54050 - VIVÊNCIAS DE ESTÁGIO EM HOSPITAL DE SAÚDE MENTAL DE FORTALEZA: EXPERIÊNCIA DOS ACADÊMICOS DA LIGA DE PSIQUIATRIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ MARIA EDUARDA PARENTE TORQUATO - UECE, SARAH LETÍCIA RODRIGUES FREITAS - UECE, CIDIANNA EMANUELLY MELO DO NASCIMENTO - UECE, CARLA BARBOSA BRANDÃO - UECE
Contextualização Os acadêmicos da Liga de Saúde Mental da UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE) têm a oportunidade de acompanhar o serviço de emergência do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSMPFP) como parte de um estágio, totalizando 360 a 400 horas, realizado durante um ano, com visitas de 15 em 15 dias.
Inseridos em um contexto onde a saúde mental é uma questão de crescente preocupação pública, os estágios no Hospital permitem que os estudantes tenham contato direto com o atendimento psiquiátrico emergencial e adquiram o conhecimento necessário para a identificação de pacientes que necessitam de internação, podendo esta ser involuntária, em casos de perigo ao próprio paciente ou à sociedade, ou voluntária, especialmente para desintoxicação. Nesse estágio, os alunos têm a oportunidade tanto de acompanhar as consultas de emergência quanto as intercorrências nas enfermarias de internação, observando o acolhimento e as condutas médicas.
Além disso, os estagiários vivenciam questões administrativas e aprendem sobre burocracias do hospital e sobre o funcionamento da rede de saúde mental de Fortaleza como um todo. Assim, a integração dos acadêmicos neste cenário hospitalar oferece uma oportunidade única de aprendizado prático e observação direta das realidades clínicas e gerenciais, fortalecendo a articulação entre teoria e prática no campo da saúde coletiva.
Descrição da Experiência Foi possível extrair muitos aprendizados dos acompanhamentos na emergência psiquiátrica. Alguns deles geraram fortes reflexões sobre o funcionamento do serviço psiquiátrico público, os quais serão abordados a seguir.
Entre as questões mais marcantes dos atendimentos, destaca-se o pedido de internação na unidade de desintoxicação. Muitos pacientes atendidos queriam se internar para cessar o alcoolismo, porém não haviam parado de beber 3 dias antes, pré-requisito para a internação no HSMPFP, pois, nesse período, a abstinência pode levar a graves sintomas físicos, que demandam manejo em hospital geral. Isso gerava um impasse, visto que se o paciente voltasse para casa teria grandes chances de retornar ao vício e, caso permanecesse no hospital, correria o risco de ter síndrome de abstinência grave sem assistência médica adequada, prejudicando o paciente e podendo ocasionar acusações jurídicas ao hospital.
Outra situação observada frequentemente foi a tentativa de suicídio. Nesses casos, muitos pacientes afirmaram que não faziam acompanhamento mental porque foram recusados pelo CAPS, o qual não considerou o indivíduo em estado grave o suficiente para entrar na lista de espera. Ademais, há pacientes que já são atendidos no CAPS, mas não recebem o auxílio de um psiquiatra para renovar as medicações, apenas mantendo-as por longo período sem reanálise clínica.
Objetivo e período de Realização O objetivo do estágio é aprofundar o aprendizado de assuntos da psiquiatria, a partir da imersão prática dos estudantes na emergência do HSMPFP, observando, além das condutas biomédicas, o funcionamento do serviço. Essa experiência ocorreu durante o período de abril de 2024 a março de 2025 para uma das estudantes e de abril a junho de 2025 para outra estudante, que ainda está estagiando.
Resultados A falta de infraestrutura adequada para o tratamento de transtornos psiquiátricos graves é evidente, tanto pela escassez de hospitais especializados quanto pela falta de leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Embora projetos para integrar esses tipos de cuidados tenham sido concebidos, eles não foram materializados.
A ineficiência da rede de atenção psicossocial, com escassez de serviços psicológicos e psiquiátricos ambulatoriais, precipita o agravamento dos casos psiquiátricos e leva à concentração deles no HSMPFP. Como resultado, o hospital fica sobrecarregado, causando atrasos consideráveis no atendimento e gerando déficits financeiros com as internações.
Adicionalmente, a rede de atenção à saúde mental revela-se frequentemente ineficaz. Pacientes acompanhados pelo CAPS muitas vezes não recebem tratamento efetivo, principalmente devido à falta de profissionais qualificados para lidar com questões psiquiátricas. A Portaria Nº 336, de 19 de fevereiro de 2002, estabelece que nem todas as modalidades do CAPS são obrigadas a ter um psiquiatra em sua equipe, o que compromete a qualidade do atendimento prestado.
Aprendizado e Análise Crítica A insuficiência de alas psiquiátricas em hospitais gerais contradiz o princípio da reintegração social dos pacientes, um pilar da luta antimanicomial. Entretanto, a ausência de políticas afirmativas para integrar os domínios clínico e psiquiátrico, juntamente com a persistência de preconceitos em algumas instituições, dificulta tanto o acesso quanto o tratamento adequado das condições psiquiátricas. A ineficácia dos CAPS tem impacto direto na saúde mental dos pacientes, frequentemente resultando em renovações de prescrições sem os necessários ajustes na terapia medicamentosa. Esse ciclo pode desencadear crises, impulsionando os pacientes a procurar atendimento de emergência nos hospitais, agravando assim a situação de superlotação.
Conforme estabelecido na Lei nº10216, os indivíduos afetados por transtornos mentais têm o direito garantido ao acesso ao tratamento de saúde mais adequado. No entanto, na prática, observa-se que essa legislação nem sempre é devidamente cumprida.
Portanto, a inexistência de hospitais gerais com estrutura psiquiátrica, resultando na concentração do cuidado, somada à insuficiência dos CAPS em oferecer tratamento adequado à comunidade, contribui para a sobrecarga dos serviços de emergência. Isso dificulta a prestação de assistência apropriada aos pacientes, o que amplia o desafio da superlotação enfrentado pelo Hospital de Saúde Mental Frota Pinto.
Referências Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 fev. 2002. Seção 1, p. 47. Disponível em: . Acesso em: 10/06/2024.
Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 abr. 2001. Disponível em: . Acesso em: 10/06/2024.
Lucchesi, M., & Malik, A. M.. (2009). Viabilidade de unidades psiquiátricas em hospitais gerais no Brasil. Revista De Saúde Pública, 43(1), 161–168. https://doi.org/10.1590/S0034-89102009000100021
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