Roda de Conversa

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC4.1 - Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) (1)

49109 - DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA NO CUIDADO À SAÚDE MENTAL: O SABER DA EXPERIÊNCIA E A EXPERIÊNCIA DE NÃO-SABER
FELIPE GUEDES DA SILVA - UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS - UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS


Apresentação/Introdução
São muitas as aproximações entre o campo da Saúde Mental e o da Atenção Primária à Saúde (APS), mas também são variados os desafios na inclusão das questões de saúde mental na prática dos profissionais das Equipes de Saúde da Família (EqSF). O crescimento da prevalência dos casos de saúde mental, juntamente com o número insuficiente de profissionais especializados apontam para uma lacuna nesse campo de cuidados (1). Nos últimos anos, inúmeras iniciativas têm buscado ampliar o objeto de intervenção em saúde para além das questões biológicas (2) e, apesar da importância dos cuidados em saúde mental na APS estar prevista nos documentos e diretrizes oficiais, eles nem sempre acontecem de forma efetiva. Em geral, os profissionais generalistas referem que não se sentem preparados para ofertar um cuidado no campo da saúde mental (3) e apontam uma formação insuficiente como uma das principais causas; atrelado a isso, na literatura, são escassos os relatos com propostas de Educação Permanente voltados para esse público e tema. Em muitos momentos, o imperativo de atendimento tende a desconsiderar as dificuldades e as resistências desses profissionais e também o efeito iatrogênico de práticas realizadas nesses contextos. Apesar das dificuldades, os profissionais seguem realizando os atendimentos a essas demandas, o que pode revelar uma sabedoria prática (4) a respeito de tais casos.


Objetivos
O objetivo geral é investigar os desafios e as estratégias utilizadas pelos profissionais generalistas da APS para lidar com os casos com componentes de saúde mental. Como objetivos específicos: analisar como a formação dos profissionais impacta a assistência em saúde mental prestada; examinar como as características pessoais dos profissionais interferem no atendimento a esses casos; e identificar as dificuldades e potencialidades encontradas pelos profissionais a partir de relatos de casos.



Metodologia
O presente trabalho tem um caráter descritivo e exploratório e parte de uma perspectiva qualitativa. A pesquisa foi desenvolvida em três Centros de Saúde do munícipio de Campinas-SP. Como critério de inclusão, as unidades tinham que ter ao menos uma EqSF completa e ter profissionais de Saúde Mental na função de apoio há pelo menos um ano. Os dados foram obtidos a partir de entrevistas semi-estruturadas com 15 profissionais das EqSF, a saber: coordenadores, médicos, enfermeiras e técnicos de enfermagem. As entrevistas foram realizadas entre os meses de abril e agosto de 2023; todas elas foram realizadas nos locais de trabalho dos profissionais e durante o horário de expediente, audiogravadas e transcritas posteriormente. O roteiro utilizado foi dividido em três eixos: 1) investigava a respeito das experiências prévias de trabalho e sobre a inserção do trabalhador na sua atual função; 2) as dificuldades dos trabalhadores no atendimento aos casos com componentes de saúde mental; 3) formação e capacitação para as atividades desenvolvidas, ampliando para experiências pessoais com o tema. As entrevistas foram analisadas a partir da análise de conteúdo temática.

Resultados e Discussão
Os resultados apontam que os profissionais se sentem pouco capacitados para o atendimento aos casos com componentes de saúde mental. A sensação de despreparo precipita encaminhamentos e parte significativa dos entrevistados identifica que um dos principais problemas é a falta de especialistas, como psicólogos e psiquiatras. Em geral, os atendimentos se concentram nos médicos e a medicação é uma das principais ofertas nesses casos. Uma parcela dos entrevistados sente-se apta a acolher os casos, mas não a seguir o acompanhamento, o precipita uma lógica de atendimento guiada pelo modelo queixa-conduta (5). As equipes destacam o cuidado aos pacientes em crise como os que trazem mais dificuldades; o que contribui para o relato de medo dos profissionais quanto a esse tema. Por outro lado, o cuidado a questões físicas dos “pacientes de saúde mental” permite uma aproximação maior dos profissionais que afirmam não terem muita afinidade com o tema. A maior parte dos entrevistados não destaca nenhuma experiência positiva na formação, mas experiências anteriores ruins parecem determinar o afastamento do campo da saúde mental durante a atuação profissional. Os entrevistados apontam a calma e paciência como características daqueles que atendem melhor esses casos e frisam que os profissionais que interagem menos têm mais dificuldade, o que leva a pensar a escuta e capacidade de acolhimento como sendo influenciadas pela capacidade de interação com os pacientes. A ampliação da capacidade de escuta dos profissionais desponta como um desafio, sobretudo quando levamos em consideração o potencial “contagioso” do sofrimento (6), que leva os trabalhadores a assumirem uma postura defensiva diante dos casos com questões de saúde mental, oscilando entre a “identificação” e a “indiferença”.


Conclusões/Considerações finais
Recorremos ao desafio de escutar os trabalhadores sobre as dificuldades, por entender que não se pode exigir que os profissionais escutem os usuários sem que eles sejam escutados. Os dados apontam a necessidade de incluir formações voltadas aos trabalhadores da APS sobre saúde mental, permitindo que os aspectos pessoais sejam também trabalhados. Para isso, é preciso reconhecer as práticas já desenvolvidas pelos profissionais, ao mesmo tempo que se pode apontar o “não-saber” como algo potente para viabilizar a escuta da singularidade dos usuários. Demanda-se uma melhor definição sobre os fluxos de atendimento, o que poderia aumentar a clareza das EqSF sobre as suas atribuições e responsabilidades, evitando que o tema seja tratado apenas como de responsabilidade dos especialistas. Os cuidados em Saúde Mental na APS são fundamentais na ampliação do acesso, na redução do estigma e na criação de estratégias não medicalizantes, assim como na consolidação da Rede de Atenção Psicossocial.



Referências
1. Wenceslau LD, Ortega F. Saúde mental na atenção primária e Saúde Mental Global: perspectivas internacionais e cenário brasileiro. Interface (Botucatu). 2015;19(55):1121-32.
2. Ministério da Saúde (BR). HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília; 2004.
3. Treichel CAS, Campos RTO, Campos GWS. Impasses e desafios para consolidação e efetividade do apoio matricial em saúde mental no Brasil. Interface (Botucatu). 2019;23:e180617.
4. Fonseca MLG, Sá MC. O intangível na produção do cuidado: o exercício da inteligência prática em uma enfermaria oncológica. Ciênc saúde coletiva. 2020;25(1):159-68.
5. Ministério da Saúde (BR). Caderno de Atenção Básica nº 34 – Saúde mental. Brasília:;2013
6. Dunker CIL. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo: Boitempo Editorial; 2015.

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