50876 - RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE SALAS DE ESPERA EM UM CAPS DE FORTALEZA: DEBATE SOBRE LUTA ANTIMANICOMIAL E O CUIDADO EM LIBERDADE TALISON AMARAL DA COSTA - UFC, VINICIUS NOGUEIRA LOPES - UFC, LEVI DE FREITAS COSTA ARAUJO - UFC, SUZETTE DE OLIVEIRA SIQUEIRA TELLES ALVES - CAPS, MARIANA TAVARES CAVALCANTI LIBERATO - UFC
Contextualização O louco, historicamente, foi colocado à margem da sociedade, por não se vincular à ideia de um padrão normativo de ser, agir e pensar, como aquele a quem não compete o uso da razão. Dentro dos hospitais, o saber médico apoiava-se nessa ideia para propor a institucionalização como o modelo de terapêutica mais adequada e eficaz para esses indivíduos, em nome de um suposto restabelecimento da ordem moral (Amarante, 2007). A concepção de cuidado, assim, partia da ideia do isolamento, dentro do paradigma asilar, o oposto do que se pensou a partir da criação do SUS (Sistema Único de Saúde), da Reforma Psiquiátrica e da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), que pontuam um cuidado em liberdade. Nesse sentido, começam a se formar as bases de uma lógica antimanicomial, a partir de uma ideia humanizada, integrada e territorializada de pensar o sujeito em sofrimento psíquico, extrapolando os limites do paradigma asilar e biomédico e propondo outras possibilidades de cuidado. Este trabalho compreende-se como um relato de experiência das atividades realizadas em salas de espera com usuários e acompanhantes de um Centro de Atenção Psicossocial Geral, da cidade de Fortaleza, em alusão ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial, 18 de Maio, junto ao Programa de Extensão de Promoção de Arte, Saúde e Garantia de Direitos Humanos- PASÁRGADA, vinculado a Universidade Federal do Ceará (UFC).
Descrição da Experiência As salas de espera, espaços estratégicos para prevenção e promoção de saúde (Frota et al, 2021), foram realizadas em um dos CAPS da cidade de Fortaleza e articuladas entre uma psicóloga do serviço, estagiários de psicologia e o Programa de Extensão PASÁRGADA, ligado à UFC. Tiveram como foco a discussão sobre o cuidado em liberdade, sua construção histórica, como se constitui e de que modos pode ser pensado no contexto atual. Ademais, a arte foi utilizada como ferramenta de facilitação para os momentos, por meio de músicas e criação de materialidades. As salas foram feitas em 2 dias, com apresentação da equipe, incluindo o artista e a coordenadora do serviço, e divididas em 3 partes. A primeira abordou a concepção de cuidado antes do SUS, com perguntas disparadoras, a exemplo de “como vocês imaginam o cuidado antes do Sistema Único de Saúde?”, a fim de contextualizar historicamente o acesso à saúde. A segunda parte propôs pensar o cuidado a partir da criação do SUS, com foco no surgimento dos CAPS como serviços substitutivos dos manicômios, a partir da Lei da Reforma Psiquiátrica (Bongiovanni; da Silva, 2019). A terceira parte destinou-se à produção de materialidades, a partir das discussões, além de direcionar a seguinte questão para os usuários: “Como seria o seu cuidado em liberdade?”, enfatizando a dimensão singular e coletiva desse processo que se constrói conjuntamente.
Objetivo e período de Realização Promover discussões sobre a luta antimanicomial, pontuando a autonomia e participação social na luta e na promoção desse cuidado humanizado e integral. Ao todo, foram realizadas 2 salas de espera durante o mês de Maio de 2024, no turno da tarde, com as pessoas que estavam esperando atendimento. Cada uma durou, em média, 1 hora e 30 minutos. As produções feitas foram levadas para um evento público, no dia 14, organizado pelo próprio CAPS em alusão a Semana da Luta Antimanicomial.
Resultados Participaram, nos 2 dias, em torno de 20 usuários. A atividade iniciou com músicas disparadoras sobre o tema loucura, a fim de criar primeiras reflexões, funcionando também como uma ferramenta de vinculação inicial entre os presentes nas salas. Entretanto, surgiu o questionamento de um usuário quanto às músicas escolhidas para o acolhimento, justamente por tocarem nesse tema, o que revela uma sensibilidade sobre a temática, apontando os estigmas, exclusões e preconceitos que perpassam a vida dos usuários. Por isso, no segundo dia, canções com temas diferentes foram também incluídas. Durante as reflexões geradas sobre o SUS, a RAPS e o cuidado em liberdade, os participantes puderam compartilhar suas experiências como usuários do serviço, bem como os conhecimentos que possuem sobre a historicidade do cuidado em saúde mental. Sobre as materialidades artísticas, puderam ser encontradas palavras de ordem e frases de gratidão ao serviço. Em suma, pode-se perceber a ressonância dos debates nos diferentes modos de expressões orais e artísticas dos usuários quando estes foram convidados a pensar no próprio processo saúde-doença, buscando refletir sobre esse cuidado.
Aprendizado e Análise Crítica Apesar dos avanços na construção de um cuidado em liberdade, a ideia manicomial ainda não está totalmente superada na sociedade brasileira; pelo contrário, tem passado por sucessivos desmontes políticos, em modos velados de cuidado dentro das próprias instituições psicossociais e em incentivos aos hospitais psiquiátricos, o que implica no próprio cuidado do usuário e na falta de apoio à família na participação e corresponsabilização desse cuidado em atenção comunitária e territorial. Embora as discussões sobre a loucura estejam presentes nos meios acadêmicos, não atingem a sociedade como um todo. O incômodo com as músicas que falam de Loucura denota um estigma, discriminação e processo de exclusão social e sofrimento vivido pelos usuários, demonstrando que o manicômio opera não apenas em sua estrutura física, mas dentro de uma lógica autoritária e estigmatizante de pensar certos corpos (Sampaio; Bispo, 2021). Nesse sentido, a sala de espera tem o potencial de acolher e criar espaços de resistência e ressignificação de algumas temáticas, como a “loucura”, tão incômoda no primeiro momento. Dessa forma, considera-se importante promover ambientes de troca com os sujeitos que utilizam do atendimento desses serviços, possibilitando construir autonomia sobre o seu processo de cuidado, enfatizando seus direitos e deveres como cidadãos e usuários da rede.
Referências AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007
BONGIOVANNI, Julia; DA SILVA, R. A. N. Desafios da desinstitucionalização no contexto dos serviços substitutivos de saúde mental. Psicologia & Sociedade, n. 31, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/YFnTTYRn8FbH9s5JWmYfx9B/?lang=pt#.
FROTA, M. D. S; MOURA, L. A; ARAÚJO, R. R; OLIVEIRA, J. M; LIMA, B. T. P. . Sala de espera: uma estratégia de cuidado e promoção de saúde mental. Revista Multidisciplinar em Saúde, [S. l.], v. 2, n. 4, p. 24, 2021. Disponível em: https://editoraime.com.br/revistas/index.php/rems/article/view/2777.
SAMPAIO, M. L.; BISPO, J. P. Entre o enclausuramento e a desinstitucionalização: a trajetória da saúde mental no Brasil. Trabalho, Trabalho, Educação e Saúde, v. 19, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/9ZyYcsQnkDzhZdTdHRtQttP/?lang=pt.
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