Roda de Conversa

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC10.3 - Problematizando epistemologias e insurgências em saúde coletiva na atualidade

50353 - ESTUDOS COMPARADOS TRANSDISCIPLINARES E A BUSCA PELA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NA AMÉRICA-LATINA: PERSPECTIVAS E DESAFIOS
LUCIANA SOUZA D'ÁVILA - ESP-MG, ELI IOLA GURGEL ANDRADE - UFMG, FERNANDO MUSSA ABUJAMRA AITH - USP


Apresentação/Introdução
O desenvolvimento de tipologias de sistemas de proteção social e de saúde, como a de Esping-Andersen, foi fundamental para a contraposição de desempenhos a partir de indicadores específicos, tornando-se ferramentas estratégicas para análises comparativas. Os parâmetros utilizados para a classificação dos sistemas, entretanto, trazem países europeus como referência, o que exige a busca por outros parâmetros que melhor expliquem o cenário da América-Latina (AL), dos pontos de vista social, econômico e dos próprios sistemas de saúde. Predominam na região modelos mistos de sistemas em razão de pressões por sua privatização, além das respectivas reformas sanitárias terem acompanhado os ajustes e políticas voltadas para o mercado nos anos 1970-80, a partir da pressão de organismos multilaterais. Ainda, os países da AL compartilham uma história de colonização e exploração, cujos impactos são observados na forma como as sociedades se organizam; nas prioridades políticas; na dependência do mercado externo para importação de produtos e insumos, inclusive para atenção à saúde e, sobretudo, no contexto de desigualdades extremas e de violência. Tais questões não podem ser negligenciadas ao se avaliarem os sistemas, ou como o direito à saúde é reconhecido e garantido, evidenciando a necessidade de se incorporarem diversos saberes às análises.

Objetivos
O objetivo deste trabalho é discutir a contribuição de estudos comparados transdisciplinares para a busca pela efetivação do direito à saúde nos países da América-Latina, tendo em vista o compartilhamento de um contexto de desigualdades profundas e a convergência de desafios históricos. Além disso, pretende-se refletir sobre a importância de se comparar países latino-americanos, para além das tipologias clássicas de sistemas de saúde, criadas a partir de uma realidade centrada no norte global.

Metodologia
A discussão proposta parte de um estudo comparado sobre a efetivação do direito à saúde no Brasil e na Colômbia, em perspectiva histórica e da judicialização da saúde, no período de 1990 a 2020. Trata-se de um de estudo de casos múltiplos, quali-quantitativo, que contou com contribuições das Ciências Sociais, da Ciência Política, dos Sistemas Comparados de Saúde e do Direito Comparado. A coleta de dados e informações envolveu a análise documental (manuais, notas e relatórios técnicos; jurisprudências e marco legal do reconhecimento e garantias do direito à saúde); a revisão narrativa da literatura e a consulta a sistemas de informação, base de dados e sites institucionais. Foram realizadas entrevistas com atores-chave dos processos de reforma dos sistemas de saúde e da judicialização da saúde dos dois países, tais como pesquisadores, gestores, juízes e promotores. Para o tratamento dos dados e informações, utilizaram-se a Análise de Conteúdo, a Análise Crítica do Discurso, a análise descritiva dos indicadores e testes de correlação, tendo em vista três eixos: Contexto Sócio Histórico; Reconhecimento e Garantias do direito à saúde e Judicialização da Saúde.

Resultados e Discussão
Nas Ciências Sociais e na Ciência Política, a comparação de fenômenos e políticas públicas, além da confrontação de semelhanças e diferenças, significa a transposição de resultados entre contextos diversos para a busca de explicações em momentos de reformas, crises e transições. A incorporação de variáveis sociopolíticas é fundamental, pois permite a identificação das condições de continuidade/descontinuidade da organização do Estado, bem como o seguimento da trajetória de políticas e atores sociais ao longo do tempo. Conjunturas históricas semelhantes devem ser consideradas para a seleção dos casos, o que não significa que as mesmas forças produzam os mesmos resultados, já que os contextos locais moldam como essas forças atuam internamente. O Direito Comparado também traz questões importantes para a análise da efetivação do direito à saúde, abrangendo aspectos jurídicos e doutrinários desse direito e dos sistemas jurídicos dos países, em diálogo com questões históricas e socioeconômicas. Neste estudo, a comparação entre Brasil e Colômbia foi estratégica, pois permitiu discutir os efeitos das trajetórias assumidas pelas políticas no Brasil para a garantia do direito à saúde. A publicação das Constituições e a reforma dos sistemas de saúde dos dois países ocorreram no mesmo momento histórico, sob desafios estruturais convergentes, mas, devido a correlações de forças internas, o direito à saúde foi reconhecido de forma distinta e os sistemas assumiram modelos diferentes. No entanto, políticas de austeridade, desmonte do SUS e o aumento da participação do setor privado, visando a retirada do Estado na prestação dos serviços, revelaram a aproximação crescente do SUS ao modelo do sistema colombiano.

Conclusões/Considerações finais
O estudo contou com um aporte teórico-metodológico compreensivo e transdisciplinar, que ultrapassa a confrontação de indicadores e características dos sistemas de saúde do Brasil e da Colômbia ao considerar os processos históricos, sociopolíticos e jurídicos envolvidos na efetivação do direito à saúde. A análise evidenciou a convergência de questões estruturais que levaram à construção de Constituições democráticas e pluralistas e à busca por novos sistemas de saúde, mas que seguiram caminhos distintos. Após 30 anos, as trajetórias dos dois sistemas estão convergindo em direção à cobertura universal de saúde, devido, em grande medida, às mesmas forças que buscam moldar as políticas econômicas e sociais nos países latino-americanos e acabam por reforçar o contexto de desigualdade na região. Espera-se que os resultados e a metodologia proposta contribuam para as discussões sobre o direito à saúde na AL e construção de uma agenda de pesquisa para a busca compartilhada de soluções.

Referências
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HERNÁNDEZ-ÁLVAREZ, M. El enfoque sociopolítico para el análisis de las reformas sanitarias en América latina. Rev.Fac.Nac.Salud Pública, v.19, n.1, p.57-70, 2001.
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Fonte(s) de financiamento: Bolsa de doutorado da Fapemig (PCRH)


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