Roda de Conversa

04/11/2024 - 17:20 - 18:50
RC8.10 - Perspectivas e desafios para uma Graduação mais Inclusiva, Empática e Democrática

49708 - DESCOLONIZAÇÃO DOS AFETOS A PARTIR DE UMA ÉTICA AMOROSA: CONFABULANDO (TRANS)FORMAÇÕES EM PSICOLOGIA
LAÍS QUEIROZ SANTANA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, ANTÔNIO CAIO RENAN SILVA PENHA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ


Contextualização
A história que a História nos conta, fundada a partir da violência e sustentada por acordos tácitos (Bento, 2022), forjou perspectivas sobre o amor e modos de amar igualmente carregadas de colonialidade (Núñez, 2023). Entretanto, a história que a História não nos conta desnuda outras maneiras de reivindicar o amor, como um manifesto coletivo que luta por outros tempos, espaços, cosmopercepções e corporeidades. Nesse sentido, objetivando (re)construir um amor que se faz por um giro decolonial nas práticas e nos referenciais teóricos em saúde mental, realizamos o Grupo de Estudos “Tudo sobre o amor a caminho da descolonização dos afetos”. Além das questões históricas citadas, sua elaboração foi motivada pela escassez de discussões afrodiaspóricas e indígenas na esfera da saúde, com destaque para o campo psi (Silva, 2023), e pela potencialidade em confabular formas de amar que permitam a circularidade dos afetos (Núñez, 2023). Desse modo, bell hooks e Geni Núñez fundamentaram nossos debates, pois suas distintas representatividades afervoram suas teses e se fazem alteridade em meio às encruzilhadas do que tradicionalmente se constroi dentro dos muros acadêmicos, sobretudo em Psicologia, possibilitando reinvenções nas atuações e nas formações na área.

Descrição da Experiência
As inscrições foram abertas ao público e contaram com 41 respostas. Dentre elas, 97,5% eram de estudantes ou atuantes da área de psicologia. Ademais, 65% eram mulheres cis e 57,5% se autodeclararam brancas. Diante disso, as 17 vagas abertas foram preenchidas por ordem cronológica de inscrição, sendo 60% destinadas a e ocupadas por pessoas negras, trans e não-binárias. A partir de bell hooks, os capítulos 1, 3 e 6 do livro “Tudo sobre o amor: novas perspectivas” foram base para as discussões dos três primeiros encontros. Na sequência, houve uma pausa para apurarmos as impressões dos participantes e, em seguida, as atividades retornaram com mais três momentos para debatermos sobre a obra “Descolonizando Afetos: experimentações sobre outras formas de amar” de Geni Núñez. Através de rodas de conversa de ethos horizontal, os bolsistas foram facilitadores e não ministrantes, deslocando a perspectiva de expertise e priorizando a partilha a fim de que a palavra circulasse entre todes. Nessa perspectiva, elaboramos, para cada dia, uma dinâmica disparadora diferente, possibilitando que as pessoas se sentissem confortáveis e se expressassem livremente, sobretudo através da arte. Assim, o grupo desenvolveu um ritmo fluido e potente a partir do protagonismo compartilhado entre os integrantes, que construíram um espaço de artesania dos afetos, convocando reinvenções no campo psi.

Objetivo e período de Realização
Os encontros ocorreram durante o primeiro semestre letivo de 2024 com 6 momentos semanais de 1h30min. Em suma, o objetivo foi tecer outras maneiras de imaginar e criar os afetos e contribuir com a descolonização das práticas e dos referenciais teóricos em Psicologia, amparando-se na arte e no estudo-resgate de intelectuais contra-hegemônicas que dialogam com a esfera psi e que representam uma luta histórica ante a colonialidade que se atualiza e se perpetua.

Resultados
Os encontros possibilitaram debates a partir destes movimentos de insurgência ante a colonização dos afetos, de modo que as reflexões transversalizaram em muitos momentos temas afins. No seu decorrer, debates envolvendo infâncias seguras, direito fundamental ao próprio corpo, machismo, generificação do trabalho, racismo e LGBTfobia puderam ser tensionados na dobra ao regime branco-cis-hetero-monogâmico. Um dos debates foi sobre como as noções de família e vínculo, marcadas pela monogamia eminentemente patriarcal e misógina, são fatores de sofrimento e insegurança, haja vista que a garantia e liberdade do próprio corpo são aliciados pela prerrogativa da sacralidade de um vínculo, ainda que este seja notadamente violento. A experiência do grupo chamou a atenção para a defesa de espaços cada vez mais abertos para dialogar a desnaturalização das relações historicamente ditadas pela colonialidade. Nesse sentido, um dos resultados do grupo foram os diálogos que enriqueceram a formação de estudantes e profissionais graduados que estavam entre nós.

Aprendizado e Análise Crítica
No âmbito do Sistema de Saúde, dados comprovam uma massiva demanda de proteção e cuidado ao corpo preto e feminino, alvo das altas taxas de feminicídio atrelado ao racismo. Paralelo a isso, profissionais de diversas áreas encontram-se defasados em sua formação permanente quanto aos modos de operar ante as violências decorrentes desses vínculos violentos. Desta forma, um giro decolonial dos afetos é também um giro nas linhas de cuidado ofertado pelos profissionais do sistema, de maneira que não mais reproduzam as iniquidades em espaços que deveriam promover outros modos de vida. Dentre os aprendizados, apostamos que os modos implicados de estudar sobre afeto e amor estimulam e ampliam o leque de possibilidades para a prática profissional e para a formulação de dinâmicas institucionais que estejam sensíveis às demandas que chegam ao sistema de saúde. Pelo grupo, defendemos o que bell hooks chama de uma aposta na ética amorosa (hooks, 2021) como possibilidade de transformação da prática profissional em saúde, bem como da defesa, por Geni, de um cuidado que circula, sustentável, amoroso, ecológico, corrente, sob a perspectiva trazida nestes estudos, que oferece um respiro, mas também convoca ao comprometimento com um olhar e uma escuta em saúde que devem ser propositivos, ativos e implicados.

Referências
BENTO, M. A. S. O Pacto da Branquitude. Companhia das Letras, 2022.
SILVA, A. B. S. E. Olhares e Produções de Saberes: Narrativas da Psicologia Acerca das Relações Raciais. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 43, 2023.
NÚÑEZ, G. D. Descolonizando Afetos: experimentações sobre outras formas de amar. Paidós, 2023.
HOOKS, B. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. Elefante, 2021.


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