04/11/2024 - 17:20 - 18:50 RC8.10 - Perspectivas e desafios para uma Graduação mais Inclusiva, Empática e Democrática |
53011 - A INSISTÊNCIA DA SUPREMACIA RACIAL BRANCA EM UMA FACULDADE DE MEDICINA DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA FLUMINENSE YURI SILVA FERREIRA DE SOUZA - UFF, LEANDRO AUGUSTO PIRES GONÇALVES - ISC/UFF
Contextualização Cursos de Medicina produzem espaços elitizados. O sistema educacional brasileiro seleciona ‘as melhores’ pessoas para esses cursos, já que são os mais disputados nos vestibulares. Essas pessoas selecionadas nos vestibulares, tidas como as melhores, costumam ter cor, são brancas, e fazem parte de estratos sociais privilegiados da sociedade brasileira (FREDRICH et al, 2022). As Ações Afirmativas nas Universidades Públicas contribuíram para a entrada de pessoas que divergem desse padrão nas Faculdades de Medicina, contudo, percebemos que a experiência dessas pessoas que agora frequentam uma Faculdade de Medicina Fluminense, a qual compartilhamos, é dificultada pela branquitude. Há forte identificação entre a corporação, os professores e os estudantes ‘padrão’ que torna a Faculdade um espaço confortável racialmente para elas, de exercício da supremacia branca. Neste espaço, a branquitude realiza ações que perpetuam seus privilégios, tornando rotineiro os afagos, indicações e trocas de favores entre os semelhantes. No entanto, são excludentes no trato com o outro. Raça e classe articulam-se de maneira violenta, autoritária, afirmando-se como uma ‘natureza’: como sempre estiveram ali, fazem parte de uma tradição. Uma tradição insistente, que resiste a diversidade e reage a ela de diversos modos. Esse relato é sobre a dinâmica da supremacia racial no curso e seus modos de expressão.
Descrição da Experiência Este relato diz respeito à experiência particular e articulada de um estudante negro e um professor branco que dá aulas sobre relações étnico-raciais no Brasil, nessa Faculdade de Medicina Fluminense Alguns elementos contextuais serão expostos e desdobrados criticamente por aqui. Afirma-se a aposta formal em um texto ensaístico, pois entendemos que é a forma que nos permite melhor expressar a experiência e o vivido, sobretudo quando precisamos dar conta da primeira pessoa no singular e no plural. Apesar de sermos parceiros em sala de aula, espaços deliberativos e trabalhos acadêmicos, nós, autores, temos posições e lugares diversos, o que torna a nossa relação ambígua e contraditória, por vezes. A complexidade da nossa relação e da nossa posição no curso aqui exposto precisa encontrar expressão e o ensaio é uma forma que nos permite isso.
Objetivo e período de Realização Apresentar evidências, a partir de elementos contextuais experimentados pelos autores, da incidência da Supremacia Racial Branca em uma Faculdade de Medicina Fluminense. O período de realização é aquele que compreende o momento em que os autores se conheceram, começa em 2021 e vem até os dias de hoje. O contexto em que nos conhecemos é importante para situar: remotamente, como docente e estudante, no módulo de uma disciplina prática cujo tema foi ‘Racismo e Saúde no Brasil’, durante a pandemia.
Resultados A faculdade que partilhamos tem pouquíssimas pessoas docentes negras, muitas destas já foram 'embranquecidas' pela medicina e não expõem a questão racial. Entre as pessoas discentes, a maioria é de brancas; ainda que as ações afirmativas tenham promovido acesso a pessoas diversas do padrão, é visível a prevalência de pessoas negras pouco pigmentadas. Quanto às atividades de Ensino, não há qualquer disciplina que trate especificamente ou programa que trate transversalmente de relações étnico-raciais no Brasil. Em 2021, houve a experiência de um grupo da disciplina “Trabalho de Campo Supervisionado 1” que tratou, experiência única - foi esse o contexto que nos conhecemos. Nesta experiência, pudemos atestar a surpresa e desconhecimento das e dos estudantes ao lidarem com temas como ‘branquitude’ ou saúde da população negra. Atividades de Pesquisa e Extensão que tratem questões raciais são raras. Trata-se de uma faculdade dirigida inteiramente por pessoas brancas que sustentam um pacto de silêncio contundente sobre a questão racial, até quando confrontadas. Nos espaços colegiados e de curadoria curricular, quando a questão aparece, não se desdobra em discussão. Some no silêncio.
Aprendizado e Análise Crítica A violência racial experimentada por estudantes negres nesse curso tem os levado a buscar estratégias de sobrevivência e enfrentamento. Hoje, nessa faculdade de medicina fluminense, organizam-se como um núcleo do Coletivo NegreX. O NegreX é um coletivo auto-organizado de estudantes e profissionais negras e negros da Medicina, surgido na UERJ e que tem abrangência nacional, hoje em dia. Não é trivial que esse Coletivo tenha surgido em uma Universidade pioneira na implementação de Ações Afirmativas e que tenha se expandido pelo país quando a implementação se nacionalizou. Os cursos de Medicina são brancos, tratam da saúde dos brancos, é o que se vê nas suas referências acadêmicas e didáticas. No nosso curso, como no filme “M-8”, só se vê o corpo negro no anatômico e, agora, como estudante. Mas o curso trata esse corpo estudantil na ambiguidade invisibilidade/inadequação: ora ninguém percebe a diferença racial tampouco o estudante negro; ora, quando o percebe, o denuncia como inadequado naquele espaço. E assim as pessoas brancas buscam assegurar o seu conforto racial, algo que já é impossível, mas se recusam a admitir. Trabalham com afinco, higienizam o curso como podem e nos fazem pensar se não há um elemento eugênico estrutural na organização médica como um todo. A Medicina insiste em sustentar a sua identidade racial branca. Porém, há algo de novo em terras pindorâmicas.
Referências BENTO, Maria Aparecida Silva. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: CARONE, Iray; BENTO, Maria Aparecida Silva; PIZA, Edith. Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. p. 01- 30.
FREDRICH, Vanessa Cristine Ribeiro et al. Percepção de racismo vivenciado por estudantes negros em cursos de Medicina no Brasil: uma revisão integrativa da literatura. Interface - Comunicação, Saúde, Educação [online], v. 26 [Acessado 10 Junho 2024] , 2022, e210677. Disponível em: . ISSN 1807-5762. https://doi.org/10.1590/interface.210677.
SOUZA, Pedro Gomes Almeida de et al. Perfil socioeconômico e racial de estudantes de Medicina em uma universidade pública do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 44, n. 3: e090, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-5271v44.3-20190111.ING.
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