04/11/2024 - 13:30 - 15:00 RC4.2 - Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) (2) |
51356 - HÁ LUGAR PARA A NOSOLOGIA PSIQUIÁTRICA NA ORGANIZAÇÃO DO CUIDADO PSICOSSOCIAL? INQUIETAÇÕES DE UMA PSIQUIATRA TRABALHADORA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DÉBORA CARVALHO GRION - ENSP/FIOCRUZ
Contextualização O DSM se descreve enquanto fundamental na formação do psiquiatra (APA, 2014). Enquanto médica psiquiatra na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Rio de Janeiro, observo que o Sistema Único de Saúde (SUS) em alguma medida reforça a afirmação da American Psychiatric Association (APA), entre outras razões, pela maneira como organiza o cuidado em saúde mental. No entanto, uma organização pautada em manuais classificatórios é incompatível com os pilares da reforma psiquiátrica brasileira.
Descrição da Experiência No processo de trabalho percebo que o acesso ao cuidado, terapias de diversas ordens e benefícios sociais são desautorizados burocraticamente quando não há um enquadramento nosográfico do usuário. Vejo-me encurralada entre o dever de fornecer e mediar o acesso aos direitos dos usuários em sofrimento psicossocial e a irresponsabilidade de reduzir essa experiência a uma categorização manicomial.
Objetivo e período de Realização Estou médica psiquiatra no dispositivo atual em que atuo desde agosto de 2023 até o momento. O objetivo de me atentar a essa questão é localizar quais as implicações manicomiais impostas pelos sistemas de saúde em sua organização ao adotarem as categorias diagnósticas como parâmetro de acesso à saúde mental.
Resultados A experiência da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) foi inspirada na experiência italiana, na qual a crítica ao manicômio expôs a psiquiatria enquanto uma disciplina cunhada no paradigma biomédico racionalista que se ocupa de um objeto artificial constituído por ela: os chamados doentes mentais (AMARANTE, 2013). A reforma há de ser um processo crítico-prático complexo que almeje um rompimento com o modelo de doença construído pela psiquiatria e seus desdobramentos no cuidado e em sua organização.
As categorias diagnósticas psiquiátricas atuais se pautam em um modelo de doença que tem construído a medicalização crescente de experiências dissidentes (CAPONI, 2014). Há um aumento substancial no número de indivíduos diagnosticados com transtornos mentais no mundo, um efeito que pode também estar sendo causado pela patologização de comportamentos e experiências de vida (WHITAKER, 2017). No entanto, há uma necessidade burocrática imposta pelos sistemas de saúde de uma rotulação diagnóstica para o acesso a diversas terapias e benefícios. Como atuar enquanto profissional da RAPS no que diz respeito a essa contradição?
Aprendizado e Análise Crítica A nosologia é um pilar histórico do poder psiquiátrico e do cuidado manicomial oferecido baseado nessa epistemologia (FOUCAULT, 2006). Não basta reformar o saber psiquiátrico para transformar o cuidado em saúde mental no SUS, é preciso romper com seu método de avaliação e de cuidado para exercer o cuidado psicossocial construído a partir da RPB.
A RPB se propôs a romper epistemologicamente com o enquadramento dos chamados transtornos mentais e a enxergar a história de vida e do território em que os usuários do sistema de saúde se encontram (AMARANTE, 2013). No entanto, esse rompimento, dificilmente produzido, é talvez ainda mais difícil de se sustentar. Marcou-se um começo importante, mas é preciso permanecer tensionando de forma a não ser cooptado pela hegemonia de um cuidado tradicional, medicalizado e institucionalizado. Para tanto, é preciso abandonarmos os manuais classificatórios enquanto organizadores do cuidado em saúde mental.
Referências AMARANTE, P. D. de C. Saúde mental e atenção psicossocial. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-V: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Tradução Maria Inês Corrêa Nascimento, Paulo Henrique Machado, Regina Machado Garcez, Régis Pizzato, Sandra Maria Mallmann da Rosa. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7721387/mod_resource/content/0/Manual%20Diagno%CC%81sico%20e%20Estati%CC%81stico%20de%20Transtornos%20Mentais%20-%20DSM-5.pdf. Acesso em: 17 jan. 2024.
CAPONI, S. O DSM-V como dispositivo de segurança. Physis, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 741-763, set. 2014.
FOUCAULT, M. O Poder Psiquiátrico. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
WHITAKER, R. . Anatomia de uma epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso da doença mental. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2017.
Fonte(s) de financiamento: Nada a declarar.
|