52228 - VISITA A UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE COMO METODOLOGIA DE ENSINO EM PSICOLOGIA E SAÚDE COLETIVA: RELATO DE EXPERIÊNCIA SOB A PERSPECTIVA DISCENTE LAIS QUEIROZ SANTANA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, JÚLIO CÉSAR CARDOSO RODRIGUES - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, MARIA BEATRIZ GONÇALVES LEITE - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, ARTHUR FÉLIX OLIVEIRA COELHO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
Contextualização As lutas pela Reforma Psiquiátrica e pela permanência do SUS evocam uma necessidade contínua de reinvenção da educação em saúde, sobretudo em saúde mental, sendo fulcral mobilizar meios de construir cuidados implicados em uma práxis ético-política. Pensando nisso, pretendemos, como discentes, enfatizar a importância de metodologias ativas no ensino desta área, tendo, como exemplo, nossa experiência. Assim, para a avaliação de uma disciplina de Psicologia e Saúde Coletiva de um curso de Psicologia em Fortaleza/CE, foi orientado que os alunos visitassem uma Unidade Básica de Saúde (UBS) a fim de analisar as multiplicidades da Atenção Primária na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Diante do propósito, visitamos uma UBS localizada em um distrito da região metropolitana de Fortaleza/CE. O dispositivo, reinaugurado em abril de 2024, atende as comunidades locais e não possui apoio matricial consistente. Ademais, sua história exala as potencialidades metamorfas de sua equipe frente a vicissitudes eminentes, como a falta de recursos durante a pandemia da Covid-19 e o descaso público com a RAPS. Nesse sentido, a visita rendeu aprendizados não apenas acerca do contexto da saúde mental na Atenção Básica, mas também sobre as (trans)formações que desejamos ou não para nós, como futuros profissionais, para os usuários e para o território.
Descrição da Experiência A visita na UBS em questão foi viabilizada pelo contato direto com a Coordenadora. Ao chegar ao local, fomos recebidos pelo Técnico em Enfermagem (TE) e pela Farmacêutica Auxiliar (FA) e percebemos que a estrutura, ainda não inaugurada, já realizava atendimentos. Ao entrevistarmos os profissionais, o TE nos revelou que as dificuldades vividas durante a reforma da UBS, realocada temporariamente para uma creche desativada, coincidiu com os pesares da pandemia da Covid-19. Falas como “caiu cocô de passarinho na cabeça da médica, enquanto ela estava atendendo” e “em um dia, eu tava fazendo um teste de uma pessoa aparentemente bem e, no outro dia, me davam a notícia de que ela tinha falecido” nos impactaram. Já na entrevista com a FA, perguntamos sobre os cuidados psicológicos e percebemos o discurso medicalizante como única alternativa acessível de tratamento. Essa psiquiatrialização da saúde mental, também, se revelou no atendimento médico, que visa somente à renovação da receita de psicotrópicos, e na presença insuficiente de um psicólogo, que atende apenas duas vez ao mês e não tem adesão dos usuários em suas práticas integrativas. Apesar das adversidades, ambos servidores afirmaram que a equipe é um diferencial por sua resistência, com destaque para as áreas da Saúde da Família e da gestão.
Objetivo e período de Realização Realizada em março de 2024, nossa visita a tal UBS teve o objetivo de entender a realidade territorial do equipamento diante de suas potencialidades e adversidades, elucidando o protagonismo dos serviços de Atenção Primária na promoção de saúde mental. Neste resumo, o foco é evidenciar a relevância de métodos de ensino como este, baseado no desenvolvimento da criticidade e da autonomia dos discentes, na formação profissional e acadêmica em saúde.
Resultados A fim de reconhecer as potencialidades e as adversidades existentes na relação do equipamento com o território, as visitas às UBS e a outros equipamentos do SUS, como metodologia e instrumento avaliativo, provam-se imprescindíveis para a formação em Saúde Coletiva. Ao decorrer da visita, os profissionais da UBS destacaram a sobrecarga da rede de saúde pública local, a qual manifesta carência em diversos setores. Prova disso é o serviço psicológico, realizado apenas duas vezes ao mês. Com isso, perpetua-se a “solução” da “renovação de receitas” (BEZERRA, 2014), originada do processo de medicalização do sofrimento. Nesse sentido, também, nos foi relatada a sobrecarga dos profissionais, a ausência de ações educativas tanto para os profissionais quanto para os usuários do dispositivo e a baixa adesão da população em práticas integrativas, à exemplo de uma tentativa de psicoeducação sobre depressão. Assim, o principal resultado para nós, como estudantes, foi perceber, na prática, a importância do fortalecimento e da reinvenção da Reforma Psiquiátrica na formação e na atuação em saúde através da articulação ético-política para garantir os princípios do SUS.
Aprendizado e Análise Crítica Apesar do Ceará ter sido o primeiro estado do Nordeste a aderir a alternativas ao modelo asilar de cuidado psicológico (Nascimento, 2021), os impasses supracitados na manutenção da qualidade de serviços básicos, sobretudo em saúde mental, evidenciam mais continuidades do que rupturas das perspectivas hospitalocêntricas, medicalizantes e psiquiátricas, que, outrora, irrigavam as instituições e as políticas de saúde no estado e no país. Consequentemente, os profissionais reinventam arduamente seus modos de trabalhar e viver, no entanto, é na comunidade que as consequências se cristalizam, uma vez que as lacunas na efetivação de um cuidado ético-político delineiam sua desarticulação psicossocial (Freitas e Amarante, 2017). Diante desse cenário, o enfraquecimento da RAPS perante as lutas da Reforma Psiquiátrica ressaltam a necessidade de (trans)formar os referenciais teóricos e as práticas na formação em saúde. A partir de tal experiência, compreendemos que acessar dispositivos do SUS como uma metodologia de ensino em Psicologia e Saúde Coletiva nos permite não só refletir sobre os atravessamentos da saúde mental na Atenção Básica, mas também imaginar, desde a graduação, outras formas de compor o ensino, a extensão, a pesquisa e o trabalho em saúde implicados em um ethos político, dinâmico e interseccional entre profissionais, usuários e território.
Referências BEZERRA, I. C. et al.. "Fui lá no posto e o doutor me mandou foi pra cá": processo de medicamentalização e (des)caminhos para o cuidado em saúde mental na Atenção Primária. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 18, n. 48, p. 61–74, 2014.
FREITAS, F.; AMARANTE, P. Medicalização em Psiquiatria. Rio de Janeiro, RJ: Editora Fiocruz, 2017.
NASCIMENTO, T. Há 30 anos, Ceará 'reinventou' modelo de tratamento da saúde mental e criou o 1º CAPS do Nordeste. Diário do Nordeste, Fortaleza, 23 nov 2021. Disponível em: Há 30 anos, Ceará 'reinventou' modelo de tratamento da saúde mental e criou o 1º CAPS do Nordeste - Metro - Diário do Nordeste (verdesmares.com.br). Acesso em: 10 jun 2024.
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