05/11/2024 - 13:30 - 15:00 RC7.5 - Saúde digital e vigilância: aprendizados, desafios e perspectivas |
50968 - DA VIGILÂNCIA À AUTOMAÇÃO, PENSANDO A MEDICINA EM TEMPOS DE MAQUINÁRIO COGNITIVO HENRIQUE DE AZEREDO MIRENDA - IMS UERJ
Apresentação/Introdução Apesar da presença ubíqua das tecnologias de informação na organização da vida social contemporânea – o que se consolidou gradualmente ao longo da segunda metade do século XX, com um grande salto a partir da virada do milênio - algumas de suas repercussões éticas e políticas têm passado ao largo do foco das investigações e preocupações no campo da saúde.
Essas ferramentas, inicialmente orientadas ao registro de informações e execução de procedimentos de cálculo (como, por exemplo, sistemas de registro de informações clínicas, cadastro de dados de usuários de um sistema de saúde, manejo de informação censitária-epidemiológica) – memória e processamento – a partir de problemas formulados por seus operadores (também responsáveis pela introdução dos dados informacionais nas respectivas máquinas e a interpretação dos resultados de tais cálculos), sofrem uma profunda transformação consequente à introdução de tecnologias de reconhecimento de padrões (e o consequente processamento de linguagem natural). Baseadas no modelo de redes neurais artificiais proposto pelos neurocientistas Warren McCulloch e Walter Pitts (MCCULLOCH; PITTS, 1943), têm permitido progressiva autonomização das operações de máquina, o que se faz acompanhar da possibilidade de automatização de tarefas cognitivas.
Objetivos Investigar as maneiras que as novas tecnologias informáticas, sobretudo a inteligência artificial (IA) têm contribuído para a automação de tarefas cognitivas e refletir sobre os impactos dessa maquinização da clínica no trabalho médico e na relação transferencial.
Metodologia Trata-se de investigação teórico-conceitual através da reunião de conceitos-chave no campo temático dos estudos críticos em cibernética e sua discussão a partir das elaborações de autores relevantes, investigando, nesse trajeto, as suas articulações com a medicina ambulatorial, sobretudo naquilo que diz respeito à noção de necessidades em saúde e os tensionamentos políticos decorrentes de suas diferentes formulações. Também é abordada a noção de algoritmo (histórica e contemporânea), a qual se encadeia com um mergulho na gênese e atualidade do que tem se chamado inteligência artificial, explorando algumas de suas aplicações pioneiras na área da saúde, mas, acima de tudo, investigando a sua dimensão sócio-histórica, algo que aponta para as novas especificidades da mercadoria.
Resultados e Discussão Identificou-se o histórico das recentes transformações nas tecnologias da informação, propiciando uma descrição do modelo de negócios que tem organizado a sua disseminação através da apreensão do seu circuito de produção e circulação do seu valor (MARX, 2015, p.124). Em um cenário que, apesar de continuidades é profundamente diverso daquele do capitalismo industrial, originalmente analisado por Marx, localizou-se, entretanto, marcada homologia entre o eixo máquina-capital fixo, conforme articulado no Fragmento sobre as Máquinas dos cadernos Grundrisse (MARX, 2015b, p. 926-54) e as tecnologias de automatização de tarefas cognitivas, balizadas na forma da propriedade intelectual (PASQUINELLI, 2023, p. 2). Esse novo tempo do capital – nomeado por Zuboff “capitalismo de vigilância” (ZUBOFF; SCHLESINGER, 2021) e por Wark “vetorialismo” (WARK, 2023) (dois diagnósticos que, embora apresentem aproximações significativas, divergem substancialmente em termos de prognóstico e prescrição) – é marcado, fundamentalmente, por uma dessubstancialização progressiva do conteúdo da mercadoria, que passa a assumir qualidades cada vez mais abstratas e explicitamente relacionais, diferenciando-se de sua forma “passada” (que, de forma alguma, deixa de existir e, em verdade, em relação à qual coexistência depende) encapsulada no bem de consumo.
Conclusões/Considerações finais A possibilidade de algoritmização de certas tarefas clínicas corresponde à formulação digital de tarefas clínicas que já são, de partida, algoritmizadas (dada sua natureza protocolar baseada em instruções do tipo “se x, portanto y”, em que a tarefa do clínico consiste na tradução dos conteúdos oriundos do exame clínico em “x”, aqui representando certos critérios que, quando preenchidos, tem por corolário uma proposição diagnóstica, a qual, por sua vez, corresponde a uma gama específica de possibilidades terapêuticas, “y”). A possibilidade destas tecnologias aumentarem a produtividade do trabalho médico é pensada criticamente no contexto do sistema de saúde brasileiro, marcado pelo impasse de provimento médico em nível populacional. O otimismo de proponentes de sua disseminação (HABICHT et al., 2024) é contrastado com uma perspectiva em que a progressiva digitalização da interface médico-paciente cerceia o “direito à transferência” das populações marginalizadas.
Referências HABICHT, J. et al. Closing the accessibility gap to mental health treatment with a personalized self-referral chatbot. Nature Medicine, v. 30, n. 2, p. 595–602, fev. 2024.
MARX, K. O Capital-Livro 1: Crítica da economia política. Livro 1: O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015a.
MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. [s.l.] Boitempo editorial, 2015b.
MCCULLOCH, W. S.; PITTS, W. A logical calculus of the ideas immanent in nervous activity. The bulletin of mathematical biophysics, v. 5, p. 115–133, 1943.
WARK, M. Um manifesto hacker. [s.l.] Sobinfluencia Edições, 2023.
ZUBOFF, S.; SCHLESINGER, G. A era do capitalismo de vigilância. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2021.
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