Roda de Conversa

05/11/2024 - 13:30 - 15:00
RC6.3 - Por uma economia da saúde que persiga a redução das iniquidades

53359 - O MODELO HEGEMÔNICO DE ALOCAÇÃO DE RECURSOS E A ESCOLA DE ECONOMIA DE SAÚDE DE YORK: APROXIMAÇÕES PARA A COMPREENSÃO DE UMA ESTRATÉGIA LIBERALIZANTE
MILTON SANTOS MARTINS DA SILVA - UERJ, LEONARDO CARNUT - UNIFESP, JONATHAN FILIPPON - QMUL


Apresentação/Introdução
O novo modelo de alocação de recursos para a Atenção Primária à Saúde no Brasil inaugurado em 2019, o Previne Brasil, foi defendido enquanto “modernização” da alocação de recursos para este nível de atenção, largamente inspirado em proposições feitas pelo Banco Mundial (BM) para o sistema de saúde brasileiro. O BM tem entre seus principais consultores pesquisadores de diversas universidades do Norte global, de modo que uma das mais relevantes é a Universidade de York. Fundada em 1963, a universidade tem como um de seus principais departamentos o Centre for Health Economics (CHE). A influência de seus pesquisadores sobre o estudo da alocação de recursos financeiros em saúde pauta a temática há algumas décadas no Reino Unido e no mundo, havendo também uma convergência não apenas do ponto de vista argumentativo, mas também de constituição ideológica, ultrapassando os muros da Universidade de York, envolvendo universidades como a London School of Economics e Imperial College London. Pela forma como se construiu este grupo, cujo pensamento apresenta alta penetrabilidade em diversos governos, com a Universidade de York ocupando centralidade na sua constituição, pode-se considerar que há uma Escola de Pensamento de Economia da Saúde de York. Assim, com base nesta escola, governos mundo afora usam suas recomendações para justificar as reformas nos sistemas de saúde de seus países.

Objetivos
Analisar o que a literatura científica apresenta sobre modelos de alocação de recursos financeiros em saúde a partir da escola de pensamento de economia da saúde de York, mapeando-se as principais publicações sobre alocação de recursos dos pesquisadores que compõem a escola; avaliando-se as diferentes dimensões dos principais componentes que estruturam os modelos de alocação de recursos defendidos; e sendo discutidas as correlações com o novo modelo de alocação de recursos brasileiro.

Metodologia
Lançou-se mão de revisão sistemática da literatura na base de dados PubMed/MedLine envolvendo alocação de recursos e autores selecionados. Dos 101 estudos originalmente encontrados, após a fase de identificação, 22 artigos foram excluídos por não se enquadrarem enquanto artigos científicos, constituindo-se artigos de opinião, editoriais ou comentários. Dos 79 restantes, 50 foram excluídos após leitura de título e resumo por não incluírem menção a alocação de recursos em uma destas seções. Dos 29 artigos restantes, 2 foram excluídos por não estarem disponíveis para leitura. Após leitura na íntegra dos 27 restantes, 8 foram excluídos por não abordarem diretamente alocação de recursos, de modo que foram incluídos, assim, 19 artigos na revisão.

Resultados e Discussão
Dentre os 19 artigos incluídos no estudo, apenas 02 não versavam sobre países pertencentes ao eixo Europa-EUA-Canadá. Tem-se, assim, que grande parte da produção científica sobre modelos de alocação de recursos é baseada nas realidades de países centrais do Capitalismo. Com a presença destes autores e seus colaboradores em cargos consultivos de órgãos internacionais e no apoio bilateral a Ministérios da Saúde, seja na elaboração de recomendações, seja na determinação de planos de ação específicos para cada país, pode-se afirmar que há uma hegemonia das experiências de países de capitalismo central sobre as de capitalismo dependente. Imprime-se, dessa forma, a realidade do Norte global como régua para a implementação e avaliação de modelos de alocação de recursos, de modo que há pouco espaço para que se debata esta temática segundo referenciais locais, das realidades específicas de cada sistema de saúde. A hegemonia do pensamento neoclássico se configura especialmente na defesa intransigente da análise de custo-efetividade enquanto principal ferramenta para direcionar o gasto público. A avaliação, apesar de apresentar importante relevância no que tange à tomada de decisão sobre incorporação tecnológica, teve seu uso extrapolado para a avaliação de políticas de alocação de recursos em um sentido mais amplo, associando-se e sendo integrada em mais de um estudo a indicadores microeconômicos e de maior relevância no âmbito da economia financeira. Defende, assim, a gestão do recurso e de serviços públicos tais quais em uma empresa privada mesmo quando se trata de sistemas de saúde públicos estatais – donde a lógica de garantias de direitos é a que deveria prevalecer, especialmente pela natureza prestativa do direito à saúde.

Conclusões/Considerações finais
A tomada de decisão quanto ao modelo de alocação de recursos em saúde a ser adotado por determinado país não é um produto puramente científico no sentido apolítico da palavra: é uma decisão informada, dentre tantos motivos, por uma escola de pensamento bem delimitada, estruturada e difundida globalmente por organismos internacionais e em acordos bilaterais, com alta capilaridade e influência, especialmente ao se tratar de países da periferia do capital. A escola de pensamento de economia da saúde de York, nesse contexto, não ocupa apenas a posição de divulgadora e de referencial teórico, mas participa ativamente nos processos de contrarreforma de cunho neoclássico a partir das experiências nas quais baseiam seus estudos, majoritariamente em países centrais do Capitalismo. Difunde-se, assim, o pensamento dominante, hegemônico, inspirando programas como o Previne Brasil no caso brasileiro, que aprofunda o processo de desfinanciamento da APS.

Referências
1. Harzheim E. “Previne Brasil”: bases da reforma da Atenção Primária à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva. 2020;25:1189–96.
2. Mendes Á, Melo MA, Carnut L. Análise crítica sobre a implantação do novo modelo de alocação dos recursos federais para atenção primária à saúde: operacionalismo e improvisos. Cadernos de Saúde Pública. 2022;38:e00164621.
3. Marques RM, Mendes A. O financiamento do Sistema Único de Saúde e as diretrizes do Banco Mundial. Pereira JMM, Pronko M A demolição de direitos: um exame das políticas do Banco Mundial para a educação e a saúde (1980-2013) Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. 2014;275–93.
4. University of York. Our history: Foundations [Internet]. [citado 24 de novembro de 2022]. Disponível em: https://www.york.ac.uk/about/history/foundations/

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