Roda de Conversa

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC4.12 - Rede de Acolhimento e Cuidado

53800 - CONSULTÓRIO TERRITORIALIZADO: UMA EXPERIÊNCIA PARA GARANTIR ACESSO E DECOLONIZAR O CUIDADO
LUÍSA TEIXEIRA FRANCISCO E GONTIJO - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO (UERJ), MARCIO HENRIQUE DE MATTOS SILVA - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO (UERJ)


Contextualização
A assistência à saúde está amplamente fundamentada em uma visão eurocentrista, em um padrão hegemônico das potências capitalistas. Valoriza-se uma saúde biomédica, sedimentada no complexo médico-industrial. As subjetividades são excluídas, bem como toda a complexidade das relações políticas, sociais e culturais dos territórios, os saberes e práticas tradicionais locais. (1)
Através da determinação social do processo saúde-doença busca-se ampliar a visão de saúde.(2) No entanto, para garantir que essa teoria seja aplicável, é preciso também decolonizar o acesso da população à saúde.
O acesso garantido pelo Sistema Universal de Saúde, através das Redes de Atenção à Saúde, permite que o cuidado seja elaborado para as especificidades de cada território, bem como disponibilizar formas de acesso de acordo com as necessidades de cuidado individuais, que vão desde os grupos de educação em saúde até a possibilidade de gestão de caso.(3) No entanto, apesar de todas as possibilidades ofertadas, diante da Lei dos Cuidados Inversos (4), parte da população continua sem os cuidados de saúde.
A partir disso, torna-se necessário novas estratégias para garantir o direito de acesso à saúde da população, a partir de uma construção coletiva nas comunidades, e os Consultórios Territorializados podem ser uma ferramenta na construção do direito à saúde.

Descrição da Experiência
A experiência acontece na unidade de Atenção Primária à Saúde (APS), localizada na zona norte do Rio de Janeiro. O território é heterogêneo, com áreas vulneráveis, sem acesso à serviços básicos e famílias dependentes de programas de transferência de renda. Atualmente, o território é conflagrado pelo tráfico e pela violência urbana, dificultando ainda mais o acesso aos direitos sociais.
Em 2021, a partir do diagnóstico comunitário, desenvolveu-se o consultório territorializado, pois algumas regiões do território acessavam menos a unidade de saúde, tanto por distância física quanto por vulnerabilidade social, se fazendo presente a lei dos cuidados inversos. Dois locais foram escolhidos e a população cedeu espaços para a realização da iniciativa. Inicialmente, aconteciam consultas individuais, sob demanda livre, com o médico da equipe. A partir das vivências, outras atividades foram criadas. Atualmente, no primeiro consultório, são intercalados atendimentos médicos e de enfermagem a cada semana e o agente comunitário de saúde realiza um grupo de auriculoterapia, além de atividades de educação em saúde. No segundo consultório, além das consultas individuais, surgiu o movimento da integração com o grupo de mulheres, articulação intersetorial com o centro comunitário, um projeto que tem em sua base a agroecologia. O grupo acontece quinzenalmente com a construção coletiva das pautas.


Objetivo e período de Realização
O objetivo da iniciativa é garantir acesso à população, entendendo que a vulnerabilidade social e a distância do território até a unidade de saúde são fatores que dificultam o acesso da população à saúde. O cuidado com as pessoas acontece através de consultas individuais, ações de educação em saúde e grupos operativos, com temas escolhidos pela própria população. A iniciativa teve início em 2021 e permanece até o momento, envolvendo toda equipe de saúde da família e com frequência semanal.


Resultados
A partir do diagnóstico comunitário e a implementação do consultório territorializado a equipe de saúde da família se aproximou de pessoas vulneráveis que tinham mais dificuldade de acesso aos cuidados ofertados pela unidade. Além disso, ampliou o número de consultas individuais, a partir da iniciativa de constituir nos territórios espaços privativos que poderiam ser utilizados para o atendimento “in locu”, onde o processo de saúde adoecimento acontece.
Outro aspecto relevante foi a ampliação do cuidado a partir de grupos de educação em saúde com temáticas escolhidas pela população, ampliando a construção coletiva do conhecimento. Permitiu também a ampliação das práticas integrativas complementares como a auriculoterapia, que apoia no cuidado das pessoas com dores crônicas, sofrimento psíquico e transtornos mentais. Destaca-se também o engajamento das mulheres que a partir do encontro semanal podem discutir assuntos relevantes como a violência, o direito à saúde, a insegurança alimentar, promovendo ações para minimizar as piores consequências desses condicionantes do processo de saúde adoecimento a partir da articulação intersetorial e com base na agroecologia.


Aprendizado e Análise Crítica
A experiência do Sistema Único de Saúde, através da APS, pode ser a chave para garantir o direito à saúde. A APS é o ponto chave para decolonizar e garantir o acesso à saúde. Para isso é necessário uma prática voltada para o território, com formas de acesso que garantam a voz das minorias às políticas, e da presença integrada de práticas em saúde tradicionais dos territórios. Essas vivências só se tornam possível quando as comunidades são escutadas na produção das políticas de saúde e nas iniciativas das equipes, valorizando os sujeitos e seus saberes. Dessa forma, é possível pensar em uma saúde vinculada aos territórios, às comunidades e às suas vivências singulares.
Na experiência aqui relatada, é perceptível que em cada território em que a iniciativa foi implantada, surgiram demandas diferentes, e foi necessário readaptar a metodologia de acordo com o que era mais compatível com o perfil de cada território e de cada grupo. A existência de espaços de saúde no território, tornou não só a saúde mais acessível, mas como também mudou a perspectiva do conceito de saúde, proporcionou um cuidado melhor nas condições crônicas, ampliou as ações de promoção de saúde, incentivou o debate e a participação das comunidade em outras atividades da clínica, até mesmo no colegiado gestor e permitiu a construção coletiva do conhecimento e o empoderamento dos indivíduos.


Referências
1. Guimarães MB, Nunes JA, Velloso M, Bezerra A, Sousa IMD. As práticas integrativas e complementares no campo da saúde: para uma descolonização dos saberes e práticas. Saúde E Soc. 2020;29(1):e190297.
2. Garbois JA, Sodré F, Dalbello-Araujo M. Da noção de determinação social à de determinantes sociais da saúde. Saúde Em Debate. março de 2017;41(112):63–76.
3. Saúde M da. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica. Ms; 2014. (Caderno de Antenção Básica).
4. Da Silva Scholze A. limites da prevenção: 50 anos da Lei de Hart. Rev Bras Med Fam E Comunidade. 20 de dezembro de 2022;17(44):3161.

Fonte(s) de financiamento: Nenhum


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