49059 - O PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DA FEMAR - FUNDAÇÃO ESTATAL DE SAÚDE DE MARICÁ/RJ: SEGUINDO NO CAMINHO DA QUALIFICAÇÃO DA ATENÇÃO À SAÚDE MAURICIO PEREIRA DE MATTOS - PPGSP/ENSP/FIOCRUZ
Contextualização O financiamento é um dos pilares estruturais do SUS, sendo um dos grandes desafios em sua consolidação. De projeto civilizatório ao início de implantação em contexto neoliberal, persiste a falta de custeio efetivo nos serviços públicos de saúde. Diferente de outros países que possuem sistemas públicos universais, o setor privado concentrou mais da metade das despesas totais de saúde no Brasil, em 2021[1]. Neste cenário, as Organizações Sociais (OS) avançam numericamente na prestação de serviços, promovendo um processo de privatização da saúde[2,3]. Qualificadas como instituições sem fins lucrativos do terceiro setor, as OS surgiram no bojo da Reforma do Aparelho de Estado brasileiro, iniciada nos anos de 1990, que propôs a reorganização de funções estatais por meio da terceirização de políticas públicas. Em outra frente, Fundações Estatais e Empresas Públicas - entidades da administração pública indireta com personalidade jurídica própria – têm sido criadas para executar ações no SUS, conformando outra modalidade de gestão. Estas também fazem parte do movimento de reforma estatal, cuja premissa é o uso de mecanismos de gestão empresarial no âmbito público.
Nessa perspectiva, OS e Fundação Estatal podem ser tomadas como modelos que guardam a mesma lógica de mercado ou apresentam diferenças quando comparadas entre si?
Descrição da Experiência Maricá é um município com cerca de 200 mil habitantes da região Metropolitana II do estado do Rio de Janeiro. Com as receitas provenientes de royalties de petróleo, a prefeitura ampliou o acesso da população a diversas políticas públicas, com destaque à tarifa zero nos ônibus municipais, criação de uma moeda social local, a construção de um hospital e o pagamento de bolsas de estudo integral do ensino técnico, superior e de pós-graduação.
No âmbito da Rede de Atenção à Saúde (RAS), o município possui, dentre outros serviços: 2 hospitais e 2 UPA; RAPS composta por CAPS 3, CAPSi, CAPSad, Residências Terapêuticas e 4 EMAP - equipe multidisciplinar de atenção psicossocial; 3 ambulatórios de especialidades; e 27 unidades de saúde que cobrem toda a município, com 56 equipes de Saúde da Família e 6 eMulti. A Atenção Primária à Saúde (APS) teve um crescimento importante a partir do ano de 2016, no final 2019 todas as UBS haviam adotado o modelo da Estratégia Saúde da Família. Junto à chegada da pandemia de Covid-19, uma OS passou a gerir os equipamentos da APS em 2020, alcançando 100% de cobertura em 2021.
No mesmo ano, uma lei municipal instituiu a Fundação Estatal de Saúde Pública de Maricá - FEMAR -, criada com o objetivo de executar ações e serviços de saúde no município. No desenho de RAS a ser operado pela FEMAR, consta a ampliação de estabelecimentos, serviços e equipes de saúde.
Objetivo e período de Realização Neste relato, trazemos reflexões do processo de implementação da FEMAR - Fundação Estatal de Saúde de Maricá - na gestão da saúde do município, provocados pela pergunta: a migração do modelo de gestão de OS para o de Fundação Estatal pode ser considerado como um processo de fortalecimento dos serviços públicos ou mantém a mesma lógica de funcionamento do mercado e do setor privado? Cabe ressaltar que a experiência na qual propomos essa discussão está em curso.
Resultados Com a publicação do estatuto da FEMAR no início de 2022, os cargos de gestão e assessoria técnica começam a ser ocupados por processo seletivo simplificado - conforme previsto no estatuto - e parte dos profissionais que atuavam na SMS como comissionados ou contratados pela OS, foram realocados na nova estrutura. O ingresso para os que trabalham na assistência direta é feito por concurso público ou pela cessão de servidores, demandando procedimentos mais longos. Assim, os profissionais da FEMAR passaram a atuar em articulação com a OS, por vezes mediados pela SMS. Em paralelo, elaboravam-se o Contrato de Gestão e o 1º concurso público da Fundação para mais de 1500 vagas: a formalização do Contrato de Gestão ocorreu em março de 2023 para a APS, Atenção Especializada, Complexo Regulador e Tratamento Fora de Domicílio; e o concurso público de provas e títulos foi realizado em março de 2024. Durante a escrita deste resumo, a Regulação Ambulatorial já estava sob efetiva gestão da FEMAR, que aguardava a homologação dos recém aprovados no concurso para avançar na execução dos demais serviços contratados.
Aprendizado e Análise Crítica Não há consenso na Saúde Coletiva se Fundações Estatais devem ser encaradas pela lógica de mercado que subjaz o direito privado - mesmo no setor público - ou como arranjos flexíveis da administração indireta. Críticos mencionam os escassos espaços de controle social e fragilização de direitos trabalhistas[2,4], outros defendem o caráter público da Fundação[5].
Entretanto, estudos demonstram que as OS na saúde não têm obtido resultados melhores que de outras formas de contratação, a despeito de seu crescimento dos últimos anos e das vantagens apontadas por seus defensores: despesas que não entram no cálculo de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal, agilidade na seleção/demissão de trabalhadores e dispensa de licitação na compra de equipamentos e insumos . A rotatividade e fragilidade dos contratos de trabalho, os baixos salários pagos aos profissionais e o assédio a que alguns são submetidos põe em questão esses avanços[2-4]. Ademais, o modelo médico centrado e de produtividade operado pela lógica da OS comprometem a atenção à saúde e o acompanhamento aos usuários, sobretudo na APS.
Em que pese os passos iniciais da FEMAR – onde não se dispõe de mais elementos para conclusões mais abrangentes - é possível inferir que o modelo de Maricá caminha numa via de qualificação da atenção à saúde ao substituir a gestão privada de OS por trabalhadores concursados de uma fundação estatal.
Referências 1 -WHO. Indicators and data. In: https://apps.who.int/nha/database/Select/Indicators/es. Acesso mai 2024
2-DRUCK, G.. A terceirização na saúde pública: formas diversas de precarização do trabalho. Trabalho, Educação e Saúde, v14, nov. 2016
3 -MORAIS, H. M. M. et al.. Organizações Sociais da Saúde: uma expressão fenomênica da privatização da saúde no Brasil.Cadernos de Saúde Pública, v34, n. 1, 2018
4 -CEBES. Debate: as Fundações fazem mal à saúde? In: https://cebes.org.br/debate-as-fundacoes-fazem-mal-a-saude/8042/ Acesso mai 2024
5 -SILVA, R. M.; SAMICO, I. C.; SANTOS NETO, P. M. A relação público-privado e a gestão do trabalho nas fundações estatais de saúde.Trabalho, Educação e Saúde, v18, n. 1, 2020
6 -RAVIOLI, A. F.; SOÁREZ, P. C. D.; SCHEFFER, M. C. Modalidades de gestão de serviços no Sistema Único de Saúde: revisão narrativa da produção científica da Saúde Coletiva no Brasil (2005-2016).Cadernos de Saúde Pública, v34, n. 4, 2018
Fonte(s) de financiamento: Não há.
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