53046 - REFLETINDO SOBRE A FORMAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA A PARTIR DA AFROPERSPECTIVA NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA: UMA APOSTA METODOLÓGICA EM “CORPOS-CICLOS” SIMONE SILVA DE PAIVA DE MAGALHÃES - PPGSC/UFF, MÔNICA DE REZENDE - INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA / UFF
Apresentação/Introdução Este estudo aponta para uma reflexão sobre modelos hegemônicos de produção científica. Seus pressupostos metodológicos surgem da necessidade de enfrentamento e superação de um “incômodo” epistêmico, estrutural e racializado na pós-graduação, mais especificamente, na formação docente em Saúde Coletiva. A proposta se dá na ressignificação de um “campo-território”, desvelado por uma das autoras, à época aluna do mestrado acadêmico em saúde coletiva e propositora da pesquisa: mulher negra, periférica e profissional de saúde, constituindo-se enquanto seu próprio campo de investigação, denominado “corpos-ciclos”. O estudo propõe resgatar e agregar conhecimentos pluriversais, contrapondo o apagamento sofrido por diversas epistemes. São resgatadas resistências tais como as falcatruas linguísticas das mães pretas na Casa Grande, subentendendo a não intenção de desconstruir algum conceito proposto e acatado ocidentalmente e colonialmente na construção científica. Propõe, a partir deste encantamento linguístico fomentado na diáspora africana, que cada leitor possa, ao acessar o estudo a partir de suas vivências e percepções de mundo, reconstruir a objetificação proposta pela ciência. Trata-se de uma pesquisa empírica, de enfrentamentos à colonialidade acadêmica, com incorporação exuística (Rufino, 2019), de abertura de novos caminhos e encantamentos não lineares.
Objetivos Refletir sobre a descolonização de saberes, rupturas e desconstruções na ciência ocidentalizada que rege a formação em saúde, especificamente, a pós-graduação de profissionais da saúde, e os possíveis efeitos no campo da saúde coletiva. Produzir narrativa sobre o processo formativo, propondo a valorização das experiências dos sujeitos e suas afetações no pensar-agir-fazer. Compreender as potencialidades da formação afroperspectiva e pluriversal.
Metodologia Os “corpos-ciclos” se desenvolvem na trajetória de vida da pesquisadora por meio de escrevivência (Evaristo, 2020), alçadas como importante recurso cursivo de desenvolvimento do conteúdo estudado. A escolha aponta a latente necessidade de valorização de epistemes afrocentradas e pluriversais, fugindo da normatividade de técnicas de pesquisa científica estruturadas em um modelo formativo ocidental, eurocentrado e de pouca abertura às diferentes cosmovisões. A criação dos corpos-ciclos se deu a partir da imersão da pesquisadora em si própria, desafiada pelo processo formativo vivenciado no mestrado. Analisando estes atravessamentos, aponta como estes ciclos são afetados cotidianamente por inúmeras situações que se desdobram interseccionalmente em vidas de semelhantes, representando um campo coletivo de estudo que acolhe "experivivências" de mulheres pretas. A performance dos ciclos assemelha-se a um movimento já descrito na literatura como tempo-espiralar (Martins, 2021), reluzindo deste uma estratégia de renascimento metamorfósico, que traz à tona um novo momento reflexivo sobre si mesmo e sobre os espaços de socialização.
Resultados e Discussão O movimento de refletir sobre o corpo-território (Miranda, 2020) se ressignificando em dado tempo-espaço (Santos, 1999), permitiu pensar o corpo em movimento num tempo espiralar (Martins, 2021) que segue em movimento cíclico, que se inicia e se mantém constante em torno de si e suas emoções. Tornou-se possível a congruência com ciclos de vida da pesquisadora, que ao longo de um cinquentenário passou por transformações e momentos emblemáticos, categorizados no estudo como corpos-ciclos. O campo de estudo constituiu-se a partir da construção de 3 corpos-ciclos: (1) A Depreciação do negro-ser por um "outro lugar": Tentativas de uma "não estar insubmisso", (2) Quebrando o bibelô para que a pretitude apareça, (3) A apreensão de um pensamento analítico-crítico de subsistência. Após o desenho dos 3 corpos-ciclos, no segundo momento do estudo, foi trabalhada a hipótese da existência de corpo-ciclos infinitos. A tomada de consciência dos ciclos passados permitiu compreender que em um próximo estágio poderia se encontrar um fenômeno de corpo-ciclo “espiralar” instituído: aquele que é movido indefinidamente por esta transformação, ou seja, a partir desta grande ruptura, tal como um cataclisma, os ciclos tornam-se cotidianos e imersivos, se tornando um exercício vivo de metamorfose, como ferramenta de subsistência e sustentabilidade de um novo ser. A estratégia de ressignificação de alguns mecanismos metodológicos no espaço acadêmico foi um exercício de descolonização da produção científica, propulsor de reflexões significativas no campo da saúde coletiva, promovendo engajamento e propriedade sobre o enfrentamento ao racismo institucional imbricado nas estruturas formativas colonizadas.
Conclusões/Considerações finais A confluência de pensamentos afrocentrados movimenta, nas estruturas acadêmicas colonizadas, estratégias de abertura e rupturas de mecanismos que afastam deste campo de aprendizagem a diversidade de conhecimentos. Dos tensionamentos necessários para romper as indefinidas bolhas, que circundam hegemonicamente o fazer científico, emergem tentativas de aterramento de um pensamento analítico-crítico negro, que se ressignifica a partir de experiências e cicatrizes dimensionadas em corpos ciclos. Uma “encruzilhada pretistêmica” se apresenta como uma nova dimensão para a descolonização da pós-graduação, que repercute na formação de profissionais que atuam reproduzindo os mecanismos formativos nas suas ações, pensamentos e cuidados destinados aos usuários. Um enegrecer na formação, mostra-se como um caminho pedagógico de transformação da educação na saúde e de novos horizontes para o campo da Saúde Coletiva.
Referências EVARISTO, Conceição. A escrevivência e seus subtextos in Escrevivência: a escrita de nós: Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo, Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, p. 26-47, 2020.
MARTINS, Leda M. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021
MIRANDA, Eduardo. O Corpo-território & educação decolonial: proposições afrobrasileiras na invenção da docência.Edufba, 2020.
RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas: Exu como Educação. Revista Exitus, v. 9, n. 4, p. 262-289, 2019.
SANTOS, Milton. O território e o saber local: algumas categorias de análise. Cadernos Ippur,v. 2, p. 15-25, 1999.
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