52440 - FRAGMENTAÇÃO DE CUIDADOS DE SAÚDE APÓS ALTA HOSPITALAR: REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE E COORDENAÇÃO GIULIANNA ORNELLAS - ENSP/FIOCRUZ
Contextualização A integração e a coordenação do cuidado dependem da interação entre setores, entre os níveis de atenção, entre profissionais e destes com os usuários (Goodwin, 2013). Elas são previstas no SUS desde sua criação. Em 2011, a RAS, coordenada pela APS, surge como essencial para sistematizar e organizar as diferentes densidades tecnológicas, integralizando-as e garantindo um cuidado contínuo para o usuário. Coordenar é organizar de forma deliberada as ações e recursos de forma a otimizar a oferta de cuidado e a garantir a integração (Almeida et al., 2016).
Conforme a PNHOSP, alta hospitalar representa uma transição entre níveis de atenção e deve ser realizada por meio da “orientação dos pacientes e familiares quanto à continuidade do tratamento [...]; articulação da continuidade do cuidado com os demais pontos de atenção da RAS [...]; e implantação de mecanismos de desospitalização”. Coordenar a transição pós-internação hospitalar é essencial para que seja possível a continuidade de acompanhamentos de saúde, principalmente em casos crônicos. Assim, o usuário previne possíveis consequências surgidas a partir da fragmentação e da interrupção.
Descrição da Experiência O estágio supervisionado em todos os níveis de atenção é componente obrigatório do currículo de graduação em Fisioterapia, de acordo com as diretrizes curriculares do curso. O estágio em atenção terciária foi realizado por mim no período de novembro de 2021 a março de 2022 no Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), por meio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), tanto em enfermarias quanto em unidades de terapia intensiva. O objetivo dessa prática foi contribuir para a formação de Fisioterapia no que tange a assistência fisioterapêutica hospitalar. Aspectos que além dos puramente técnicos da profissão foram notados e aprofundados. O que mais me chamou atenção, foco do relato, é analisar como se é coordenado o cuidado dentro do hospital e após a alta hospitalar, e como é feita a integração com os outros níveis de atenção. Pude observar processos de trabalho e interagir com profissionais e com pacientes. Durante essa experiência, surgiram situações que mostram uma fragmentação dos cuidados nesse hospital. Falta de comunicação dentro da equipe, dificuldade de um processo de alta eficiente e qualificado e frequentes reinternações eram comuns. Com isso, reflexões sobre fragmentação na prática, como ela pode impactar os usuários e como evitá-la surgiram, e é o que será discutido aqui.
Objetivo e período de Realização A experiência teve como objetivo analisar as relações de trabalho relativas ao processo de alta, coordenação e integração do cuidado no Hospital Federal dos Servidores Estado (HFSE), no Rio de Janeiro (RJ), durante o período de estágio supervisionado curricular em atenção hospitalar em uma graduação de Fisioterapia, de novembro de 2021 a março de 2022.
Resultados Grande parte da equipe não parecia ter preparo (ou interesse) para garantir a longitudinalidade dos cuidados. Havia um ambulatório do próprio hospital, onde existia uma ótima articulação em casos oncológicos. Em outros casos, os usuários se encontravam em um limbo: sem orientações bem planejadas, sem saber como acessar outros níveis, sem comunicação com as UBS. Ao questioná-los no momento da alta, muitos diziam que os médicos tinham deixado por escrito como realizar a manutenção de cuidados, mas com pouca ou nenhuma comunicação verbal. Em um caso específico, foi dada a alta de um caso complexo e sem condições de manutenção domiciliar durante o recesso de fim de ano, em que o médico responsável não estava presente. Tal alta foi solicitada por outro médico, sem comunicar ao profissional de referência.
Essas falhas na comunicação – tanto profissional-profissional quanto profissional-usuário e entre níveis – eram frequentes. A contrarreferência, por exemplo, era uma ferramenta desconhecida por grande parte da equipe e a articulação com as UBS raramente ocorria, muitas das vezes realizada pelos próprios estagiários de Fisioterapia.
Aprendizado e Análise Crítica Mais questionamentos surgiram nessa experiência do que resultados: o processo de coordenação do cuidado é bem definido no Brasil? Existem protocolos para garantir a longitudinalidade? Se existem, são eficazes? A integralidade é bem desenvolvida na prática? Há ferramentas que podem melhorar esse processo? Como difundir tais ferramentas?
As fragilidades da integração na prática são relatadas em alguns estudos. Em um município baiano, por exemplo, percebeu-se uma baixa participação dos níveis secundário e terciário na rede (Aleluia et al., 2017). Já no interior de São Paulo, se observou uma falta de fluxos organizados entre os níveis e de prontuários informatizados e integrados (Bousquat et al., 2017). Inclusive, há discussões publicadas que citam a baixa adesão à proposta de referência e contrarreferência (Almeida et al., 2018), também observada no caso.
Essa descoordenação pode gerar consequências adversas à saúde do usuário, como piores desfechos de saúde, maiores taxas de reinternação e idas evitáveis às unidades de emergência e pronto socorro (Bettiol; Wajner; Pivatto Júnior, 2020).
A Saúde Digital vem crescendo e é uma ferramenta em potencial para auxiliar na coordenação e integração dos cuidados (Franco, 2024), mas novos estudos são necessários para que suas fortalezas e fraquezas sejam melhor exploradas.
Referências ALELUIA, IRS et al. Coordenação do cuidado na atenção primária à saúde: estudo avaliativo em município sede de macrorregião do nordeste brasileiro. Cien Saude Colet, 22, 2017
ALMEIDA, PF et al. Coordenação do cuidado e Atenção Primária à Saúde no Sistema Único de Saúde. Saúde debate, 42, 2018
BETTIOL, AB; WAJNER, A; PIVATTO JÚNIOR, F. Hospital Readmission and Mortality in a Brazilian Tertiary Public Hospital. Qual. manage. health care., 29(2), 2020
BOUSQUAT, A et al. Atenção primária à saúde e coordenação do cuidado nas regiões de saúde: perspectiva de gestores e usuários. Cien Saude Colet, 22(4), 1141–1154, 2017
FRANCO, TB. Uma ideia para novos modelos de cuidado, 2024. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasaude/uma-ideia-para-novos-modelos-de-cuidado/
GOODWIN, N. Understanding integrated care: a complex process, a fundamental principle. IJIC, 13(e011), 2013
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