Roda de Conversa

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC10.3 - Problematizando epistemologias e insurgências em saúde coletiva na atualidade

50421 - EQUIDADE DE GÊNERO E RACIAL E O CUIDADO COMUNITÁRIO: REFLEXÕES SOBRE PESQUISA-AÇÃO EM UM TERRITÓRIO PERIFÉRICO NO SUL DO BRASIL
LAURA CECILIA LÓPEZ - UNISINOS, CAUE RODRIGUES - UNISINOS


Apresentação/Introdução
Apresentamos resultados e reflexões teórico-metodológicas de pesquisa-ação que abordou a relação entre as dinâmicas de gênero e racial e as políticas do cuidado, na sua dimensão comunitária e na articulação com políticas públicas, em um território urbano periférico da cidade de São Leopoldo/RS. A pesquisa insere-se no campo teórico-ético-político dos estudos interseccionais latino-americanos (GONZALEZ, 2020; VIVEROS-VIGOYA, 2018), no compromisso científico da busca por equidade e justiça social. Dialogamos com a produção teórica sobre cuidado (ESQUIVEL, 2011, entre outras), com destaque ao cuidado comunitário, que é o conceito central que guiou a pesquisa. O cuidado comunitário é definido por Vega et al (2018) como conjunto de práticas heterogêneas que surgem de coletividades e redes que podem gerar apoio e atuar politicamente articulando instâncias públicas, sociedade civil e/ou relações de parentesco e vizinhança. A realização e organização do cuidado comunitário está nas mãos da coletividade que faz próprias as condições de execução e seus benefícios. Exploramos na pesquisa a rede de interdependência entre vários atores sociais presentes no território abordado.

Objetivos
Objetivou-se investigar como as dinâmicas de gênero e raça permeiam a organização das vidas no território e como incidem na distribuição dos cuidados com a saúde e a manutenção social; a relação de homens e mulheres com sistemas de cuidado e políticas públicas; como a dimensão comunitária do cuidado se viu impactada pela pandemia, quais formas novas e/ou reformuladas de cuidado surgiram, quais problemáticas emergiram, e se essas novas formas persistiram no tempo perante outros desafios.

Metodologia
Para a consecução do projeto propomos uma pesquisa-ação, na medida em que a participação dos sujeitos afetados pela situação-problema acompanha o desenho de investigação (PORTO et al, 2016). Integramos diferentes métodos e técnicas com uma dimensão participativa, tendo como meta final uma proposta de intervenção comprometida com a equidade de gênero e racial. Realizamos um Diagnóstico Participativo de Equidade de Gênero (AGUILAR et al, 1999) no território escolhido. Após da delimitação e caracterização do território da pesquisa, começamos o mapeamento de lideranças e equipamentos de saúde, principalmente da APS e realizamos entrevistas com lideranças comunitárias, Agentes Comunitários de Saúde e outros trabalhadores da rede no bairro. Utilizamos os dispositivos de Mapa Falado e roda de conversa. Esses dispositivos metodológicos possibilitaram captar vivências de gênero e outros marcadores sociais relacionadas à proteção social e ao cuidado com a vida de diferentes corpos/sujeitos. Tematizamos, por exemplo, quais espaços e equipamentos referem à proteção/desproteção em relação às violências (de gênero, racial, etc.), às vidas de homens e mulheres, etc.

Resultados e Discussão
Analisamos como o gênero e outros marcadores aparecem no território, vinculados a espaços de proteção social/cuidado. Associações que cuidam de crianças e mulheres, as equipes de Saúde da Família apareceram como espaços de cuidado. É o caso da Associação de Moradores, que nos últimos anos recuperou ações de cuidado comunitário e é liderada por um homem negro. Durante o campo houve uma enchente no bairro e a AM acolheu desabrigados e ofereceu almoço para as pessoas afetadas (que vinha da época da pandemia). Observamos que as ações comunitárias e os serviços públicos descentralizados foram fundamentais para enfrentar a situação e ter resposta mais rápida do que órgãos centralizados da prefeitura. Na aldeia kaingang destacou-se a organização política das mulheres, que criaram time de futebol feminino e promovem também a venda de artesanato. Dados relevantes de desproteção apareceram nas áreas de tráfico de drogas e violência urbana, que afeta homens jovens principalmente negros, assim como a falta de cuidados comunitários com mulheres e pessoas LGBT+ que sofrem violências em diferentes âmbitos. Os homens mostraram desproteção também no acesso limitado aos equipamentos de saúde. Temas de maior destaque foram: como pensar comunitariamente as violências de gênero; qual lugar ocupam as masculinidades nos cuidados comunitários. Realizamos processo de educação permanente em saúde no território, sendo ofertado curso de extensão “Promoção da Equidade em Saúde” para trabalhadoras/es da rede. Refletiu-se sobre como retomar a dimensão comunitária no cuidado produzido pelos profissionais da saúde. Vinculado às questões étnico-raciais, gênero e sexualidades, as/os cursistas expressaram necessidade não só de conhecimento técnico, mas de articulações com saberes e práticas comunitárias.

Conclusões/Considerações finais
A pesquisa teve como intuito produzir conhecimento e gerar um impacto sobre a produção de cuidado que se entrelace com a trama comunitária que sustenta o trabalho em rede e promove o diálogo e reconhecimento de saberes e de mundos de vida singulares nos territórios, tendo como horizonte a promoção de saúde emancipatória.
O foco de análise e de intervenção pretenderam potencializar a produção de cuidado integral na Atenção Primária à Saúde e seus vínculos e ramificações nos territórios de vida. As análises do cuidado comunitário nos permitem olhar a produção social da vida descentrando o Estado como única possibilidade de manutenção, mas ao mesmo tempo, nos instiga a tecer críticas aos discursos e práticas neoliberais, que precarizam as condições do “comunitário” como algo focalizado, promovendo a responsabilização das mulheres pobres ao privatizar o cuidado nas famílias. Falar em cuidado no âmbito comunitário deve necessariamente estar atrelado à promoção de equidade e justiça social.

Referências
AGUILAR, L. et al. Quien busca... encuentra: elaborando diagnósticos participativos con enfoque de género. 1a. ed. San José, C.R.: ABSOLUTO, 1999.
ESQUIVEL, V. La economía del cuidado em América Latina: poniendo a los cuidados en el centro de la agenda. PNUD, El Salvador, 2011.
GONZALEZ, L. Por um Feminismo Afro-Latino-Americano: Ensaios, Intervenções e Diálogos. RIOS, F.; LIMA, M. (Org.). Rio Janeiro: Zahar, 2020.
PORTO, M. F. et al. Comunidades ampliadas de pesquisa ação como dispositivos para uma promoção emancipatória da saúde: bases conceituais e metodológicas. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 6, p. 1474-1756, 2016.
VEGA, C. et al. (ed.). Cuidado, comunidad y común. Experiencias cooperativas en el sostenimiento de la vida. Madrid: Traficantes de Sueños, 2018.
VIVEROS-VIGOYA, M. As cores da masculinidade. Experiências interseccionais e práticas de poder na Nossa América. Rio de Janeiro: Papeis Selvagens, 2018.

Fonte(s) de financiamento: Edital Universal CNPq


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