Roda de Conversa

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC4.11 - Rede de Atenção Especializada

49296 - O PROJETO PARA A RETIRADA DE ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS DA DIETA DE PACIENTES COM CÂNCER EM UM INSTITUTO FEDERAL DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE.
AMINE FARIAS COSTA - INCA, GABRIELA VILLAÇA CHAVES - INCA, ANA CRISTINA MORAIS DA SILVA - INCA


Contextualização
A dieta oferecida a pacientes internados em hospitais é composta, via de regra, por muitos alimentos ultraprocessados (AUP), o que contribui para um ambiente alimentar não promotor de hábitos alimentares saudáveis.1 Embora os AUP possam facilitar a conservação e manuseio de alimentos em Unidades de Alimentação e Nutrição (UAN), eles são nutricionalmente desbalanceados e o seu consumo está relacionado com o aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis.2
Além disso, nos últimos anos, estudos têm evidenciado que o custo de uma alimentação saudável baseada em alimentos in natura (AIN) e alimentos minimamente processados (AMP) superam o custo de uma alimentação baseada em AUP.3
Considerando que os serviços de alimentação e nutrição (SEAN) na rede pública de saúde são contratados via licitação, e que o menor preço é o primeiro critério a ser avaliado no processo licitatório4, as empresas participantes utilizam AUP em suas propostas para reduzir seu custo e aumentar suas chances no processo.
A despeito da praticidade e baixo custo dos AUP, o Guia Alimentar para a População Brasileira (GAPB)5, ferramenta chave para o planejamento de políticas de alimentação e nutrição no país, foi revolucionário quando incluiu o grau de processamento dos alimentos como diretriz para a promoção de uma alimentação adequada e saudável, recomendando que o consumo de AUP deve ser evitado.

Descrição da Experiência
A Portaria n° 12746 foi elaborada considerando as recomendações do GAPB, prevendo ações de promoção da alimentação adequada e saudável nos ambientes de trabalho no âmbito do Ministério da Saúde; e em 2018, o Instituto Nacional do Câncer (INCA), instituiu um Grupo Executor para promover a implementação desta Portaria. Na ocasião, a chefia da Seção de Nutrição e Dietética (SND) do Hospital do Câncer II (HCII) do INCA, planejou ações para a implementação das diretrizes da Portaria, com ações voltadas à adequação da alimentação oferecida aos funcionários e discentes do HCII. Contudo, a iniciativa foi expandida a todo o contrato de alimentação e nutrição, englobando todos os usuários do serviço, como os pacientes internados e seus acompanhantes. As dietas para os pacientes internados, previstas no contrato vigente à época, utilizavam inúmeros AUP, que, de fato, não promoviam saúde para o público atendido. Assim, foi elaborada uma a listagem de todos os alimentos que deveriam ser retirados do contrato, ou substituídos por versões mais saudáveis, além da identificação dos AIN e AMP que poderiam ser incluídos, elaboração de receitas caseiras para substituições das preparações industrializadas, pesquisa de preços e análise do custo do contrato, adequação da documentação, reuniões e treinamento com a equipe de nutricionistas e a equipe atuante na UAN do HCII.

Objetivo e período de Realização
Considerando que o ambiente hospitalar atua, também, como local de incentivo a hábitos de vida saudáveis, o objetivo desta ação foi adequar o Termo de Referência (TR) para a licitação de serviços de alimentação e nutrição para o HCII, substituindo, ao máximo, os AUP por AIN, AMP e preparações culinárias. O processo de adequação dos documentos, e dos processos necessários, iniciado em 2017, foi aprimorado continuamente, até o final de 2021, para todos os TRs elaborados neste período.

Resultados
Alguns AUP foram retirados do cardápio, como carnes e queijos processados, margarina, farináceos adoçados, néctar de frutas, molhos e temperos prontos, pó para preparo de gelatinas e pudins, achocolatado em pó, biscoitos recheados, bolos e doces industrializados. Outros tiveram a sua frequência de utilização reduzida, como iogurte com adição de açúcar e pães industrializados. Diversos AIN e AMP foram incluídos, como: água de coco natural, suco de frutas, iogurte natural, chocolate e cacau em pó, milho em espiga, ervilha in natura congelada, ervas e temperos naturais, molho de tomate caseiro. Muitas preparações culinárias passaram a ser elaboradas no local sem a utilização de aditivos químicos, como goiabada, gelatina e maionese. A frequência de pescados e de hortaliças no cardápio foi aumentada, assim como a inclusão de frutas no desjejum, e a inclusão das versões integrais de arroz e pão. Poucos AUP ainda encontram-se disponíveis para atender as necessidades específicas, como as versões diet ou demandas pontuais dos pacientes com câncer. Ressalta-se que o custo total do SEAN contratado não aumentou com estas mudanças, quando comparado com a versão anterior menos saudável.

Aprendizado e Análise Crítica
A implementação de políticas públicas, atualmente, é um processo transversal que envolve diferentes atores e processos avaliativos contínuos. No caso em tela, a chefia da SND do HCII traduziu as diretrizes do GAPB em ações locais para a assistência nutricional de um grupo específico de usuários do INCA, mediando a relação entre os planejadores e implementadores das políticas públicas.
Considerou-se que é dever da área demandante de SEAN garantir parâmetros mínimos de qualidade, de acordo com as diretrizes vigentes, no momento da elaboração dos documentos licitatórios. Assim, as ações foram gradativamente introduzidas ao longo dos 4 anos do processo de revisão dos documentos, em constante avaliação para garantir a sua sustentabilidade e eficácia.
Contudo, a implementação efetiva destas mudanças só foi realizada devido à participação dos burocratas que atuam em contato direto com os usuários do SEAN. Foram necessários treinamentos e conscientização constantes das equipes, além de mudanças de paradigmas na gestão hospitalar no que tange à alimentação dos indivíduos enfermos.
Limitações relativas ao processo de informação aos usuários do SEAN acerca das mudanças implementadas foram identificadas, e precisam ser aprimoradas. Proatividade e inovação por parte dos envolvidos, garantiu, mesmo que parcialmente, uma alimentação mais saudável e adequada aos pacientes atendidos no HCII.

Referências
1.José MER, Messias GM, Canella DS, Castro IRR (Eds.). Manual de aplicação do instrumento de avaliação do ambiente hospitalar. Rio de Janeiro: Instituto de Nutrição; 2021.
2.Neri D, Steele EM, Khandpur N, et al.; NOVA Multi-Country Study Group on Ultra-Processed Foods, Diet Quality and Human Health. Ultraprocessed food consumption and dietary nutrient profiles associated with obesity: A multicountry study of children and adolescents. Obesity Reviews. 2022;23 Suppl 1:e13387.
3.Maia, E.G.; Dos Passos, C.M.; Levy, R.B.; et al.; What to expect from the price of healthy and unhealthy foods over time? The case from Brazil. Public Health Nutr. 2020, 23, 579–588.
4.Brasil. Presidência da República. Lei 14.133, de 1 de abril de 2021.
5.Brasil. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. Ministério da Saúde; 2014.
6.Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 1.274, de 7 de julho de 2016.


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