48926 - A ALTA DE USUÁRIOS NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: UMA “PAUTA-BOMBA” PARA A GESTÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL (PNSM) RENATA BELLENZANI - UFPR, RENATA VASCONCELOS JUAREZ MARTINS - UFPR
Contextualização Os CAPS são pontos estratégicos na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no que refere ao acolhimento, socialização, atendimentos clínicos, suporte a crises, reinserção social e promoção de saúde de usuários acometidos por quadros mais graves de sofrimento psíquico, além de coordenar pactuações de compartilhamento e corresponsabilização das ações de cuidado entre o serviço, a família e os outros pontos de atenção. Apesar dos avanços das políticas de saúde mental no século XXI em mitigar o modelo manicomial, ainda há o desafio de superar nos CAPS a lógica médico-centrada. Essa afeta tanto o acolhimento e incorporação de usuários ao serviço como também suas altas ou “não-altas”; inclusive pode-se refletir se a adoção da noção/prática de alta médica, neste modelo de cuidado, não é em si a evidência desta lógica, ao evocar como critério a cura da doença ou seu controle. Nesta direção, precisam ser criados novos processos de comunicação e conceituação, bem como de trabalho e gestão próprias a esta atenção, que tenham como eixos: a participação e construção de autonomia e liberdade, a reabilitação e inserção social, o acesso a direitos, a orientação por projetos de vida, a coordenação e compartilhamento da atenção entre pontos da RAPS, bem como sua interseccionalidade com outras políticas e recursos comunitários e institucionais.
Descrição da Experiência Realiza-se uma intervenção teórico-prática nos moldes de uma pesquisa-ação participante, desenvolvida em uma cidade de médio porte da região metropolitana da capital paranaense, em um CAPS II, juntamente com equipe, gestores e usuários, iniciada em 2023. A pesquisa-ação segue cinco etapas, encontrando-se em curso, com resultados relevantes: 1) revisão da literatura acadêmica e técnica; 2) diagnóstico situacional prévio à elaboração da versão definitiva do futuro projeto de pesquisa (sistematização das concepções, práticas, critérios e meios vigentes, até o momento, na realização das altas dos usuários no serviço em questão; 3) oficinas de estudo e de planejamento de novas práticas em torno das altas, com os profissionais do CAPS e de outros pontos; e rodas de conversas com usuários; 4) implementação de novas práticas, sua descrição/análise, mediante o acompanhamento de suas repercussões no itinerário terapêutico de 2 a 4 usuários que servirão como estudos de casos; 5) sistematização dos acúmulos que possam subsidiar diretrizes e a formulação de um protocolo, a fim de influenciar o debate no âmbito do planejamento-gestão-avaliação da PNSM. Estão envolvidos diretamente em torno de 20 profissionais (assistência e gestão).
Objetivo e período de Realização O objetivo é produzir, pela parceria Universidade-Serviço, durante o processo de trabalho de determinado CAPS, reflexões e novas práticas (bem como sua sistematização na forma de um protocolo) na direção de reverter a hegemonia do paradigma naturalista, médico-psiquiátrico e hospitalar no que tange à alta dos usuários do CAPS - rumo a uma alta que se configure nos marcos da interprofissionalidade, corresponsabilização em redes e intersetorialmente.
Resultados Escassez de artigos, não há dados nacionais e/ou estaduais, estudos teórico-reflexivos ou materiais governamentais sobre altas nos CAPS. Problema relevante para a equipe; há dúvidas sobre a alta ser/não ser prerrogativa médica; delegação ao psiquiatra. Não encontrados materiais governamentais sobre ‘alta pela equipe’ ou ‘alta interprofissional’, atividades, ferramentas ou metodologias de trabalho para efetivar as altas como processo de cuidado, não atos burocrático-administrativos. É sensível e grave na gestão da PNSM, dos CAPS, essa situação de insuficiência conceitual, normativa e metodológica, tornando a alta nos CAPS uma “pauta-bomba”. Os profissionais pedem apoio nos desafios, destacando: angústia e sensação de ameaça de desassistência observadas nos usuários ao lhes ser veiculada a possibilidade de alta; forte receio ou convicção de que os usuários não terão suas necessidades assistenciais atendidas por outros pontos da RAPS. Os gestores locais manifestam insegurança sobre como agir, sobretudo se não há consenso entre médicos e demais profissionais. Daí decorre a permanência de alguns usuários no fluxo de consultas, sem PTS, configurando um ambulatório psiquiátrico paralelo.
Aprendizado e Análise Crítica A alta nos CAPS é uma prática negligenciada cujas tensões pressionam em nível municipal e exigem medidas para reverter o esvaziamento do papel Ministerial e Estadual. É a “ponta do iceberg” de problemas processuais e estruturais das RAPS pelo país: alta pressão da demanda, insuficiência de serviços, sobrecarga/adoecimento de equipes, aumento de quadros psiquiátricos, institucionalização de usuários nos CAPS e medicalização de suas vidas, baixa atuação da APS e falta de intersetorialidade para efetivar reabilitação e reinserção social. Os dissensos têm origem em problemas teórico-metodológicos históricos no debate entre medicina/psiquiatria e o campo da saúde mental e paradigma da atenção psicossocial. A “pauta-bomba” se configura no bojo das fragilidades de financiamento do SUS que travam os avanços da reforma psiquiátrica, por exemplo uma atuação mais consistente da APS (pela falta de equipes de saúde mental próprias) e uma transversalização da PNSM nas outras políticas econômicas e sociais. Almejam-se que a experiência propicie: construção teórico-prática piloto em torno do conceito de ‘alta interprofissional’, ou a revisão sobre a pertinência de se operar com noção de alta, nos CAPS; sistematização dos acúmulos e derivar destes subsídios para a elaboração do que inexiste - guias, protocolos, normativas e metodologias sobre o assunto em consonância com a luta antimanicomial.
Referências GUEDES, A. da C.; OLSCHOWSKY, A.; KANTORSKI, L. P.; ANTONACCI, M. H. Transferência de cuidados: processo de alta dos usuários de um centro de atenção psicossocial. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, Goiás, Brasil, v. 19, p. a42, 2017.
PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA. Linha guia de saúde mental de Curitiba. 1. ed. Curitiba: Secretaria Municipal de Saúde, 2018.
RICHTER, R. H. M. et al.. Retratos do processo de alta na atenção à saúde mental de crianças e adolescentes na perspectiva de terapeutas ocupacionais. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 32, n. 1, p. e320102, 2022.
SILVA, L. L. P.; ALMEIDA, A. B.; AMATO, T. de C. A perspectiva dos profissionais sobre o processo de alta de pacientes do Caps-AD: critérios e dificuldades. Saúde em Debate, [S. l.], v. 43, n. 122 jul-set, p. 819–835, 2022.
Fonte(s) de financiamento: Não possui
|