53737 - PELO ESPELHO DE OXUM: REFLEXOS E REFLEXÕES DE TRABALHADORAS NEGRAS SOBRE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE RITA DE CASSIA CORRÊA DA SILVA - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, MONICA DE REZENDE - PPGSC/ISC - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, LEANDRO AUGUSTO PIRES GONÇALVES - PPGSC/ISC - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Apresentação/Introdução Este trabalho traz alguns apontamentos sobre a pesquisa que resultou na dissertação de mesmo nome, defendida em maio/2023, no PPG em Saúde Coletiva/ISC da Universidade Federal Fluminense. É originada nas reflexões e concepções de uma mulher preta e trabalhadora do Sistema Único de Saúde e pensada através da confluência entre a Educação Permanente em Saúde e os Estudos Decoloniais. Versa sobre a Educação Permanente em Saúde enquanto um recurso contínuo para aquisição de informações pelo trabalhador - por meio de escolarização formal ou não formal, das vivências, das experiências laborais e emocionais; porém, é principalmente sobre a transformação de práticas profissionais com base em reflexões críticas que envolvam as práticas reais, de profissionais reais. Foi instigado na reflexão sobre inquietações de uma trajetória que, ao ser rememorada, encadeia-se por diferentes processos educacionais; motiva-se também por uma postura questionadora de realidade, analisando e propondo movimentos que intervenham para melhorar essa mesma realidade. Formulada na interseção entre a prática profissional e a criação cotidiana de conhecimentos, nesta pesquisa o binômio prática profissional-construção habitual de conhecimentos estará pensado enquanto produtor/catalisador de saberes, trazendo estas vivências para o campo da reflexão e transformando-as em aliadas na narrativa pretendida.
Objetivos Construir uma escrevivência, fincada no cotidiano da produção do cuidado em saúde e dentro de um Hospital Universitário - partindo da trajetória da pesquisadora, passando pela descrição da instituição e sua ligação com esta trajetória, até chegar aos aprendizados construídos neste mesmo território.
Metodologia A escrevivência, trazida enquanto metodologia de pesquisa e escrita, implica posicionamento ao apresentar uma redação baseada na condição de mulher preta, inserida numa sociedade construída sobre bases impregnadas de racismo e desigualdades, e sua busca das nuances possíveis a partir desta autoidentificação. Tomada aqui como instrumento que visa propagar vozes insistentemente caladas por outras narrativas, que nasce do ser mulher negra na sociedade brasileira. A ferramenta analítica para a construção acadêmica é a interseccionalidade, para buscar capturar resultantes estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos que envolvem a subordinação, olhando especificamente para a forma pela qual são criadas as desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes. A escrita e a divisão dos capítulos vêm da associação que faço entre a relação de Oxum (Deusa das águas doces Yorubá) com seu abebè/espelho e a produção do conhecimento (ser/se conhecer, estar/reconhecer e conjugação desses resultados com o mundo), o que também ajuda a entender as diferentes formas de se relacionar e se inserir no território pesquisado.
Resultados e Discussão O cenário principal dessa construção foi aqui entendido como um espaço privilegiado de aprendizados e ensinamentos entre os que nele transitam; mas também é território que reproduz as mesmas relações de exploração, de preconceitos, de subalternidade, de apagamentos sobre as quais desenvolveu-se a sociedade brasileira, e das quais se alimenta e se reproduz até os dias atuais. A imersão nos Estudos Decoloniais e o olhar interseccional permitiram revisitar o cotidiano e buscar nele os aprendizados de mulheres pretas e trabalhadoras do SUS, em cujas trajetórias é possível identificar, entre questionamentos e dúvidas, formações e aprendizados, as mais diversas formas de inserção em processos educacionais. O formato de escrevivência e a composição dos escritos a partir da relação de Oxum e seu espelho enquanto alegoria de relação com o conhecimento me permitiu renunciar à temporalidade para atentar para os atravessamentos, tanto os que instigam os afetos e movimentam os espaços, quanto os que expõem as relações de poder destes mesmos espaços.
No movimento dialógico da escrevivência, a tentativa é de capturar as resultantes estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos que podem envolver a subordinação e hierarquização de conhecimentos, esperando também encontrar, na sobreposição entre os marcadores de gênero e raça, elementos que possam embasar o debate sobre qual o lugar ocupado pelas trabalhadoras negras na cadeia de transmissão de conhecimento dentro da estrutura hospitalar. A imersão nos Estudos Decoloniais e o olhar interseccional me permitiram revisitar o cotidiano institucional, buscando nele os aprendizados de outras mulheres pretas e trabalhadoras do SUS, nas quais me vejo em trajetórias, em questionamentos e dúvidas.
Conclusões/Considerações finais A relevância deste trabalho é a intenção de pensar nos atravessamentos que podem permear os processos educacionais cotidianos de uma Unidade de Saúde, e isto envolve pensar no sentido do conhecimento que está sendo transmitido, a que e a quem ele serve, e quais os marcadores sociais podem se interpor nestes processos. Também envolve identificar suas personagens, suas participações e protagonismos, considerando em suas vivências um campo fértil para a transmissão dos conhecimentos adquiridos no campo laboral. Também é importante oportunidade pensar a produção do conhecimento a partir de diferentes epistemes, especialmente as que trazem os signos de silenciamento e invizibilização.
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