51031 - NARRATIVAS E ESCREVIVÊNCIAS DA ATIVIDADE DE ACS EM TEMPOS DE PANDEMIA: UMA APOSTA POLÍTICO-DISCURSIVA DE RESISTÊNCIA GABRIELA DE BRITO MARTINS - UFES/FAESA, ANA CLAUDIA PINHEIRO GARCIA - UFES, ANDRÉ DOS SANTOS PIMENTEL - APSI, JEANINE PACHECO MOREIRA BARBOSA - UFES, MANUELLA RIBEIRO LIRA RIQUIERI - UFES, MARCOS VINICIUS DA SILVA CORDEIRO - UFES, MARIA ANGÉLICA CARVALHO ANDRADE - UFES, SHEILA CRISTINA DE SOUZA CRUZ - UFES, THIAGO DIAS SARTI - UFES, RITA DE CASSIA DUARTE LIMA - UFES
Apresentação/Introdução Trata-se de um estudo que convoca narrativas e histórias de vida de trabalhadoras da saúde como fio condutor da análise do trabalho em tempos de pandemia.
A pandemia pela COVID-19 se apresenta como analisador histórico, um acontecimento que provoca rachaduras nos instituídos do trabalho em saúde. A Clínica da Atividade de Clot e as escrevivências de Conceição Evaristo, como aporte inspirador e disparador de análise, conduzem um mergulhar num percurso das narrativas do trabalho em saúde e suas intersecções. No contexto do trabalho das ACS, a produção de saúde no trabalho se configura como um lugar de imprevistos, constituindo-se na capacidade de enfrentar ruídos, falhas, sentidos e significações, a fim de resistir às muitas adversidades que se produzem no viver e trabalhar, construindo realidades desviantes e renormalizantes da trajetória de vida.
Nessa aposta, ousamos, neste estudo, acompanhar as narrativas de histórias de vida em curso, de trabalhadoras da saúde durante a pandemia, no intuito de colocar em análise a experiência viva de ACS durante a pandemia, a análise do trabalho feminino em suas intersecções, sendo a produção de conhecimento a invenção de si e do mundo, uma produção de desejos em atividade subsidiada, em última instância, pela vida e pelo plano coletivo de forças moventes acessadas no viver (CLOT, 2007; PASSOS; KASTRUP, 2013).
Objetivos O objetivo do estudo foi analisar narrativas de agentes comunitárias de saúde, a partir de cartas e relatos de experiências de trabalho, no contexto de pandemia. A ação inventiva se constitui como dobra evocativa de um tecer da vida e trabalho de mulheres, trabalhadoras da saúde, que, como cidadãs, no seu fazer, constituem insistências e resistências, manifestas em suas escrevivências do trabalho durante a pandemia.
Metodologia Trata-se de uma pesquisa qualitativa e descritiva das situações e experiências de trabalho. As participantes foram 17 mulheres, agentes comunitárias de saúde atuantes no município de Vitória - ES. É uma equipe formada exclusivamente por mulheres, com predominância de idade entre 50 e 60 anos, com tempo de trabalho entre 7 e 24 anos, o que denota uma equipe com baixa rotatividade e com alto nível de permanência na função. Tais características contribuem para que as narrativas das ACS sinalizem maior adesão e participação no acompanhamento e constituição dos processos de trabalho e dinâmica dos serviços na assistência à saúde.
As narrativas apresentadas foram construídas a partir dos grupos focais, observações e entrevistas, registradas a partir de gravações e cartas escritas pelas participantes, realizadas de 16 de agosto de 2022 a 04 de outubro de 2022, embasando reflexões a partir da atividade situada em seu contexto e das experiências e desafios enfrentados no contexto da pandemia.
A análise dos diários de campo e produção de cartas foram realizadas a partir de aproximações da Clínica da Atividade de Clot (2007; 2010), com as escrevivências de Evaristo (2017; 2020).
Resultados e Discussão As escrevivências da atividade, produzidas pelas ACS, mostraram-se potentes ao provocar engajamentos que ressoam afetos, cuidado e sentidos no cuidado de si e traz como desdobramentos a capacitação das agentes no aprimoramento das relações e intercessões na atividade de trabalho, afetos e competências importantes no exercício profissional engajado, comprometido ativamente com o bem-estar de si e dos usuários. Ao arejar reflexões em saúde, a partir das histórias das ACS, afirmamos vidas que protagonizam o tensionamento, que resistem e subvertem a lógica em vigor, promovendo estilização no “jogo de cintura” diante de imprevistos”, no “se virar do sambar da vida”. Em meio ao cansaço pelos impedimentos e restrições, surgem lacunas que criam passos, pistas e ruas para a dança, dando fôlego, respirando caminhos e insistências pela via de deslocamentos daquilo que é instituído.
As escrevivências da atividade mostraram-se potentes em captar as forças invisíveis e torná-las visíveis, fazer o movimento, e, por assim dizer, na produção de implicações combativas, um diálogo potencializador de aberturas a outros modos de vida.
A aposta das escrevivências da atividade é a do não suportar. É a produção de uma escrita-escuta potente que problematize, inquiete e incomode, a fim de compor forças e transformar realidades no cotidiano do trabalho em saúde.
Conclusões/Considerações finais O estudo teve como proposta a construção de uma intervenção em clínica da atividade a partir da construção de narrativas e histórias de vida de trabalhadoras da saúde em tempos de pandemia. Ao construir narrativas e cartas sobre o trabalho em tempos de pandemia, a experiência possibilitou um olhar para a história de mulheres, agentes comunitárias de saúde, numa aposta pelo despertar, pelo arejar as pesquisas e abordagens dos processos e políticas em saúde.
A análise das narrativas e cartas sinalizam um caminho potente na constituição de lugares de fala para mulheres que denunciam precarizações e violências, mas também validam a experiência pessoal e coletiva utilizadas como recursos para ação e transformação do trabalho por aquelas que o fazem. O estudo aborda histórias de vida de mulheres como escrita criativa, combativa e potente, afirmando-se como um incômodo às produções científicas hegemônicas, numa aposta da escrita como política-discursiva de resistência.
Referências BIROLI, F.; MIGUEL, L. F. Gênero, raça, classe: opressões cruzadas e convergências na reprodução das desigualdades. Mediações. Londrina, 2015.
CARNEIRO, S. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011.
CLOT, Y. A Função Psicológica do Trabalho. Petrópolis: Vozes, 2007.
CLOT, Y. Trabalho e poder de Agir. Belo Horizonte: Factum, 2010.
EVARISTO, C. Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Dissertação. Rio de Janeiro: PUC-RJ, 1996.
EVARISTO, C. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas, 2017.
EVARISTO, C. Escrevivência: a escrita de nós - Reflexões sobre as obras de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina, 2020.
MÉLLO, L.M.B.D; SANTOS, R.C; ALBUQUERQUE, P.C. Agentes Comunitárias de Saúde na pandemia de Covid-19. Saúde em Debate. 2022.
OSÓRIO, C. Trabalho e Perspectiva clínicas. Belo Horizonte, 2007.
OSÓRIO, C. et al. Clínicas do Trabalho e Análise Institucional. Rio de Janeiro: Nova Aliança, 2016.
Fonte(s) de financiamento: CAPES
|