Roda de Conversa

04/11/2024 - 17:20 - 18:50
RC7.1 - Redes sociais e comunicação: quais os debates sobre o SUS?

51429 - A POLITIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA NO X (ANTIGO TWITTER): ATORES E NARRATIVAS DA CONVERSAÇÃO SOBRE VACINA E DENGUE EM 2024
VICTORIA FERRO - UFES, FABIO GOVEIA - UFES, GABRIEL HERKENHOFF - UFES, FABIO LUIZ MALINI DE LIMA - UFES, FRANCIS SODRÉ - UFES


Apresentação/Introdução
Se a saúde pública é um tema clássico do debate político, uma vez que diz respeito à gestão de recursos e à vida das populações, desde a pandemia de coronavírus, a dimensão política das questões sanitárias parece ter ganhado novos contornos. As discussões sobre instituições e infraestrutura de saúde permanecem importantes, mas tem se fortalecido como elemento da disputa discursiva o uso de teorias conspiratórias e de desordem informacional (Goldenberg, 2021).

As plataformas de redes sociais têm sido, em tal contexto, um dos principais terrenos dessa nova politização da saúde pública. Não por acaso, ainda durante a pandemia, a Organização Mundial de Saúde notou que, além do vírus, outra ameaça se fazia presente para as populações: a infodemia ligada ao grande de volume de informações (algumas falsas ou imprecisas) em circulação nas redes sociais (OPAS, 2020).

Dados os fatos de ser uma plataforma caracterizada pelos textos breves e mais aberta ao anonimato, o X (antigo Twitter) é um dos espaços em que o intenso fluxo de informações mistura-se ao fenômeno de politização da saúde pública. No início de 2024, esse fenômeno mostrou-se particularmente relevante nas discussões sobre vacinas e sobre o surto de dengue atravessado pelo Brasil.

Este trabalho busca identificar e analisar os principais atores e narrativas sobre tais temas, visando discutir o problema da politização da saúde nas redes sociais e seus reflexos na disseminação de informação.


Objetivos
O objetivo geral do trabalho é analisar a conversação sobre vacinas e sobre o surto de dengue no X nos entre janeiro e abril de 2024.

Os objetivos específicos são:
a) mapear os atores com as publicações mais curtidas sobre os temas pesquisados;
b) tipificar os perfis e as narrativas presentes na plataforma a fim de compreender as características dos conteúdos publicados;
d) verificar a presença e o alcance de conteúdo desinformativo sobre os temas pesquisados


Metodologia
A metodologia adotada para a realização deste trabalho foi a realização de uma pesquisa descritivo-exploratória, com recurso a uma abordagem que mescla dados quantitativos e análises qualitativas. Dadas as características de nosso objeto e os propósitos da investigação, aplicamos um método cruzado que mescla a Análise de Redes Sociais (Recuero, 2017) com a Análise do Discurso Digital (Paveau, 2018). Com isso, buscamos apresentar e analisar redes complexas em duas vias: através da observação dos principais atores que publicaram sobre determinado tema no X; e por meio da observação das redes semânticas constituídas pela conversação pública em tal plataforma.

Para tanto, foram realizados três procedimentos metodológicos:

a) coleta de dados no X por meio da busca de conteúdos referentes a “dengue” e “vacina” entre 01 de janeiro e 30 de abril de 2024;

b) processamento dos dados a fim de delinear (1) os atores que publicaram os conteúdos mais curtidos contendo os termos e (2) a relação entre os termos utilizados nas publicações;

c) visualização de redes complexas para auxiliar na análise de atores e na análise da semântica ligada à coleta realizada na plataforma.


Resultados e Discussão
No início de 2024, o X foi terreno de intensa disputa política nas discussões sobre vacina e sobre a epidemia de dengue. Essa percepção deriva da análise das narrativas e atores que publicaram conteúdos sobre tais temas entre janeiro e abril deste ano, tomando como ponto de partida 135.255 publicações na plataforma.

Em nossa investigação, percebemos que em todos os meses a conversação teve a predominância de 5 tipos de atores: 1) veículos de mídia (com atuação da mídia partidarizada); 2) figuras públicas (políticos ligados ao governo e à oposição); 3) ativistas políticos; 4) influenciadores; 5) especialistas (parte deles críticos às vacinas). Ainda que a imprensa tradicional tenha sido um ator importante na difusão de notícias sobre as vacinas e sobre o surto de dengue, as mensagens com mais interações foram de perfis ativos no processo de polarização política.

Esse dado fica nítido na análise das redes semânticas. No caso de vacina, entre as tendências discursivas observadas, de janeiro a abril duas se destacam: a) de polarização (cerca de 80% em janeiro, 30% em fevereiro, de 40% em março, de 26% em abril); e b) desinformativa (cerca de 2% em janeiro, 30% em fevereiro, 9% em março, 10% em abril).

No que diz respeito à epidemia de dengue, há uma pequena diferença, de janeiro a abril as tendências foram: a) informativa, a principal (cerca de 70% em janeiro, 62% em fevereiro, 20% em março e perpassada pela politização em abril); b) culpabilização (narrativa diluída em janeiro, 8% em fevereiro, 8% em março e 21% em abril).

Foi possível perceber que o processo, em janeiro, de polarização através da crítica à gestão Bolsonaro durante a pandemia teve como resposta uma progressiva narrativa de culpabilização do governo Lula pela epidemia de dengue, cujo ápice ocorreu em abril.


Conclusões/Considerações finais
Na última década, o processo de polarização da sociedade tem se expressado, em boa medida, através das plataformas de redes sociais. Todavia, mais do que uma produção desses novos espaços de comunicação e sociabilidade, tal processo deriva da ação de uma série de atores, dentre eles, políticos populistas e veículos de mídia partidarizados (Benkler; Faris; Roberts, 2018).

Sobretudo desde a pandemia, a polarização política tem atingido frontalmente as questões no campo da saúde coletiva. Neste início de 2024, o que acompanhamos foi o desdobramento desse fato no debate sobre vacinas e sobre a epidemia de dengue.

Por um lado, nas mensagens coletadas no X, chama atenção a permanência de conteúdos desinformativos sobre as vacinas com a intenção de estimular o ceticismo e a hesitação vacinal. Por outro, no que diz respeito ao surto de dengue, as discussões sobre a crise são fortemente politizadas.

As questões de saúde coletiva, a rigor, são questões políticas. O ponto é refletir sobre o quanto a polarização tem sido uma ameaça para a gestão sanitária e para a população.


Referências
BENKLER, Y; FARIS, R; ROBERTS, H. Network Propaganda: Manipulation, Disinformation and Radicalization in American Politics. New York: Oxford University Press. 2018.

GOLDENBERG, M. Vaccine Hesitancy: Public Trust, Expertise and the War on Science. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2021.

OPAS. Entenda a infodemia e a desinformação na luta contra a COVID-19. Kit de ferramentas de transformação digital. Ferramentas de conhecimento; 9. 2020 Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/52054. Acessado em: 28 maio 2024.

PAVEAU, M. A. L’analyse du discours numérique – dictionnaire des formes et des pratiques. Paris: Hermann, 2017.

RECUERO, R. Introdução à análise de redes sociais online. Salvador: Edufba, 2017.

VAN DIJCK, J.; POELL, T.; WAAL, M. de. The Platform Society: Public values in a connective world. New York: Oxford University Press, 2018.

Fonte(s) de financiamento: ICEPI - Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde


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