Roda de Conversa

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC4.3 - Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) (3)

48740 - OS VALORES DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E OS CUIDADOS EM SAÚDE MENTAL PELA PERSPECTIVA DO USUÁRIO
MILLENE ZANONI DIAS - UNESP, CAIO MONTEIRO SILVA - UFC


Apresentação/Introdução
O campo da Reforma Psiquiátrica (RP) sempre foi político, foi reconhecido ao decorrer dos anos como regulamentação, mas enfraquecido como movimento social. O Brasil tem vivenciado diversas transformações nas formas de cuidado com usuários em sofrimento psíquico intenso, de maneira que é preciso redirecionar e reinventar estratégias que considerem as relações da vida no território. Atualmente existem leis brasileiras que proíbem a abertura de novos manicômios e que defendem o cuidado em liberdade, com o intuito de promover essa nova perspectiva, foram criados serviços substitutivos. Entretanto, o cotidiano de quem é diretamente afetado por esses programas pode ter muitos resquícios de um modelo que, por diversas dimensões, mantém características manicomiais. A desconstrução do manicômio não se dá somente nas estruturas físicas, mas principalmente nas vivências subjetivas. Em uma sociedade que adoece o sujeito, é primordial que os serviços substitutivos estejam atentos a esses movimentos e que haja possibilidades de produção da saúde envolvendo direitos humanos, educação, justiça, trabalho, habitação, cultura e outras dimensões. É preciso continuar lutando para que a dívida que a sociedade tem de reparação para com as pessoas portadoras de transtornos mentais não se mantenha sempre aberta, apesar de compreender que, para milhões de brasileiros, essa reparação não é mais possível.

Objetivos
A presente pesquisa teve o objetivo de compreender a experiência vivida de cuidado em saúde mental e analisar a implementação dos valores e princípios da RP Brasileira a partir da perspectiva do usuário de serviços de atenção psicossocial substitutivos ao modelo manicomial.

Metodologia
Para compreender os desdobramentos de tamanhas mudanças na trajetória da RP atualmente, este estudo do tipo exploratório com enfoque qualitativo teve como procedimentos técnicos entrevistas semiestruturadas para a coleta de dados e análise do discurso de quatro usuários de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em um município no interior do estado do Paraná, que possuem histórico de internações psiquiátricas no modelo manicomial e, hoje, vivenciam o cuidado no serviço substitutivo.

Resultados e Discussão
As características do modelo manicomial mais mencionadas nas entrevistas além das violências físicas foram as violências psicológicas, como a massificação de tratamento e o apagamento da singularidade dos internos. Os relatos dos usuários mostram os traços invasivos de um sistema que, tanto nos manicômios quanto nas escolas e no contexto familiar, exclui as possibilidades de escutar e validar a palavra do sujeito. O preconceito foi um dado prevalente nas falas, ser usuário de saúde mental significa carregar consigo um estigma que, apesar de todos os movimentos pró RP, ainda é extremamente presente na sociedade. Nesse ponto, é importante entender que essa visão não persiste somente por ser algo advindo da história da loucura, mas por ser algo que ainda é colocado na atualidade, muitas vezes nas próprias práticas de cuidado. A construção de maiores graus de autonomia se mostrou reprimida com a frequente redução do sujeito à doença, os diagnósticos têm muita relevância na definição das pessoas. A angústia de ter um rótulo que chega antes do próprio nome muitas vezes retira a possibilidade de os indivíduos tomarem ações por si próprios, levando essas ações a serem interpretadas como sintomas de seu adoecimento. Ter um espaço exclusivo para o cuidado em saúde mental pode ser muito benéfico, mas a rede intersetorial deve ser olhada como algo amplo e articulado, para que não se caia no retrocesso de imputar somente aos sujeitos os sintomas, desvalidando a interface dos contextos sócio-históricos e retirando da sociedade a responsabilidade de incluir e lidar com a pluralidade de experiências humanas.

Conclusões/Considerações finais
Criar possibilidades de cuidado e ofertar aos usuários da Rede de Atenção Psicossocial a participação ativa na sociedade é fundamental para que os valores e princípios sejam implementados de modo suficiente e para que os diferentes manicômios sejam desconstruídos. Dispositivos como fóruns de discussão, assembleias e qualificação de assistência nas políticas de saúde mental garantem ao usuário o protagonismo de seu próprio processo. Apesar da luta incessável por direitos humanos e respeito à vida, as conquistas atuais não alcançam o fim da resistência de um sistema prevalecente há décadas. Mesmo em constante construção e luta por um espaço social da loucura que respeite os direitos humanos e vença o preconceito e a exclusão, é importante que o passado seja reconhecido e relembrado, pois a RP não parou e seu processo não depende de um só nível de transformações, mas sim de uma modificação no olhar social, político e humano para com os indivíduos portadores de transtornos mentais.

Referências
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