Roda de Conversa

04/11/2024 - 17:20 - 18:50
RC8.10 - Perspectivas e desafios para uma Graduação mais Inclusiva, Empática e Democrática

49341 - AO FALAR DE COTAS RACIAIS, PRECISAMOS FALAR DE PERMANÊNCIA: A IMPORTANCIA DAS COTAS PARA ALUNOS NEGROS DE GRADUAÇÕES DA SAÚDE
ANA THAIS DE ALBUQUERQUE NORÕES BOUTALA - UFC, ELEONORA PEREIRA DE MELO - PROGRAMA DA POS-GRADUACAO EM SAUDE PUBLICA-UFC, DEBORAH GRACE DOS SANTOS SALES - UFC, LAYSA NONATO DE MELO - UFC, NARA MARIA FORTE DIOGO - UFC


Apresentação/Introdução
A Saúde Coletiva, no Brasil, constituiu-se enquanto campo em 1970, estendendo seus estudos aos eixos formativos e estruturando recursos em práticas técnicas1. Apoiada pelo contexto das Reformas Sanitária e Psiquiátrica, o campo apresenta-se multifacetadamente, abrangendo saberes e práticas que vão desde a promoção da saúde e prevenção de doenças a ações sobre determinantes sociais2,3, a exemplo da adoção de ações afirmativas em graduações pelo país.
Assim, apesar dos avanços relativos à garantia de direitos através do Sistema Único de Saúde (SUS), a Saúde Coletiva, em suas lutas circunscritas, é insuficiente se não dialogar com outras lutas, como a anticapitalista, a antirracista e a feminista. Será também insuficiente se não tomar medidas para que corpos não brancos acessem e permaneçam em cursos superiores, uma vez que desigualdades educacionais acabam por produzir e prolongar distinções verticais e horizontais de emprego, renda e em aspectos da saúde4.
Nesse ínterim, mesmo com a Lei das Cotas implantada em 2012, o processo de exclusão ainda vigora, sendo necessário, portanto, discutir, dentro da Saúde Coletiva, como as cotas raciais podem reduzir disparidades relacionadas ao acesso e a permanência de estudantes negros em cursos da saúde. Compreender a radicalidade desta ação afirmativa rompe com o paradigma colonial e é caminho para promover equidade e justiça social.

Objetivos
Analisar a implicação das cotas para o acesso e a permanência de alunos negros em graduações públicas da saúde.

Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFC sob o parecer de nº 5.235.278. A pesquisa envolveu seis discentes cotistas negros de diferentes cursos da saúde da UFC, Campi Fortaleza. O levantamento dos participantes foi feito pela técnica bola de neve, seguindo os critérios de inclusão: aluno com idade mínima de 18 anos e ingresso em graduações da área da saúde da UFC pelo regime de cotas raciais até o período de 2019.2.
A pesquisa fundamentou-se teoricamente nos estudos das relações étnico-raciais a partir da psicanálise fanoniana5, que inspira pensadores negros como Akotirene6. Raça é analisada discursiva e interseccionalmente, rompendo perspectivas essencialistas e coloniais e favorecendo a denúncia das iniquidades racistas.
Os dados foram coletados de fevereiro a março de 2022 por meio de entrevistas semiestruturadas ocorridas por videoconferências individuais gravadas para transcrição. O material foi submetido à análise de conteúdo categorial7 à luz do referencial teórico e seguiu as três etapas propostas pelo método: pré-análise, exploração e análise dos dados.

Resultados e Discussão
Os estudantes cursavam entre o 5º e o 9º semestre de Medicina, Odontologia e Psicologia e tinham entre 21 e 27 anos. Três eram do sexo feminino, dois do sexo masculino, e um não binário. Da análise das entrevistas, emergiram cinco categorias temáticas, das quais foram selecionadas para esse trabalho:
Ser negro é tornar-se
Esta categoria aborda a autopercepção e autodeclaração étnico-racial dos estudantes. Eles apresentaram níveis variados de compreensão de suas identidades raciais: alguns focaram na cor da pele, enquanto outros consideraram fatores socioculturais e familiares. As cotas influenciaram significativamente a reflexão e construção dessas identidades. O conceito de "máscaras brancas" de Fanon5, que descreve a pressão para conformar-se às normas opressoras da sociedade branca, é relevante aqui. Estudantes que consideram fatores mais amplos tentam remover essas "máscaras" e afirmar uma identidade mais autêntica, integrando herança cultural e familiar, o que é crucial para a emancipação psicológica e social.
Condições de acesso e permanência na universidade
A importância das cotas raciais é destacada para o ingresso e a permanência dos estudantes negros na graduação. As cotas foram vistas como um mecanismo de reparação social, permitindo que muitos fossem os primeiros de suas famílias a acessar o ensino superior. Para a permanência, foram essenciais o apoio sociofamiliar, bolsas, e auxílios de moradia e alimentação. Apesar do aumento no acesso, ainda há barreiras para garantir a permanência desses estudantes. Segundo Akotirene6, uma perspectiva interseccional é necessária, pois corpos dissidentes enfrentam desafios adicionais. Políticas públicas eficazes devem considerar os diferentes sistemas de opressão e serem acompanhadas de medidas de apoio abrangentes.

Conclusões/Considerações finais
Este trabalho pretendeu discutir como as cotas raciais são um dispositivo fundamental no acesso de negros à graduações da saúde pelo país, uma vez que atuam para minimizar disparidades existentes no processo educacional brasileiro que é, ainda, elitista, branco, cisheteronormativo e pautado na colonialidade. É preciso também que haja mais financiamento público em bolsas e auxílios diversos a fim de assegurar a permanência desses estudantes ao longo do curso.
Estudar o acesso e a viabilidade de permanência de estudantes negros nas graduações de saúde contribui para a formação de profissionais embasados na Saúde Coletiva para atuação no SUS. Consideramos que os graduandos são potenciais fomentadores e cuidadores de seu povo, mobilizadores sociais, técnicos e científicos para a redução das iniquidades.

Referências
1. Nunes ED. Saúde coletiva: uma história recente de um passado remoto. In: Campos GWS, organizador. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006. p. 295-313.
2. Pain JS, Almeida Filho N. Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas? Rev Saude Publica. 1998;32(4):299-316.
3.Campos GWS. Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas. Cien Saude Colet. 2000;5(2):219-30.
4. Stewart F. Some consequences of covid-19 for educational inequalities. States of emergency. Education in the time of covid-19: special issue. Geneve. 2021;6(1):16-21.
5. Fanon F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA; 2008.
6. Akotirene C. O que é interseccionalidade? São Paulo: Letramento; 2018.
7. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.


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