Roda de Conversa

06/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC7.8 - Saúde Digital: políticas e gestão no SUS

50293 - “BETTER HEALTH PROGRAMME”: A SAÚDE DIGITAL BRASILEIRA SOB A “AJUDA” IMPERIALISTA
RAQUEL RACHID - FIOCRUZ, MATHEUS FALCÃO - FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
A incorporação de tecnologias aos sistemas de informação e informática em saúde no Brasil passou por mudanças relevantes nos últimos anos, até que se chegasse à Estratégia de Saúde Digital 2020-2028 (ESG28), à terceira edição da Política Nacional de Informação, Informática e Saúde (PNIIS), à Rede Nacional de Dados e Saúde (RNDS) e ao CGSD (Comitê Gestor da Saúde Digital). Esse conjunto de implementações vem sendo objeto de críticas que abordam o processo de “transformação digital” do Sistema Único de Saúde em meio a certos constrangimentos impostos ao Estado. Um dos principais, diz respeito à influência de países centrais àqueles que possuem uma condição periférica, com vistas a adaptações que favoreçam os primeiros. Nesse sentido, é também conhecido o processo de difusão de políticas públicas por meio de organizações internacionais, como é o caso da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, destacam-se as parcerias em saúde digital com a Dinamarca e com o Reino Unido. Quanto à última, assinada em 2020 e nomeada de Better Health Programme (BHP), foi viabilizada por meio de fundos britânicos advindos da Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA) - um expediente estabelecido em meados do século passado pela OCDE, para que alguns países promovam a chamada “cooperação ao desenvolvimento” de outros.

Objetivos
Considerando que o projeto “Implicações das Tecnologias Digitais nos Sistemas de Saúde” possui um eixo de avaliação em políticas comparadas de saúde digital, objetivou-se compreender os interesses que teriam influenciado as principais políticas de saúde digital correntes no Brasil, por meio do acordo descrito. Trata-se de um esforço de coleta de dados desde o final de 2023, que se materializa na experiência de contato com uma série de interlocutores no mês de março de 2024.


Metodologia
Dada a falta de informações quanto ao contexto que forjou o BHP por parte do Ministério da Saúde e do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, e como a ODA foi instituída em plena Guerra Fria e sofreu diminuição de cifras a partir dos anos 90 (em razão da queda da União Soviética e do arrefecimento da disputa pelos rumos das relações sociais na ausência de um polo antagonizador da hegemonia estadunidense), soou bastante curioso seu uso associado a políticas de saúde digital. Assim, a intenção de contatar pessoas envolvidas na pactuação do acordo para compreensão de suas especificidades, levou a equipe de pesquisa ao Reino Unido para um trabalho de levantamento de informações.
Foram feitas reuniões com acadêmicos e acadêmicas, com movimentos sociais cuja atuação se dá em prol da desprivatização da saúde, bem como com representantes dos governos brasileiro e britânico. Para além disso, pudemos manejar os mecanismos jurídicos de requisição de informações por meio das leis aplicáveis a ambas as partes signatárias do acordo - que é explícito em indicar uma grande consultoria internacional como seu “parceiro implementador”.

Resultados e Discussão
O projeto “Implicações das Tecnologias Digitais nos Sistemas de Saúde” (apoiado pela Estratégia Fiocruz para Agenda 2030), em parceria com outras organizações, verificou que no Reino Unido a questão da ajuda ao desenvolvimento está associada à promoção de interesses nacionais. Por isso, não surpreende que o Programa “Better Health” carregue consigo interesses secundários. Apesar de serem recursos que criam a impressão de ajuda desinteressada, pesquisas apontam para a reversão da ODA em ganho financeiro aos países donatários. Não foi outro o quadro comprovado durante a fase de acesso a dados: por meio de documentos oficiais descobriu-se que o programa deveria gerar oportunidades para negócios, incluindo aqueles baseados no Reino Unido - que buscam por investir em mercados ditos emergentes. Ainda, apesar da falta de dados a respeito da pactuação do acordo, o Ministério da Saúde do Brasil confirmou que o Programa “Better Health” apoiou o levantamento de insumos para a revisão da PNIIS, para a avaliação da Estratégia de E-Saúde e para a elaboração da ESD28, fornecendo elementos quanto à legislação de outros países e sua a relação com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Como a ESD28 incentiva a cooperação com a iniciativa privada, o resultado da experiência é manifestamente positivo em apontar para uma das possíveis causas dessa escolha.
A partir das informações coletadas (e também da negativa de acesso a dados pelo governo britânico sob a alegação de dano às relações com o Brasil, a interesses comerciais e aos seus interesses internacionais), verifica-se que o programa possuía um mecanismo de destinação de recursos a uma das maiores consultorias globais para condução de uma estratégia que impactou diretamente as políticas brasileiras.

Conclusões/Considerações finais
O acordo trata, em última instância, da exportação de reformas neoliberais que enfraquecem o sistema público britânico há alguns anos. Adicionalmente ao incentivo de ingresso do setor privado na saúde pública brasileira como viabilizador de comércio, o histórico deste acordo mostra que a relação de subordinação entre nações formalmente independentes renova-se também por meio da incorporação de padrões de digitalização anteriormente forjados no seio de economias reconhecidas como avançadas. Não se trata apenas de transportar políticas, mas da consequente importação de pressupostos aos sistemas de saúde periféricos, os quais desaguam inclusive em remessas financeiras por sistemas, dispositivos e novas consultorias. Apesar de o imperialismo ser um elemento contínuo do capitalismo que atravessa mudanças governamentais, não significa que a dependência de trajetória seja vinculante - o que fica como aprendizado para que experiências como essa sirvam de pressão política por mudanças.


Referências
DAWAR, Kamala. Global Britain and the national interest: Development aid under the FDCO. King´s Law Journal, vol. 34, 2023.
FAULKNER-GURSTEIN, Rachel. WYATT, David. Platform NHS: Reconfiguring a Public Service in the Age of Digital Capitalism. Science, Technology, & Human Values, 48(4), 2023.
MAZZUCATO, Mariana; COLLINGTON, Rosie. The big con: how the consulting industry weakens our businesses, infantilizes our governments, and warps our economies. Penguin, 2023.
OSÓRIO, Luiz Felipe. Imperialismo, Estado e Relações Internacionais. São Paulo: Editora Ideias & Letras, 2018.
RACHID, Raquel; FORNAZIN, Marcelo; CASTRO, Leonardo; GONÇALVES, Luís Henrique; PENTEADO, Bruno. Saúde digital e a plataformização do Estado brasileiro. Ciênc. saúde coletiva 28 (7), Jul 2023.
WOOSWARD, Richard. Putting the “D” into the OECD – The DAC in the Cold War Years. Bonn: Deutsches Institut fur Entwicklungspolitik, 2021.

Fonte(s) de financiamento: Estratégia Fiocruz para Agenda 2030 e Fundo de Resposta Rápida da organização Derechos Digitales



Realização:



Patrocínio:



Apoio: