52871 - ESSENCIALIZAÇÃO DO CUIDADO ENQUANTO TRABALHO FEMININO: HISTÓRICO E DESAFIOS ÀS POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NATÁLIA MATOS DE SOUZA - UFC, MARIANA TAVARES CAVALCANTI LIBERATO - UFC
Apresentação/Introdução A política brasileira de saúde mental possui como marcos de orientação a Lei 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica), que diz dos direitos das pessoas em sofrimento psíquico e do modelo assistencial, e a Portaria 3.088/2011, que institui a Rede de Atenção Psicossocial como referência em cuidado em saúde mental no âmbito do Sistema Único de Saúde. Nesses documentos, a complexidade do modelo psicossocial vai além das estruturas dos serviços, é preciso incluir o território, as relações que os usuários estabelecem com profissionais, familiares e suas comunidades (AMARANTE, 2013). No entanto, desde a Reforma Psiquiátrica observamos um cenário de disputa, com o desmonte e desarticulação sistematizada dos processos de cuidado .
Sob esse prisma, o campo dos serviços de saúde mental tem apresentado expressiva presença feminina no que tange a trabalhadoras da saúde e familiares-cuidadoras, bem como tem demonstrado impactos negativos advindos dessas ocupações. Tal panorama, traz desafios ao planejamento e gestão do Sistema Único de Saúde, em especial para a Política de Saúde Mental. E diante dessa perspectiva, considerando essencial a articulação efetiva e ética com aspectos sociais, raciais e de gênero, pesquisamos como as mulheres se inseriram em trabalhos de cuidado ao longo da história das instituições que acolheram sujeitos em sofrimento psíquico.
Objetivos Deste modo, elegemos como objetivo geral: analisar, em uma ótica interseccional, o trabalho desempenhado por mulheres no campo das instituições de saúde mental no Brasil. E como objetivos específicos: a) compreender a relação existente entre cuidado e gênero; b) investigar os processos de trabalho de mulheres em atividades de cuidado anterior à Reforma Psiquiátrica no Brasil; c) analisar as mudanças e dinâmicas do trabalho feminino de cuidado pós Reforma Psiquiátrica no Brasil.
Metodologia Metodologicamente, a presente investigação fez parte de um trabalho de conclusão de curso para obtenção de bacharelado em Psicologia, e se apresenta como uma pesquisa teórica que mergulha nas produções das Teorias Feministas e Interseccionais, bem como nas produções acerca do Paradigma Psicossocial e Reforma Psiquiátrica. Nos aliançamos a teóricas como Judith Butler e Carla Akotirene, teóricas feministas de relevância internacional no tange a estudos feministas, como também, a Emerson Merhy, Paulo Amarante e Abílio da Costa-Rosa, importantes pensadores brasileiros sobre saúde e atenção psicossocial. Tais articulações nos possibilitam pensar o campo da saúde e criar visibilidades das tensões de gênero existentes nos processos de trabalho em curso, suscitando a criação de políticas que promovam equidade e justiça social.
Resultados e Discussão Ao longo da história mulheres ocuparam trabalhos de cuidados com a família, filhos e afazeres domésticos, e mesmo na economia capitalista, com a inserção das mulheres no mercado de trabalho, estas ocupam uma maioria de cargos ligados à educação, à saúde, à assistência e serviços domésticos. Cuidado, em uma perspectiva ampla, pode ser entendido como a relação entre pessoas para superação da dificuldade ou sofrimento, e o ele tem sido sistematicamente relegado às mulheres-cis e acolhido no interior de teorias essencialistas de gênero. Porém, propõe-se junto ao pensamento de Butler (2018), que o que se acredita característico de “ser mulher”, como tem sido cuidar, é gestado em um sistema complexo composto por forças reguladoras.
Os Hospitais Filantrópicos e os Hospitais Psiquiátricos acolheram sujeitos ditos loucos, embora com suas distinções de saberes, em ambos foram identificados o uso de trabalho de mulheres negras escravizadas, em afazeres como lavagem de roupa, serviços de limpeza, atividades de higiene, enfermagem e cuidados às pessoas internadas, bem como uma presença insípida de mulheres brancas. Com a Reforma Psiquiátrica e seu contexto, ampliou-se o cuidado e o trabalho de cuidado por mulheres, agora familiares, trabalhadoras, gestoras e militantes. No que tange a postos de trabalho formal ocupados por mulheres brancas, as trabalhadoras identificam péssimas condições de trabalho e níveis de sofrimento significativo atrelados a ele. Já as familiares, em maioria negras, apresentam baixos índices de renda e emprego, sobrecarga objetiva e subjetiva. Constata-se que mesmo com os avanços possibilitados pela Reforma Psiquiátrica, a gestão do trabalho em saúde e da relação estabelecida com as familiares dos usuários ainda apresentam fragilidades.
Conclusões/Considerações finais A formulação das Políticas de Saúde Mental e a gestão dos serviços precisam repensar as implicações raciais e de gênero em suas concepções e práticas. Desconsiderar a estrutura de exploração de mulheres, em especial mulheres negras, suas implicações sociais e subjetivas é produzir uma assistência que nem mesmo é compromissada com o cuidado. Portanto, apontamos que para a efetivação de um Paradigma Psicossocial comprometido com a produção ética de cuidado em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, e implicado com o enfrentamento das desigualdades sociais, é necessário considerar a rede reguladora marcada pela intersecção entre cisheteropatriarcado, racismo, colonialismo e capitalismo em que a problemática tem sido produzida (AKOTIRENE, 2019). Discutir e visibilizar a problemática da sobrecarga e precarização do trabalho feminino de cuidado no campo da saúde mental, assim como na saúde pública de maneira geral, é necessário para efetivar equidade e a justiça social.
Referências AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 2019.
AMARANTE, Paulo. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013.
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e subversão da identidade. 16. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
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