Roda de Conversa

05/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC4.14 - Rede de Atenção à saúde do Trabalhador

50783 - TRANSFORMAÇÕES NO PROCESSO DE TRABALHO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE BUCAL DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: PERSPECTIVAS PARA UM NOVO MODELO DE CUIDADO
LUÍS FERNANDO NOGUEIRA TOFANI - UNIFESP, ANDRÉ LUIZ BIGAL - UNIFESP, FERNANDO TUREK - UNIFESP, ROSEMARIE ANDREAZZA - UNIFESP, ARTHUR CHIORO - UNIFESP


Apresentação/Introdução
A Política Nacional de Saúde Bucal, denominada Brasil Sorridente, representa uma nova resposta estatal aos problemas de saúde bucal da população brasileira com a expansão das equipes de saúde bucal na atenção básica e a organização da atenção especializada. A ampliação do acesso e da cobertura não se traduziu necessariamente em transformações nas práticas de cuidado em saúde bucal, ainda que a Estratégia de Saúde da Família tenha induzido modificações nos modelos de atenção e nos processos de trabalho antes adotados pela odontologia. Estudos demonstram a manutenção de uma concepção hegemônica doença-centrada da saúde no modelo de atenção à saúde bucal, apesar de avanços na integralidade do cuidado. O desafio se torna ainda maior, a partir de 2020 quando a Organização Mundial de Saúde declara emergência sanitária internacional devido à pandemia de COVID–19. As limitações impostas pelas medidas de isolamento social e a necessidade de atendimento a uma demanda crescente e desconhecida levou a transformações nas práticas em saúde durante o período pandêmico, com especial impacto nas ações de saúde bucal que sofreram restrições para realização de atendimentos e procedimentos, principalmente no uso de instrumentos rotatórios de alta rotação com spray que geram aerossóis, produzindo um cenário de contingência e redução do acesso às intervenções em saúde bucal.

Objetivos
Este estudo tem por objetivo analisar como o contexto de contingência e redução do acesso na pandemia de COVID-19 afetou o cuidado e promoveu transformações no processo de trabalho em saúde bucal no SUS no Estado de São Paulo.

Metodologia
Trata-se de estudo quali-qualitativo, caracterizado como estudo de casos múltiplos, desenvolvido em duas etapas. Na fase 1 buscou-se identificar as ações e estratégias desenvolvidas pelas Secretarias Municipais de Saúde no estado de São Paulo no enfrentamento da pandemia de Covid-19 a partir de formulário eletrônico. Na fase 2 da pesquisa o campo do estudo foi constituído por duas regiões de saúde, sendo uma localizada no interior do estado e outra na região metropolitana da grande São Paulo, onde foram selecionados três municípios por diferentes portes populacionais. Realizaram-se 29 entrevistas abertas com gestores, coordenadores de serviços de saúde e trabalhadores do SUS abordando questões em profundidade. O material foi processado mediante análise de conteúdo temática. Os resultados foram organizados considerando três momentos do enfrentamento à pandemia de COVID-19: suspensão das atividades, trabalho do dentista durante a pandemia e o processo de retomada dos atendimentos. Considerando o pluralismo teórico, as análises foram realizadas considerando conceitos e referenciais diversos do campo da saúde coletiva, balizadas com a literatura pesquisada sobre a temática do estudo

Resultados e Discussão
Na fase 1 da pesquisa foram obtidas 255 respostas. Ao serem provocados a assinalar quais ações de rotina das equipes foram interrompidas ou prejudicadas pela pandemia de COVID-19 os respondentes identificaram os atendimentos/procedimentos odontológicos, os grupos de gestantes, hipertensos, diabéticos e a realização de visitas domiciliares como aqueles mais impactados. Nas entrevistas realizadas na fase 2 do estudo, foram identificadas 20 citações sobre a saúde bucal no contexto pandêmico. Este empírico foi analisado à luz dos conceitos de saúde bucal coletiva, bucalidade, cuidado em saúde, processo de trabalho em saúde, interprofissionalidade, clínica ampliada, integralidade e processo instituído-instituinte. A maioria dos entrevistados relatou cenários de interrupção dos atendimentos odontológicos durante o período e restrições de procedimentos ao atendimento de urgências e emergências com o uso prioritário de dispositivos manuais para evitar a geração de aerossóis. Na prática, estas restrições promoveram transformações nas ações de saúde bucal: menos intervenções, menos procedimentos e cuidados menos invasivos. Além disso, houve relatos de ‘quebras’ nas atribuições clássicas dos profissionais da saúde bucal. Esses ‘borramentos’ entre as atividades dos diferentes núcleos profissionais foram motivados por um certo objetivo comum: enfrentar a pandemia! O recomeço das ações de saúde bucal pós-pandemia poderia ter sido uma oportunidade de se fazer diferente, produzindo um cuidado em saúde bucal mais integral. A saúde bucal coletiva pretende operar uma ruptura epistemológica com a odontologia de mercado: busca-se ‘desodontologizar’ a saúde bucal e assegurar a todos o acesso aos recursos necessários para que cuidados em saúde bucal sejam, efetivamente, um direito humano.

Conclusões/Considerações finais
As transformações nas práticas de cuidado em saúde bucal durante o enfrentamento da pandemia de COVID-19 revelaram as dificuldades que cirurgiões-dentistas têm para o emprego de tecnologias leves. Em algumas situações a paralisação, em outras as restrições: o que pode fazer o ‘dentista sem o motor’? Este momento analisador e único teria potencial para reorientação do processo de trabalho em saúde bucal no SUS através da incorporação de outras práticas, outras ações, outros saberes e um novo modelo de cuidado. Não é possível afirmar que conceitos como saúde bucal coletiva, bucalidade, clínica ampliada e integralidade tenham ressignificado o cuidado em saúde bucal no período pandêmico, nem depois dele. Mas, o dentista que se propôs ao acolhimento, à testagem para covid, à aferição de temperatura, ao telemonitoramento epidemiológico e à vacinação, não seria capaz de ampliar sua clínica para além do consultório, da cadeira odontológica e do uso do ‘motorzinho’?

Referências
Chaves SCL, Almeida AMFL, Rossi TRA et al. Política de Saúde Bucal no Brasil 2003-2014: cenário, propostas, ações e resultados. Cien Saud Colet 2017; 22(6).
Fonsêca GS, Botazzo C. A clínica em odontologia: nexos e desconexões com a clínica ampliada de saúde bucal. Saude Soc 2023; 32(1).
Narvai PC. Saúde bucal coletiva: caminhos da odontologia sanitária à bucalidade. Rev Saúde Pública. 2006; 40(N Esp):141-7.
Carrer FCA, Galante ML, Gabriel M et al. COVID-19 na América Latina e suas repercussões para odontologia. Rev Panam Salud Publica 2020; 44.
Stralen ACV, Carvalho CL, Girardi SN et al. Estratégias internacionais de flexibilização da regulação da prática de profissionais de saúde em resposta à pandemia da COVID-19: revisão de escopo. Cad Saud Publica 2022; 38(2).
Schwendicke F. Less is more? the Long‐Term health and cost consequences resulting from minimal invasive caries management. Dent Clin of North Amer 2019; 63(4).

Fonte(s) de financiamento: A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).


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