48625 - CONSTRUINDO UMA ANÁLISE CRÍTICA DO SANGUE COMO MERCADORIA A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DE APRENDIZADO DE UMA LEITURA INTERDISCIPLINAR DE “O CAPITAL” RENATO NASCIMENTO DA COSTA - UNIFESP/ INCA, LEONARDO CARNUT DOS SANTOS - UNIFESP
Contextualização O que pode ser ou não ser uma mercadoria é uma construção social de cada período histórico. No entanto, é certo que aquilo que se torna mercadoria visa perdurar-se por décadas nesta forma social por atender, em certo momento da existência humana, aos interesses determinantes da valorização do valor que é o capital. Existe uma expectativa moralizante de que pedaços do corpo humano não possam ser mercantilizados, sendo este um limite à voracidade insaciável do capital. Logo na primeira parte de “O Capital, Livro I”, Marx, ao analisar as categorias mercadoria, trabalho e valor, deslinda estas categorias demonstrando como elas são, relações sociais em processo. Cada mercadoria só é valor de troca quando é valor de uso para outrem, este processo social de equivalência é o que permite uma modificação na compreensão sobre o que alguma coisa pode ou não ser uma mercadoria neste modo da produção a depender da necessidade de expansão do processo de acumulação em cada momento histórico. É nesse contexto que se insere a oscilação do caráter mercantil do sangue humano, por vezes desmercantilizado, para que se foque nas tecnologias das práticas hemoterápicas financiadas pelas políticas de sangue e hemoderivado, ou, por outras vezes, o sangue mesmo é tido como mercadoria em tais momentos onde a necessidade de acumular, inerente ao capital, encontra fronteiras para sua própria autoexpansão.
Descrição da Experiência É sob o contexto do sangue como mercadoria que este relato de experiência, de caráter reflexivo, expõe o aprendizado construído na disciplina de Leituras Interdisciplinares de ‘O Capital’ – Livro 1, ofertado pela UNIFESP, no Instituto Saúde e Sociedade, pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde, pela visão de um doutorando. A disciplina ocorreu durante o período entre março a maio de 2024 e teve como conteúdo programático: Mercadoria, processo de troca, dinheiro ou circulação de mercadorias, transformação do dinheiro em capital, processo de trabalho e valorização, Capital constante e variável, taxa do mais-valor, jornada de trabalho, taxa e massa de mais-valor, conceito mais-valor relativo Divisão do trabalho e manufatura, Maquinaria e Indústria. Variação da grandeza do preço da força de trabalho, fórmulas para a taxa de mais-valor. A disciplina foi composta por 16 encontros, agrupados em sete seções, com carga horária de 60 horas teóricas, cumpridas de forma remota, pedagogicamente orientada pelo uso de metodologias ativas, com aulas guiadas pelos discentes via seminários, sempre enfatizando os aspectos metodológicos e epistemológicos do pensamento marxiano. Foi proposto no final da disciplina a elaboração de um artigo relacionando o seu conteúdo, alinhado ao objeto de pesquisa dos discentes, que deveria ser entregue como forma de avaliação.
Objetivo e período de Realização Apresentar a experiência de aprendizado pela disciplina Leituras interdisciplinares de O Capital Livro I, apontando uma reflexão crítica da mercantilização do sangue humano pela tríade: mercadoria, trabalho e valor, perante os fundamentos do processo da crítica da economia política clássica elaborada por Karl Marx.
Resultados Foi apresentado com o conhecimento da importância de uma disciplina de retorno ao método dialético, que auxilia a identificar as principais categorias estruturantes do processo de produção na sociabilidade capitalista elaborado por Karl Marx. Deve ser enfatizado, que a disciplina prezou pela interdisciplinaridade de docentes e discentes, integrando demais áreas de conhecimento sobre as categorias profissionais e a relação do modo de produção capitalista e as condições de vida, trabalho e saúde. A disciplina instigou mudanças na forma de ensinar e aprender, com métodos ativos de aprendizagem e a incorporação de tecnologia no ensino, apresentado em modo remoto, o que acarretou o aumento na disponibilidade de acesso, já que parte do público não reside em São Paulo. E como cada capítulo foi apresentado em seminários, onde o discente assumiu também, um papel mais dialógico, possibilitou-se um treino à docência, ao estimular debate com diferentes vertentes do ensino. Ficou evidenciado que a disciplina não apenas apresenta-se com o ponto de multiplicação de saberes do pensamento crítico marxista, mas também, é uma base à construção do objeto de pesquisa no projeto dos discentes.
Aprendizado e Análise Crítica Marx esclarece que para compreender a mercadoria é necessário percebê-la enquanto seu valor de uso e, ao mesmo tempo, como portadora de um valor de troca. Para ser mercadoria o produto deve portar um valor para outro, de forma a ser confrontado com outro produto em um processo de troca. No capitalismo, as riquezas produzidas passaram a ser apropriadas por aqueles que detém os meios de produção em suas mãos, os capitalistas. Então, todas as riquezas materiais, que compõe o campo da saúde, são produzidas por indivíduos e apropriados por outros. Essa apropriação ocorre devido ao interesse dos capitalistas pelo lucro, que se realiza com a venda da mercadoria. A PEC 10/2022, quer alterar o art. 199 da Constituição Federal para dispor sobre as condições para a coleta e o processamento de plasma humano. A proposta prevê a autorização da coleta remunerada do plasma humano e sua comercialização, inclusive dos hemoderivados. Partindo de que a sociedade capitalista é produtora de mercadorias e nela opera a mercantilização dos processos societários, a PEC reintroduz, o sangue no circuito de valorização do capital. A mudança iniciada na Constituição em 1988, que culminou na configuração não mercantil do sangue, partiu da compreensão de que sangue não seria mercadoria, e sim um bem inalienável. A PEC, neste sentido, daria espaço para a (des)estruturação da Política Nacional de Sangue atual.
Referências BRASIL. Constituição (1988). Senado Federal. Diário oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF.
BRASIL. Lei 10.205 de 2001. Regulamenta o § 4o do art. 199 da Constituição Federal,
BRASIL. Lei 10.972 de 2004. Autoriza o Poder Executivo a criar a empresa pública denominada Empresa Brasileira de hemoderivados e biotecnologia-HEMOBRÁS.
MS. Ministério da Saúde do Brasil. Portaria no 1710 de 2020, para dispor sobre o fornecimento do plasma excedente do uso hemoterápico, para a produção de medicamentos hemoderivados, no âmbito do SUS.2020
HEMOBRÁS. Dez motivos que justificam o arquivamento da PEC do Plasma. 2023. Disponível em https://hemobras.gov.br/wp-content/uploads/2023/Acesso em 12/04/2024
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural,
1996.
Fonte(s) de financiamento: Financiamento prórpio
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