Roda de Conversa

06/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC10.4 - Novos horizontes em foco: Desafios de políticas e estratégias na construção de práticas de pesquisa e de cuidado na saúde coletiva

49739 - NOVAS PRÁTICAS E TECNOLOGIAS INTERSECCIONAIS: BASTIDORES DO CENSO PSICOSSOCIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
AMANDA DE ALMEIDA SANCHES - UERJ/IMS, STEFANY VIEIRA ALVES - UFRJ/IESC, RACHEL GOUVEIA PASSOS - UFRJ/ESS, TATIANA WARGAS DE FARIA BAPTISTA - FIOCRUZ/IFF, DANIEL DE SOUZA CAMPOS - UFRJ/ESS, BRUNO LOPES LIMA - UFRJ/IPUB, ERIKA RODRIGUES SILVA - UFRJ/IPUB, JESSICA TAIANE DA SILVA - UFRJ/IPUB, LUCAS MOURA SANTOS SILVA - UFRJ/IP, MARIANA MARQUES BOURDETTE FERREIRA - UFRJ/ESS


Contextualização
Considerando o conceito ampliado de saúde e a direção do Estado brasileiro em instituí-lo como um direito fundamental, é vital associá-lo às determinações históricas, econômicas e sociais. Através da consolidação de lutas sociais, foi possível o deslocamento do tratamento psiquiátrico centralizado na tutela e na exclusão para um modelo pautado na liberdade e nos direitos humanos; sendo os Centros de Atenção Psicossocial um dos dispositivos fundamentais para viabilizar o cuidado em saúde mental.

Para pensar a Reforma Psiquiátrica Brasileira como um processo, Amarante (2007, p.63) afirma que “vão surgindo novos elementos [...] a serem enfrentados e pressupõem que existam novos atores sociais, com novos e conflitantes interesses”. A vista disso, é validada a emergência em identificar os atravessamentos interseccionais que afetam a saúde mental da população em questão e qual é o papel da Rede de Atenção Psicossocial neste contexto ainda pouco investigado.

O projeto visa identificar quem são os usuários atendidos nos serviços de saúde mental do Estado do RJ e quais são impactos que este grupo vivencia, a partir dos atravessamentos produzidos pelos marcadores sociais da diferença. Espera-se com este estudo fortalecer as práticas de cuidado com valorização da diversidade e contribuir para o desenvolvimento da política de saúde mental que corresponda às novas configurações sociais.


Descrição da Experiência
Trata-se do primeiro ano da pesquisa, em que foi estreitada a articulação entre a universidade (Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro - ESS/UFRJ) e a Coordenação de Atenção Psicossocial (COOCAPS) da Secretaria Estadual de Saúde do RJ. A construção do Censo Psicossocial foi coletiva, envolvendo muitas mãos: usuários; estagiários; pesquisadores e profissionais (incluindo residentes). Esses atores estiveram implicados em diversas frentes: escritas, debates, construção dos instrumentos de coleta de dados e metodologia das oficinas; reuniões com trabalhadores da saúde e apresentações em congressos e fóruns.
Utilizou-se da observação participante e da análise de dados documentados ao longo das articulações: diários de campo dos estudantes; atas de reuniões e afins. Ademais a perspectiva interseccional como recurso teórico, ético, político e prático ajudou a construir uma práxis crítica da clínica ampliada, em que os marcadores sociais de raça, gênero, sexualidade, capacidade física, status de cidadania, etnia, nacionalidade e faixa etária são entendidos como modeladores da existência dos sujeitos (Collins et. al., 2021). Por se tratar de pesquisa com seres humanos, foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ, parecer n° 6.664.051.


Objetivo e período de Realização
O objetivo da pesquisa-extensão é identificar o perfil e os atravessamentos interseccionais que impactam a saúde mental de usuários da RAPS do Estado do Rio de Janeiro. Um dos objetivos específicos é fomentar a capacitação dos profissionais da rede, com debate sobre marcadores sociais e sua influência no cuidado em saúde mental. Este relato mostra o primeiro ano da pesquisa, março de 2023 a dezembro de 2023, destacando as principais atividades, os atores e as afetações advindas das articulações.

Resultados
A priori, o foco foi a disseminação do projeto. A proposta do Censo foi apresentada em fóruns, seminários, congressos e outros eventos. Com destaque para o Fórum Ampliado sobre Saúde Mental e a População Negra e as Comissões Intergestoras Regionais (CIR) do ERJ, evidenciando a importância de pensar os marcadores sociais no cuidado em saúde na assistência e na gestão. Além de uma proximidade com as nove regiões de saúde do ERJ através de análise documental e idas ao campo. A aproximação da equipe da UFRJ e da COOCAPS foi um ponto vital para a evolução do Censo.

No processo de disseminação e de construção coletiva dos instrumentos de pesquisa e da metodologia da oficina, foi possível identificar as percepções dos apoiadores quanto aos eixos estruturais de opressão e subordinação da sociedade brasileira - marcados pelo colonialismo, racismo, sexismo, patriarcado, etc.- e seus impactos na saúde mental. A partir de incessantes encontros, foi possível trazer novas perspectivas, sanar dúvidas, desconstruir e reconstruir percepções tanto dos integrantes do grupo de pesquisa quanto dos apoiadores, configurando-se em uma importante troca e confluência de saberes e práticas.


Aprendizado e Análise Crítica
O primeiro ano teve como principal desafio realizar a articulação entre academia, gestão pública e assistência. A inserção de residentes tanto no campo da pesquisa, quanto na gestão e assistência foi importante para fortalecer a conexão entre os três. Na construção dos instrumentos, os apoiadores trouxeram percepções dos territórios e das questões de autodeclaração racial e de gênero, sendo possível aprofundar as temáticas e afinar as ferramentas. Já na elaboração da oficina, a linguagem acadêmica demasiada foi convertida para uma abordagem mais próxima da educação popular e permanente em saúde.

Pensar os marcadores sociais no atravessamento de subjetividades dos usuários da RAPS não nos exime de refletir suas influências nos agentes envolvidos na construção da presente ação. Tais atravessamentos tensionam debates que eram pouco discutidos nas instâncias públicas, porque o corpo de profissionais ainda é majoritariamente branco, classe média e cisheteronormativo. Todavia, quando uma equipe de apoiadores se dispõe a repensar esses lugares e convocar um grupo de pesquisa da universidade - composto por um coletivo de sujeitos negros, periféricos e LGBTQIA+, etc. – é possível identificar que há um processo de questionamento do espaço de poder que eles ocupam e também há engajamento para a construção de novas práticas de gerenciamento que sugerem o aprofundamento de ações equitativas.


Referências
AMARANTE, P. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Ed. Fiocruz, Rio de Janeiro, 2007.

BENTO, C. Pacto da Branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

COLLINS, P.H., BILGE, S. Interseccionalidade. Tradução de Rane Souza. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2021.

PASSOS, R.G.. Holocausto ou Navio Negreiro? Inquietações para a Reforma. Psiquiátrica brasileira. Revista Argumentum, Vitória, v. 10, n. 3, p. 10-23,. 2018.

SILVA, L.B. Residência Multiprofissional: notas sobre uma formação através do trabalho em saúde. Revista Libertas, Juiz de Fora, v. 20, n.1, p. 140-158., 2020.

Fonte(s) de financiamento: CNPq


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