligam à natureza de minha existência e como invisivelmente se estabelecem nas trajetórias traçadas.O relato produz a necessária abertura a esse caminho, para o magnetismo de cada traço e emoção de cada frase lida e/ou escrita com som e cor, que sintetizam a partir de uma existência, a vivência e resistência de indivíduos habitualmente objetificados por outrem. Incensar a vida reproduz aspectos passados enquanto experiências, presentes enquanto reflexões e futuros na perspectiva da transformação.
Referências ADICHIE, Chimamanda N. O perigo de uma história única. Companhia das Letras, 2019.
AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.
EVARISTO, Conceição. A escrevivência e seus subtextos in Escrevivência: a escrita de nós:
Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo, Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, p.26-47, 2020.
CARNEIRO, Fernanda. Nossos passos vêm de longe.In: WERNECK, Jurema; ENDONÇA,
Maísa; WHITE, Evelyn. (Org.). O livro da saúde das mulheres negras: nossos passos vêm de longe. Rio de Janeiro: Pallas; Criola, 2006. p. 22-41
GONZALEZ, Lélia. HASENBALG, Carlos. Lugar de negro. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2022.
NOGUERA, Renato.DUARTE, Valter. RIBEIRO, Marcelo dos S. Afroperspectividade no ensino de filosofia: possibilidades da Lei 10.639/03 diante do desinteresse e do racismo epistêmico. O que nos faz pensar, v. 28, n. 45, p. 434-451, 2019.
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