50516 - TERRITORIALIDADE, ATENÇÃO BÁSICA E CUIDADO: (DIS)SEMELHANÇAS ENTRE UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE EM FORTALEZA E REGIÃO METROPOLITANA ARTHUR FÉLIX OLIVEIRA COELHO - UFC, CECÍLIA OLIVEIRA CUNHA - UFC, JÚLIO CÉSAR CARDOSO RODRIGUES - UFC, LAÍS QUEIROZ SANTANA - UFC, MARIA BEATRIZ GONÇALVES LEITE - UFC
Contextualização A Psicologia, mediante encontros epistêmicos entre ciências humanas, sociais e biológicas, tem como um de seus pilares a garantia de saúde mental através de práticas sociais ético-políticas. Para tal efeito, a formação de psicólogos na realidade brasileira deve ser articulada com os princípios e os níveis do Sistema Único de Saúde (SUS) (Scarcelli e Junqueira, 2011). Nesse contexto, a partir de visitas técnicas de discentes a uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e a uma Unidade de Atenção Primária de Saúde (UAPS) com o fim de complementar o ensino de uma disciplina obrigatória de Psicologia e Saúde Coletiva de um curso de Psicologia de Fortaleza/CE, o presente trabalho busca estabelecer comparações entre as unidades, destacando as perspectivas sobre a saúde mental, a saúde coletiva e seus atravessamentos de modo crítico. Os dispositivos visitados foram a UAPS Gothardo Peixoto no bairro Montese, em Fortaleza/CE, e a UBS Maria Estela das Chagas Severiano, em Barra Nova, Cascavel/CE, nos semestres de 2023.2 e 2024.1, respectivamente, e tiveram suas escolhas motivadas pela presença de uma usuária de cada serviço nos grupos de trabalho. Destacaremos, portanto, que as (dis)semelhanças entre as territorialidades e os cuidados ofertados elucidam não apenas as multiplicidades que constituem o SUS, mas também as vicissitudes crônicas no setor de Atenção Primária.
Descrição da Experiência A UAPS Gothardo Peixoto tem uma infraestrutura ampla e acessível, oferecendo serviços de promoção e prevenção em saúde à comunidade. Contudo, apesar da equipe formada por médicos, enfermeiras e agentes comunitários, não há psicólogos, dificultando o atendimento de demandas de saúde mental. Isso leva à sobrecarga de profissionais do equipamento, além da medicalização excessiva e da falta de suporte técnico adequado para os usuários. Ademais, há uma preocupação com o aumento de casos de crianças com possível diagnóstico de autismo sem atendimento adequado e agravo de comportamentos autolesivos pelos pacientes. Em uma fala da vice-coordenadora do posto, foi enunciado “A saúde mental grita, mas ninguém escuta”.
Na visita à recém reformada UBS Maria Estela das Chagas Severiano fomos recebidos pelo técnico em enfermagem A., que nos guiou no ambiente, era novo e muito limpo. Algumas das salas não estavam finalizadas mas, segundo a farmacêutica auxiliar P.: “a saúde da população é mais importante que a inauguração”. Falou-se também sobre a reforma na UBS, período em que os atendimentos ocorreram provisoriamente numa creche, uma estrutura inadequada, “nos viramos nos 30”, disse A.. Além disso, a visita esclareceu que a abordagem em saúde mental na UBS era fortemente medicalizante, e a presença insatisfatória de um psicólogo materializa tal perspectiva.
Objetivo e período de Realização As visitas à UAPS Gothardo Peixoto Figueiredo Lima e à UBS Maria Estela das Chagas Severiano, realizadas em outubro de 2023 e março de 2024, respectivamente, ocorreram no período avaliativo da disciplina de Psicologia e Saúde Coletiva de um curso de Psicologia. Dispuseram como objetivo analisar criticamente o funcionamento e as particularidades dos equipamentos, sob a ótica de sua territorialidade, suas demandas, potencialidades e os percalços apresentados para atingi-las.
Resultados As unidades, apesar de distintas geograficamente, se assemelham em sua alta demanda no âmbito da saúde mental, sobretudo do público jovem, somada a uma perceptível precariedade no campo psicológico devido à baixa ou nula presença de profissionais na área. Por outro lado, ambas equipes demonstram entusiasmo na prestação do serviço, ainda que mediante adversidades, “se viram nos 30”.
Em contrapartida, no destoar das vivências nestes espaços, resultados relevantes demarcam suas especificidades. Enquanto a UAPS tem serviços base, especializados, laboratoriais e de imagem, articulação com outros equipamentos públicos, como centros de atenção psicossocial e escolas, e adesão dos usuários em grupos terapêuticos, a UBS possui apenas serviços base, presença mensal da equipe matricial, vínculo com outros dispositivos restrito a encaminhamentos e baixa adesão dos usuários em práticas integrativas. Constatamos, também, que questões sociais são pautadas mais na UAPS do que na UBS, o que não quer dizer que elas não existam em Barra Nova. Logo, é notório que, sobretudo longe dos centros político-econômicos, os fazeres em Psicologia na Atenção Básica se revelam embrionários e monolíticos.
Aprendizado e Análise Crítica As descrições das visitas permitem compreender que apesar do Ceará ser um estado que se destaca na atenção primária, a qualidade dos serviços de atendimento à saúde mental traz preocupações e as demandas estruturais da aplicação plena dos serviços de saúde também são observáveis. É dever do Estado garantir a saúde de modo integral, vinculada aos aspectos sociais e imbricado na realidade de cada comunidade em que se insere o primeiro nível de atenção. Desse modo, ao colocar em comparativo as realidades distintas da UAPS e da UBS, torna-se semelhante à tendência medicalizante do enfrentamento de problemas de ordem psíquica, a sobrecarga de profissionais de categoria básica e a dificuldade de identificar um atendimento amplo na UBS devido à estrutura precarizada. Ademais, a precariedade da oferta de atendimento concernente ao cuidado, especialmente ao cuidado em saúde mental, relatado em ambas as visitas desvenda como o neoliberalismo retroalimenta esse modelo de atendimento medicalizante, individualizante e verticalizado, desconsiderando as singularidades do território e despotencializando-o. Nesse sentido, enquanto usuários, mas também futuros profissionais da rede, a partir das visitas, implicamo-nos na defesa da prática do cuidado na Atenção Primária permeada e sustentada pelos potenciais territoriais e suas multiplicidades.
Referências SCARCELLI, I. R.; JUNQUEIRA, V.. O SUS como desafio para a formação em Psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 31, n. 2, p. 340–357, 2011.
Fonte(s) de financiamento: Nenhuma.
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