Roda de Conversa

04/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC10.1 - Reflexões, deslocamentos e novos diálogos em política, planejamento e gestão em saúde

51973 - ONDE ESTÃO AS POPULAÇÕES DAS ÁGUAS? PROPOSTA DE MAPEAMENTO MUNICIPAL COM BASE NO CENSO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
MÁRCIO VINICIUS DE GOUVEIA AFFONSO - FSP-USP, CRISTIANO GONÇALVES MORAIS - FSP-USP, SIMONE SCHENKMAN - FSP-USP, PAULO HENRIQUE DOS SANTOS MOTA - FSP-USP, AYLENE EMILIA MORAES BOUSQUAT - FSP-USP


Apresentação/Introdução
Em 2005, após décadas de reivindicação dos movimentos sociais presentes no campo, era instituído o Grupo da Terra cujo objetivo foi elaborar uma política de saúde voltada às populações que no campo residiam, a qual foi publicada em 2011. Em 2014, após manifestações dos movimentos de pescadores e pescadoras, os quais não se viam representados na política direcionada às populações do campo e da floresta, a população “das Águas” foi expressamente contemplada no novo texto. Assim, em 2014, instituiu-se a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PNSIPCFA), que define as PCFA com base nos seus “modos de vida, produção e reprodução social relacionados predominantemente com o campo, a floresta, os ambientes aquáticos…”. O principal objetivo da PNSIPCFA é, reconhecendo suas especificidades, promover saúde às PCFA, melhorando o acesso aos serviços de saúde, assim como reduzindo riscos e agravos. Entretanto, persiste um desafio a ser enfrentado, a invisibilidade dessas populações em dados oficiais seja em relação à situação de saúde, a informações demográficas ou mesmo à localização geográfica. Considerando a capilaridade territorial da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o Censo do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), enxerga-se uma alternativa para buscar tornar visíveis as PCFA, em especial as populações “das Águas”.

Objetivos
Sendo assim, o objetivo deste resumo é propor uma primeira aproximação à localização geográfica, a nível municipal, das populações “das Águas”, entendidas aqui como Comunidades e Famílias Ribeirinhas e Pescadores Artesanais, utilizando-se dos dados provenientes dos atendimentos realizados pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) a estes Grupos Tradicionais e Específicos, conforme consolidado pelo Censo SUAS 2022.

Metodologia
Trata-se de uma proposta metodológica para identificação e mapeamento dos municípios em que residem populações “das Águas”, com base em dados informados no Censo SUAS 2022. Esse Censo buscou coletar informações sobre os padrões dos serviços de assistência social e, nesse sentido, identificou-se três questões que poderiam auxiliar na definição de que no município de atuação de um CRAS, haveria uma população com características “das Águas”. As perguntas referiam-se a quais atendimentos teriam sido realizados, nos 12 meses anteriores ao Censo, às Comunidades Ribeirinhas, Famílias Ribeirinhas e/ou Pescadores Artesanais. Todas as opções de atendimento foram agrupadas em uma variável binária: houve atendimento e não houve atendimento. Uma vez que os CRAS de um mesmo município atendem a diferentes grupos em diferentes territórios de abrangência, calculou-se a frequência relativa da quantidade de CRAS que atenderam os grupos de interesse, pelo total de CRAS de cada município. Além disso, cada centro possui um número identificador vinculado ao código do município de atuação, o que permitiu uma representação geográfica dos dados.

Resultados e Discussão
Foram avaliados 8556 CRAS distribuídos em 5534 municípios nas 27 Unidades Federativas (UF). Deste total, os 2490 CRAS (29%) que afirmaram terem atendido pelo menos um dos grupos de interesse estão distribuídos em 1859 municípios (34%), em todas UFs, mas de forma desigual, com predominância da presença das populações “das Águas” especialmente no Amapá, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Maranhão, onde mais de 70% dos CRAS afirmaram terem realizado atendimentos aos ribeirinhos e/ou pescadores artesanais. Mais especificamente, na análise dos CRAS que atenderam a todos os grupos que configurariam uma população “das Águas”, observa-se um total de apenas 671 CRAS (8%) distribuídos em 567 municípios (10%) em todas as UFs, com exceção do Distrito Federal. Ao delimitar a pesquisa aos municípios que possuem no mínimo 70% dos CRAS com atendimentos às populações “das Águas”, buscando maior precisão na análise, identifica-se 476 CRAS (6%) distribuídos em 432 cidades (8%), sendo que 267 dessas, ou seja, 61%, estão concentradas em apenas 5 UFs, Maranhão, Amazonas, Pará, Bahia e Minas Gerais. Ainda que existam CRAS que atendam a esse perfil populacional em outras UFs, essa aproximação permite um recorte territorial mais específico e realista, uma vez que a realização de quaisquer atendimentos pelo CRAS reforça a presença daquele grupo populacional no território de abrangência do serviço. Historicamente, a área rural, lugar de morada das populações aqui estudadas, é retratada apenas pela ausência do urbano, o que além de invisibilizar as diferentes ruralidades e povos tradicionais que possuem sua subsistência associada a esses territórios, dificulta a apreensão de diversos aspectos territoriais e impossibilita o aprimoramento de políticas públicas voltadas às ruralidades.

Conclusões/Considerações finais
Ainda que a proposição de uma política pública voltada às especificidades e singularidades das PCFA deva ser positivamente reconhecida, há limitações na sua elaboração e condução que dificultam o alcance do objetivo proposto: promover saúde às PCFA. A própria definição elencada na política, que agrupa diferentes povos sob uma mesma categoria relacionada à subsistência com a natureza, dificulta a identificar as especificidades de cada grupo, como os ribeirinhos e pescadores artesanais, que dependem dos ambientes aquáticos. Soma-se a isso a visão restrita do entendimento do que é o rural, o qual não é compreendido como o lugar de vida e de moradia de populações diversas, com características não evidenciadas no contexto urbano, esse que é geralmente tomado como base na elaboração de políticas públicas. Assim, a significativa cobertura territorial dos CRAS deve ser vista como uma possível ferramenta estratégica para identificação e mapeamento desses grupos, em especial o “das Águas”.

Referências
CARNEIRO, F.F., PESSOA, V.M., and TEIXEIRA, A.C.A. eds. Campo, floresta e águas: práticas e saberes em saúde [online]. Brasília: Editora UnB, 2017, 464 p.
Ministério da Saúde. Portaria nº 2.311, de 23 de outubro de 2014. Altera a Portaria nº 2.866/GM/MS, de 2 de dezembro de 2011, que institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF).
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004. Aprova a Política Nacional de Assistência Social.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos do Brasil: uma primeira aproximação. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. 84 p.

Fonte(s) de financiamento: CNPQ


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