52963 - NARRATIVAS DE ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS EM SAÚDE MENTAL MICHELLE CHANCHETTI SILVA - UNICAMP, ROSANA T. ONOCKO CAMPOS - UNICAMP
Apresentação/Introdução No processo de redemocratização do Brasil iniciado na década de 70, movimentos como a Reforma Sanitária (RS) e a Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) foram cruciais para o avanço dos direitos na saúde e saúde mental (Yasui, S, 2010). Marcos legais como a criação do SUS, Lei 10.216 e portaria GM3088 impulsionaram um novo paradigma de cuidados. A participação dos sujeitos na construção do cuidado passou a ser valorizada, promovendo cuidado em liberdade e base comunitária. A RPB é um movimento social complexo com desafios na sustentação da RAPS, como a dificuldade no trabalho em rede e manutenção do protagonismo dos sujeitos.
No contexto mundial, existe uma lacuna entre as demandas de cuidado e a oferta de tratamento em saúde mental (Kohn, Ali, 2008), além de discrepâncias de acesso e problemas de equidade (Boryson, 2014; Rodrigues, 2008) e integração da rede de atenção (Araújo, Tanaka, 2012). Ações integradas entre os serviços devem ser a base das linhas de cuidado e projetos terapêuticos (Bandeira, Onocko-Campos, 2021), superando a fragmentação dos cuidados. Estudos sobre itinerários terapêuticos contribuem para decisões e ações apropriadas, para garantia de acesso oportuno, cuidado integral, fortalecimento do vínculo com a equipe e adesão ao tratamento (Cabral et al., 2011).
Objetivos Este estudo tem objetivo compreender a percepção dos usuários sobre como os serviços e equipes têm se organizado para acolher e acompanhar aqueles que necessitam de cuidados em saúde mental e explorar as experiências de adoecimento e procura por cuidado na perspectiva dos usuários, identificando fragilidades e potências da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
Metodologia Este trabalho, é um recorte de uma pesquisa realizada num município de médio porte paulista para implementação e avaliação de impacto da implementação de dispositivos de integração de rede na qualificação do cuidado em saúde mental.
Trata-se de um estudo qualitativo, apoiados nos referenciais da abordagem hermenêutica (Ricouer, 1990), utilizando entrevistas abertas em profundidade com 15 usuários (5 mulheres e 10 homens), que passaram por acompanhamento no CAPSII, CAPSad ou Ambulatório especializado de Saúde Mental e participaram de uma etapa anterior do estudo. As entrevistas foram gravadas, transcritas, transformadas em narrativas, validadas por pares e analisada a partir da construção de núcleos argumentais (Onocko-Campos, Furtado, 2008). Além das entrevistas, cada usuário realizou a seu modo a construção de seu itinerário terapêutico e rede de suporte seguindo o referencial do ecomapa (Pereira, Onocko-Campos, 2019). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, parecer nº 3.793.771.
Resultados e Discussão As narrativas revelam fragilidades na RAPS, como a busca espontânea por cuidado devido à falta de orientação profissional, pouca flexibilidade no atendimento não agendado, abordagem médico-centrado e ausência de articulação com a Atenção Primária. O estigma associado ao sofrimento psíquico e ao uso de substâncias também foi identificado como um fator dificultador no acesso. As principais redes de suporte identificadas foram a família nuclear, CAPS AD e CAPS II. A experiência dos usuários destaca a importância de uma abordagem integrada e participativa na construção dos Itinerários Terapêuticos (IT), contribuindo para decisões e ações que garantam acesso oportuno, fortalecimento do vínculo com a equipe de saúde e adesão ao tratamento. Observou-se que os usuários enfrentam longos períodos de sofrimento até perceberem a necessidade de ajuda, muitas vezes iniciando a busca por cuidado em contextos não relacionados à saúde mental. A alta rotatividade de profissionais e a rigidez no processo de trabalho foram apontadas como barreiras para a continuidade do cuidado e construção de vínculo.
Conclusões/Considerações finais O estudo aponta a importância de estratégias que promovam a flexibilidade no atendimento, a integração dos diferentes pontos da RAPS e a formação contínua dos profissionais para reduzir o estigma e melhorar a resposta a intensificação do sofrimento. O protagonismo dos usuários na construção de seus itinerários terapêuticos pode contribuir para propostas de cuidado mais efetivas e alinhadas às suas necessidades. A narrativas dos usuários permitiram uma compreensão mais aprofundada tanto das potencias quanto das necessidades e desafios enfrentados, no seu IT, podendo contribuindo para um melhor diagnostico da rede estudada e para o desenvolvimento de políticas e práticas que promovam maior integralidade e efetividade no cuidado em saúde mental.
Referências Yasui S. Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2010.
Kohn R, Ali AA et al. Mental health in the Americas: an overview of the treatment gap. Rev Panam Salud Pública. 2018;42:e165.
Borysow IDC, Furtado JP. Access, equity and social cohesion: evaluation of intersectoral strategies for people experiencing homelessness. Rev Esc Enferm USP. 2014;48:1069-76. https://doi.org/10.1590/s0080-623420140000700015.
Araujo AK, Tanaka OY. Avaliação do processo de acolhimento em Saúde Mental na região centro-oeste do município de São Paulo: a relação entre CAPS e UBS em análise. Interface 2012;16:917-28.
Bandeira N, Onocko-Campos R. Itinerários terapêuticos de usuários que abandonaram o cuidado em Centros de Atenção Psicossocial (Caps-III). Saúde Debate. 2021;45:91-104.
Fonte(s) de financiamento: CNPQ
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