54185 - QUAIS SÃO AS POTÊNCIAS DE UM CORPO QUE CUIDA?: TRILHANDO SENSAÇÕES EM UM CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ATRAVÉS DA INTERVENÇÃO CORPORAL MARIA MARIANA DE ANDRADE SILVA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, MARIANA TAVARES CAVALCANTI LIBERATO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, MARTA CLARICE NASCIMENTO OLIVEIRA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, LEONARDO FERREIRA DE MELO FARAH MONTENEGRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, ALANA MARIA LOBO DE QUEIROZ PINHEIRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, MAYARA DE OLIVEIRA FERREIRA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, JOÃO PEDRO MORAIS SALES - UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
Contextualização O presente trabalho propõe discutir as potencialidades do corpo dentro de um serviço da atenção psicossocial, a fim de tensionar as dimensões de cuidado possíveis para trabalhadores da saúde mental. Assim, colocar em análise o corpo vivo, Leib, aquele não mais maquinizado (ALVIM, 2016), durante uma parte do turno de trabalho de um dispositivo de saúde mental é uma posição subversiva em prol da função real do corpo: a de sediar o encontro do sujeito com o mundo. Ao tornar essa experiência um respiro diante da rotina dentro do dispositivo, é possível analisá-la como oportuna para mobilizar um corpo a se mover de modo a voltá-lo para o mundo e significar esse, a partir de suas subjetividades (MERLEAU-PONTY, 2011). Esse movimento afrouxa o nó que prende o sujeito ao trabalho a ponto de o resumir a suas atividades exercidas ali, uma vez que surge, a partir da experimentação interventiva, do toque e das significações que transbordam o espaço construído, abrindo ao profissional, outras possibilidades de estar no ambiente de trabalho.
Com interesse nessa ótica do cuidado, o Programa Pasárgada: Promoção de Arte, Saúde e Garantia de Direitos, vinculado ao Curso de Psicologia e ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), construiu a trilha das sensações junto à equipe de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Geral da cidade de Fortaleza.
Descrição da Experiência Realizada durante a semana em alusão à Luta Antimanicomial, a intervenção também conversava com o movimento dos profissionais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em prol de melhorias que ultrapassam a experiência dos usuários nos serviços. Assim, dispomos de estações divididas a partir dos cinco sentidos do corpo, que estão relacionados com a percepção do meio interno e externo de modo a construir um caminho. Para isso, os profissionais foram convidados a entrar na sala com os olhos vendados, sendo guiados pelos extensionistas no percurso. O espaço contou com folhas ressecadas para o tato, músicas com efeitos sonoros que buscavam atingir o relaxamento, óleo essencial que estimulou o olfato, bem como uma mesa extensa com diversos objetos de diferentes texturas a fim de surpreender o tato. Nessa mesa, tínhamos de um lado, uma bacia com bolas de gel para imergir as mãos, lixas, algodão, redes com furos, sacolas plásticas, galhos de árvores a serem passados no corpo e massageador de cabeça. Do outro lado, dispomos sal, açúcar e canela em pó para aguçar o paladar. Por fim, utilizamos panos com tecidos leves para transpassar ao redor do corpo do participante a fim de atingir a superfície da pele e propiciar diferentes sensações.
Objetivo e período de Realização A trilha das sensações, ocorrida na Semana da Luta Antimanicomial, em maio de 2024, teve como objetivo expandir as linhas de cuidado tramadas com uma equipe de trabalhadores de um CAPS, apostando na experimentação de outras dimensões sensíveis do corpo de uma equipe, num espaço de cuidado em saúde mental. Além disso, teve como fim, a promoção do encontro entre universidade e rede pública, construindo novos vínculos de extensionistas recém ingressos no programa, neste equipamento.
Resultados A partir dessa intervenção, foi possível tramar com os trabalhadores do CAPS, através de toques e sensibilidades, as potências de um corpo que cuida, mostrando, assim, a disponibilidade desse corpo sobrecarregado — condição relatada por eles em um momento posterior — de experimentar novos espaços. Além disso, intervir nesse dispositivo escutando de forma sensível aqueles encarregados pela manutenção das atividades, é um contraponto que se faz necessário, sendo possível afirmar isso, a partir de alguns relatos, em que participantes da trilha pontuaram como o momento significou uma pausa significativa no fluxo apressado de demandas. Tais falas ressoam de modo a nos mover, extensionistas, em prol de uma saúde mental que também se preocupa com a classe dos trabalhadores, que a constrói e que não deixa escapar as potencialidades desses corpos que se mostram engajados em sustentar o cuidado em liberdade nos serviços de saúde mental.
Aprendizado e Análise Crítica Intervir através de uma trilha sensorial permitiu arranjar o espaço de modo a construir um caminho, reinventando objetos para descobrir outros possíveis com o toque, unir corpos que desejam cuidado e experimentar sensações que, por vezes, se perdem na constância do aperreio diário. Enquanto uma pausa durante o expediente semanal pelo cuidado de si, o momento da intervenção tornou-se um desafio por deslocar o profissional do serviço de saúde — esse que atualmente encontra-se superlotado — pois um turno a menos desse trabalhador significará horas que excedem seu contrato e produzem corpos tristes agrados ao sistema de poder (HUR, 2016).
Nos interessa pautar como as movimentações possibilitaram construir uma lente mais efetiva no que diz do cansaço desses trabalhadores, onde encontrar potências para uma articulação coletiva do trabalho tornou-se possível. A intervenção não se fez como uma aposta pontual, única, mas sim como um ato para resistir dentro da política desses espaços, unindo tanto os profissionais quanto a gestão por formas de trabalhos mais dignas.
Desafiados por essa lógica, ao corpo-máquina, cabe resistência, por meio de afetos construídos no encontro dos diferentes, permitindo a possibilidade de agregar ao escopo trabalhístico a gestão do cuidado voltado, também, àqueles que cuidam de usuários, bem como aliar-se à instituições fortalecedoras da saúde do trabalhador.
Referências MERLEAU-PONTY, Maurice. Le monde sensible et le monde de l'expression: Cours au Collège de France : notes, 1953. Genève: MētisPresses, 2011. 223 p. ISBN 9782940406388.
HUR, Domenico Uhng. Poder e potência em Deleuze: forças e resistência. Mnemosine, [S. l.], v. 12, n. 1, 2016.
BOTELHO ALVIM, M. O lugar do corpo em Gestalt-Terapia: dialogando com Merleau-Ponty
The body´s place in Gestalt-Therapy: a dialogue with Merleau-Ponty. IGT na Rede ISSN 1807-2526, [S. l.], v. 8, n. 15, 2011..
VERISSIMO, Danilo Saretta. Considerações sobre corporeidade e percepção no último Merleau-Ponty. Estudos de Psicologia (Natal), v. 18, n. 4, p. 599-607, dez. 2013.
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