Roda de Conversa

06/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC7.7 - Comunicação em saúde, gestão da informação e estratégias para fortalecimento do SUS

51861 - SUS SOB AUSTERIDADE: ANÁLISE DOS EDITORIAIS DA FOLHA DE S. PAULO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 (2020-2022)
HARA FLAESCHEN DE CAMPOS - ICICT/FIOCRUZ, RODRIGO MURTINHO DE MARTINEZ TORRES - ICICT/FIOCRUZ


Apresentação/Introdução
A pesquisa analisou a construção de sentidos sobre o Sistema Único de Saúde e a austeridade fiscal no jornal Folha de S. Paulo, no contexto da Covid 19. Investigamos os argumentos favoráveis ao SUS - o sistema foi fundamental para conter a crise sanitária - e, simultaneamente, a defesa da austeridade, expressa pela Emenda Constitucional 95 e outras medidas. Analisamos editoriais, denominados como “O que a Folha pensa”, entre 2020 e 2022, abarcando fases distintas da pandemia. O trabalho fundamenta-se nas evidências dos efeitos nocivos da austeridade à saúde, e parte da premissa da imprensa como agente discursivo do neoliberalismo.Nos baseamos no conceito de SUS Midiático, que defende que a imprensa influencia na opinião pública sobre o SUS, historicamente negativas - como explica a ideia de SUS-problema.Apostamos que na urgência do coronavírus, havia nascido um “SUS-herói” na imprensa brasileira, essencial para construir a consciência sanitária. Acreditamos que essa narrativa seria, no entanto, coexistente com a sustentação do neoliberalismo.Não encontramos o “SUS-herói”, mas a nossa hipótese - de que havia uma construção positiva sobre o SUS, ao mesmo tempo em que se enalteciam práticas políticas que aniquilavam o sistema,mostrou-se coerente. Nos fundamentamos na Economia Política da Saúde, Economia Política da Comunicação e noções de Direito à Comunicação e Saúde.

Objetivos
Objetivo principal: identificar a contradição entre menções positivas ao SUS e a defesa da austeridade no jornal Folha de S. Paulo, durante os primeiros períodos da pandemia de Covid-19.
Outros objetivos: contribuir com as reflexões sobre SUS Midiático; caracterizar como a prática da austeridade é abordada pela Folha de S. Paulo; colaborar com o debate sobre neoliberalismo e saúde no Brasil, da perspectiva do Direito à Saúde e à Comunicação.


Metodologia
Analisamos 123 editoriais da Folha de S.Paulo, publicados entre 12 de março de 2020 e 12 de março de 2022. A fonte de pesquisa foi o acervo digital do jornal, que concentra todas as versões impressas digitalizadas, através de cadastro pago. A partir da amostra, selecionamos os textos em que apareciam, de maneira direta ou indireta, a defesa da austeridade e/ou a defesa do SUS. Por “defesa da austeridade”, nos referimos aos conteúdos que defendiam a EC 95, mas também as reformas da previdência, administrativa e outros cortes de gastos. Já em “defesa do SUS” estão aqueles que reconhecem a importância do sistema público de saúde, citando o SUS explicitamente ou destacando, por exemplo, a expertise do país com a vacinação. Sistematizamos os textos por eixo, título, assunto e data de publicação.A interpretação e discussão dos textos - à luz da discussão política e teórica sobre neoliberalismo e saúde no Brasil, com ênfase nas evidências sobre os impactos da austeridade para a saúde pública, e no debate sobre a imprensa como agente do neoliberalismo - se deu a partir de abordagem do Método Materialista Histórico e Dialético.

Resultados e Discussão
O primeiro destaque é que o SUS de fato apareceu nos editoriais. Menos nominalmente - como SUS ou Sistema Único de Saúde - e mais de forma indireta, com citações ao Programa Nacional de Imunizações, ou como ‘sistema de saúde’. Não identificamos um “SUS-herói”, salva-vidas, mas Identificamos no material analisado o que apelidamos SUS-necessário, a articulação de características que apresentam um sistema robusto, com estrutura sólida e acúmulo científico, mas não necessariamente público, e condicionado às medidas de austeridade.As menções positivas ao SUS aparecem vinculadas a dois fenômenos: vacinação contra a Covid-19 (esperança) e luto (dor). O SUS-necessário mostra-se como um sistema de saúde que possui acúmulo científico, experiência e estrutura, e é imprescindível para impedir um cenário ainda mais nefasto. No contexto da vacinação, o PNI está presente como ‘base do sucesso do SUS’ e, mais de uma vez, foi citado como referência internacional. No contexto de luto, o tom é de que a tragédia poderia ter sido evitada, por causa do SUS. Os resultados apontam, ainda, que os editoriais confirmaram a posição da Folha de S. Paulo em defesa de medidas de proteção social, como o auxílio emergencial, e em acordo com as orientações científicas. Contraditoriamente a esse discurso, mas coerente com seu alinhamento político, sustentou o imperativo de confiança no mercado e articulou com firmeza argumentos a favor do equilíbrio fiscal e do teto de gastos (identificados como a sustentação ideológica da prática da austeridade). A Folha utilizou construções como ‘ajuste fiscal’, ‘disciplina fiscal’, ‘estabilizar dívida pública’, ‘eficiência do gasto’. A alegação de que o teto de gastos está inscrito na Constituição, assim como o SUS, foi bastante utilizada.

Conclusões/Considerações finais
Concluímos que, mesmo neste contexto em que o reconhecimento do SUS foi importante, a perspectiva empresarial do jornal prevalece e mantém seu alinhamento à lógica neoliberal. A Folha se posicionou favoravelmente a medidas de proteção social, mas nunca distante do discurso da inevitabilidade, característico do neoliberalismo, que exige escolhas. No editorial “Fortalecer o SUS”, publicado em 27/10/20, por exemplo, reivindica que o SUS seja uma das prioridades do Estado, mas reforça a necessidade de privatizar a gestão das UBS, e critica o alto custo com funcionalismo público. Atestam que o ‘SUS, universal e gratuito’ é uma vitória da sociedade, mas omitem a palavra ‘público’. Buscamos cooperar com as reflexões sobre o SUS Midiático durante a pandemia de Covid-19, e esperamos contribuir com o debate sobre neoliberalismo no Brasil, com ênfase na austeridade, da perspectiva do direito à saúde e à comunicação.Apontamos que regulamentar a comunicação é democratizar a saúde - o Brasil.

Referências
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Fonte(s) de financiamento: Não há fontes de financamento para esta pesquisa.


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