Roda de Conversa

06/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC4.25 - Compondo a complexidade da Gestão do Cuidado e Qualidade nas Redes de Atenção à Saúde (Outros temas) (2)

52623 - TRATAMENTO SISTÊMICO NEOADJUVANTE VERSUS CIRURGIA NO SUS: INIQUIDADE NO ACESSO AO TRATAMENTO OU AO DIAGNÓSTICO?
CAROLINA ZAMPIROLLI DIAS - UFMG, CAROLINA CAMPOS VIEIRA DE SOUZA - UFMG, AUGUSTO AFONSO GUERRA JUNIOR - UFMG, MARIANGELA LEAL CHERCHIGLIA - UFMG


Apresentação/Introdução
O tratamento oncológico no Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser oferecido de forma integral e integrada. Para o câncer de mama, a cirurgia – conservadora ou mastectomia - é a base do tratamento e, na maioria dos casos, é a primeira escolha para pacientes com câncer não-avançado. No entanto, é um procedimento que demanda diferentes níveis de complexidade e de infraestrutura.1 No SUS, a cirurgia oncológica é realizada nas UNACON, CACON e hospitais gerais habilitados na alta complexidade em oncologia. Dados de 2024 indicam a existência de 469 serviços habilitados, sendo pelo menos um em cada estado. Em 2014, havia 390, sendo 13 na região Norte, 32 na Centro-Oeste e 187 na região Sudeste.2
Ao mesmo tempo, o uso de terapia sistêmica (TS) antes da cirurgia vem ganhando cena na prática clínica, sendo destacado pela literatura como um alternativa terapêutica que possibilita a ressecção de tumores inoperáveis, redução do risco de recorrência da doença e realização de cirurgia conservadora nos casos em que havia indicação inicial de mastectomia, sem impacto na sobrevida global ou taxa de mortalidade entre as mulheres que realizam a TS neoadjuvante ou a TS adjuvante.3,4 A literatura menciona o uso da TSN como uma alternativa de tratamento em tempo oportuno em locais com dificuldade de acesso a cirurgia.3


Objetivos
Descrever as características sociodemográficas das mulheres que realizaram TS neoadjuvante (TSN) seguida de cirurgia, TSN sem registro de realização de cirurgia e cirurgia no SUS, de forma a entender o contexto de utilização da TSN versus cirurgia no tratamento de câncer de mama no país. Além disso, comparar a sobrevida global de acordo com o tratamento realizado, de forma a entender a efetividade de cada um dos perfis de tratamento na população brasileira.

Metodologia
Trata-se de um estudo observacional, longitudinal, realizado com dados integrados do Sistema de Informações Hospitalares, Ambulatoriais e de Mortalidade do SUS, de 2008 a 2015. Foram incluídas mulheres, ≥ 18 anos, com câncer de mama (cid-10 C50*) e estádio ao diagnóstico I a III, recebendo o primeiro tratamento no SUS como cirurgia ou TSN, entre janeiro/2008 e maio/2014, acompanhadas até maio/2015. As mulheres poderiam ter realizado radioterapia e/ou outras TS adjuvante após o primeiro tratamento definido neste estudo. A sobrevida global foi analisada de acordo com o tratamento recebido: 1) TSN + cirurgia, 2) TSN sem registro de cirurgia e 3) cirurgia, com o tempo decorrido, em meses, entre a data do primeiro tratamento e a ocorrência do evento (óbito) ou fim do acompanhamento (censura). O método Kaplan-Meier foi usado para estimar as curvas de sobrevida e o teste de log-rank para comparar as curvas, com nível de significância de 5%. Além disso, foram descritas as características sociodemográficas e clínicas por meio de número e frequência para as variáveis categóricas, comparando os três grupos pelo teste qui-quadrado. As análises foram realizadas usando o R.

Resultados e Discussão
De 73.012 mulheres incluídas, 55,4% eram brancas, com 50 a 59 anos (27,4%), residentes da região Sudeste (48,0%), em municípios urbanos (83,5%) e de IDH alto (60,8%). Entre os grupos, 21,8% receberam TSN + cirurgia, 24,0% TSN e 54,2% cirurgia. Observou-se que mulheres que receberam TSN eram mais jovens (<50 anos: 46,6% TSN e 45,5% TSN+cirurgia vs. 30,4% cirurgia; p<0,001) e com estádio mais avançado (TSN+cirurgia: 88,4% III, 10,1% II e 1,47% I; TSN: 88,6% III, 10,2% II e 1,17% I), o que é condizente com as diretrizes.5 Mais mulheres brancas fizeram cirurgia (57,9%) do que TSN+cirurgia (53,6%) ou apenas TSN (51,5%) (p<0,001). Além disso, diferentemente das regiões Sudeste e Sul, que mais mulheres realizaram cirurgia (Sudeste: 52,2% cirurgia, 44,8% TSN+cirurgia e 41,6% TSN; Sul: 20,1% cirurgia, 18,6% TSN+cirurgia e 17,3% TSN), no Nordeste e Norte elas foram menos realizadas do que a TSN (Nordeste: 30,5% cirurgia, 24,8% TSN+cirurgia e 18,8% cirurgia; Norte: 3,6% cirurgia, 3,92% TSN+cirurgia e 4,45% TSN). Cirurgia também foi mais realizada por mulheres que moravam em municípios de IDH muito alto (20% cirurgia, 16,1% TSN+ cirurgia e 16,1% TSN) e com maior renda per capita (R$1.094 cirurgia, R$ 1.038 TSN + cirurgia, R$ 1.055 TSN; p<0,001). Tal achado vai de encontro com a estimativa de locais habilitados para realização da cirurgia, que era menor nas regiões Norte e Nordeste quando comparado às Sul e Sudeste.5
Mulheres que receberam cirurgia tiveram maior sobrevida em 12 meses (cirurgia: 0,977, TSN + cirurgia: 0,957, TSN 0,881; log-rank: p<0,001). Isso também foi observado em 36 (0,914; 0,787 e 0,741, p<0,001) e 60 meses (0,866; 0,712 e 0,692; p<0,001). O que pode ser consequência da maior proporção de mulheres em estádio III tratadas com TSN.


Conclusões/Considerações finais
Mulheres tratadas com cirurgia tiveram uma maior sobrevida do que as mulheres tratadas com TSN, seguida ou não de cirurgia. Em relação às suas características, as brancas, residindo nas regiões Sudeste, Sul e em municípios com maior IDH e renda fizeram mais cirurgia do que TSN, enquanto aquelas nas regiões Norte e Nordeste e municípios com IDH baixo mais TSN. Considerando que a TSN deve sempre anteceder uma cirurgia, 24% das mulheres não a terem realizado após a TSN é um resultado a ser explorado. Não se pode excluir a possível realização da cirurgia no sistema privado. No entanto, além da indicação da TSN ser mais comum para o estádio III e uma consequente pior sobrevida observada, o perfil sociodemográfico de utilização de cada um dos grupos de tratamento avaliados também sugere uma iniquidade na utilização dos serviços de saúde - que pode ser consequência não apenas do acesso ao tratamento, mas também ao diagnóstico precoce.

Referências
Sullivan, R. et al. Global cancer surgery: Delivering safe, affordable, and timely cancer surgery. Lancet Oncol. 16, 1193–1224 (2015).
2. BRASIL. Informações de Saúde: CNES - ESTABELECIMENTOS POR HABILITAÇÃO. (2024). Available at: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/. (Accessed: 5th June 2024)
3. Ayettey Anie, H. et al. Neoadjuvant or Adjuvant Chemotherapy for Breast Cancer in Sub-Saharan Africa: A Retrospective Analysis of Recurrence and Survival in Women Treated for Breast Cancer at the Korle Bu Teaching Hospital in Ghana. JCO Glob. Oncol. 965–975 (2021). doi:10.1200/go.20.00664
4. Asselain, B. et al. Long-term outcomes for neoadjuvant versus adjuvant chemotherapy in early breast cancer: meta-analysis of individual patient data from ten randomised trials. Lancet Oncol. 19, 27–39 (2018).
5. BRASIL. Relatório de Recomendação Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas: Câncer de mama. [Relatório Preliminar]. (2024).

Fonte(s) de financiamento: A autora é bolsista de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais


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