Roda de Conversa

06/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC4.18 - Atenção Primária à Saúde (3)

52976 - MATRICIAMENTO EM REDUÇÃO DE DANOS ÀS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA E E-MULTI DE VITÓRIA DE SANTO ANTÃO/PE
JUNO PEDRO ALBUQUERQUE ALMEIDA - IAM - FIOCRUZ/PE


Contextualização
Historicamente, o tratamento de saúde e social para usuários de álcool e outras drogas (AD) era marcado pela exclusão social. As primeiras políticas focavam na abstinência compulsória e estigmatização moral, dificultando o desenvolvimento de políticas públicas eficazes. Com a Reforma Psiquiátrica, a Redução de Danos passou a ser a principal estratégia para cuidado do sujeito usuário AD, visando minimizar consequências adversas à saúde, às circunstâncias sociais e econômicas associadas ao uso de substâncias e promover sua autonomia e integração ao território existencial.
Porém o modelo manicomial persiste nas práticas profissionais e nas políticas de contra-reforma. É crucial envolver trabalhadores e usuários no processo de reforma, reconhecendo que mudanças estruturais são mais eficazes quando acompanhadas por transformações culturais e pessoais. Isso requer um esforço conjunto para reformar as estruturas e promover mudanças nos processos de trabalho (Campos e Amaral, 2007).
Uma ferramenta potente é o Apoio Matricial (AM), que tem sido fundamental para aumentar a eficácia dos cuidados por parte dos profissionais da Saúde da Família (SF). O AM consiste em um diálogo de suporte e orientação entre especialistas em saúde mental e/ou as equipes da APS, não apenas em situações de crise, mas também em medidas preventivas (Minozzo, Costa, 2013).


Descrição da Experiência
Minha experiência de trabalho em um CAPS tipo II como referência para os usuários com demandas de alcool e outras drogas e para a redução de danos no serviço tem mostrado cotidianamente a necessidade da territorialização do cuidado e da integração de toda a rede de saúde neste processo. Os usuários que chegam ao CAPS se encontram em condições agravadas de saúde clínica e psiquiátrica, porém com pouco ou nenhum histórico de assistência em outros pontos da rede.
Visando aproximar a Atenção Primária dos cuidados na perspectiva de redução de danos, iniciei processo de matriciamento às Unidades Básicas de Saúde, em reuniões conjuntas com ESF e e-multi para discutir o que é redução de danos e discutir os casos de AD do respectivo território que estão em acompanhamento no CAPS II, visando a elaboração de estratégias de cuidado compartilhadas entre todas as equipes e a aproximação da Atenção Primária ao usuário. O município de Vitória de Santo Antão conta com 36 UBS e 5 e-multi, e um CAPS, sendo o tipo II. É possível observar no cotidiano de trabalho que a questão AD pouco se apresenta nos serviços de saúde, inclusive na APS. E que as barreiras de acesso estão principalmente pela reprodução e produção de estigmas e preconceitos a tais usuários, direcionamento da demanda para ONGs e Comunidades Terapêuticas em detrimento da coordenação e ordenação do cuidado na rede pública de saúde.

Objetivo e período de Realização
Fortalecer o cuidado aos usuários de AD nos territórios; Discutir o processo de trabalho para o cuidado aos usuários entre as equipes da eSF e e-multi; estimular a realização de atividades de de redução de danos; combater estereótipos, discriminações e equívocos ainda presentes nas práticas profissionais em saúde mental, inclusive a crença da associação da questão das drogas à moral e à segurança. Período de realização: fevereiro 2024 - em curso.

Resultados
Foram realizados 5 encontros em diferentes UBS do município. A realização do matriciamento fica dependente de condições como garantia de transporte, conciliação de agenda com ESF e e-multi, o que fez a realização dos encontros andarem em passos mais lentos do que o esperado.
Foram trabalhados conceitos básicos como: o que são drogas? Quem são os “usuários de drogas”? Quais as categorias de ação em RD na saúde? problematização de estigmas, preconceitos e mitos sobre RD; e estratégias possíveis para serem desenvolvidas nos territórios. Nos encontros observamos desconhecimento sobre as políticas do SUS para o cuidado aos usuários de AD e sobre a RD. Porém profissionais com nível superior demonstraram algum conhecimento de conceitos e técnicas circunscritas nesta estratégia de cuidado. Ao longo das discussões havia abertura para a perspectiva da RD, compreensão da importância do acolhimento e reconhecimento das tecnologias de cuidado como pertinentes para a saúde. As resistências aparecem com maior força nos momentos de delineamento de estratégias individuais e coletivas a serem desenvolvidas nas UBS, com a tendência a responsabilizar somente o CAPS no cuidado a tais indivíduos.

Aprendizado e Análise Crítica
Os caminhos para a superação do modelo manicomial de cuidado são múltiplos. E quando se trata da questão do álcool e outras drogas os desafios se misturam à realidade proibicionista e punitivista que vivemos no Brasil sobre o tema. A proposta teórica-ética-política-tecnológica mais avançada que temos no campo da saúde pública para o cuidado a tais sujeitos e comunidades é a RD, que é diametralmente oposta às políticas proibicionistas presentes principalmente no campo da segurança pública. Porém, esta última vem interferindo profundamente no avanço da RD na saúde pública.
Os processos de trabalho na Atenção Primária e demais pontos das redes de saúde, são atravessados por tais contradições. Na produção e reprodução do punitivismo, da política da abstinência, da manicomialização através de novos equipamentos como as Comunidades Terapêuticas e nas barreiras de acesso aos postos de saúde, especialmente para as pessoas pretas e periféricas.
Porém, os germes da transformação vem sendo plantados, e através dos matriciamentos conseguimos pautar e problematizar tais questões, o que em si já é um importante avanço em detrimento da invisibilização, estimular o desenvolvimento de ações nos territórios e maior implicação da APS nos casos em acompanhamento.


Referências
CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa; AMARAL, Márcia Aparecida do. A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital. Ciência & Saúde Coletiva, [S.L.], v. 12, n. 4, p. 849-859, ago. 2007.
MINOZZO, Fabiane; COSTA, Ileno Izídio da. Apoio matricial em saúde mental: fortalecendo a saúde da família na clínica da crise. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, [S.L.], v. 16, n. 3, p. 438-450, set. 2013. FapUNIFESP (SciELO).
Ministério da Saúde (BR), Secretaria Executiva, Coordenação Nacional de DST/Aids. A política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2003.


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