Roda de Conversa

05/11/2024 - 08:30 - 10:00
RC6.2 - Modelos e Paradigmas do financiamento ao SUS

51248 - O NOVO MODELO DE FINANCIAMENTO DA ATENÇÃO BÁSICA: A PERMANÊNCIA DA LÓGICA DO DESEMPENHO NA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA
JOAQUIM GABRIEL DE ANDRADE COUTO - FSP/USP, ÁQUILAS MENDES - FSP/USP


Apresentação/Introdução
Nos últimos anos, a Atenção Básica (AB) tem sido alvo de disputas no contexto político brasileiro, com acirramento das reformas nesse modelo de atenção no período após o Golpe de Estado de 2016 e a alteração do regime fiscal brasileiro promovido pela Emenda Constitucional 95 (EC/95)1. Em 2019, sob o governo Bolsonaro e um cenário de desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS), o modelo de alocação de recursos financeiros da AB foi completamente reformulado, extinguindo a única forma de repasse intergovernamental de base populacional, o Piso da Atenção Básica – PAB-fixo, e fazendo com que o financiamento fosse baseado em três componentes: a capitação ponderada, o pagamento por desempenho e o incentivo para ações estratégicas2. O chamado “Previne Brasil” se apresentou como uma ruptura drástica com o modelo de financiamento que trouxe avanços importantes para a saúde da população brasileira, representando um passo em direção à lógica de um “SUS operacional” em uma perspectiva gerencialista e de desempenho3. Em 2024, o modelo de financiamento da AB sofreu nova alteração com a publicação da Portaria GM/MS Nº 3.493, a qual definiu que o repasse financeiro federal será constituído por seis componentes, incluindo-se um componente de qualidade.

Objetivos
Este trabalho propõe uma análise crítica do novo modelo de financiamento da AB apresentado recentemente em abril de 2024, tendo como objetivo principal a avaliação do componente de financiamento baseado em qualidade. Com isso, busca-se promover o debate quanto à permanência da lógica gerencialista de desempenho caudatária do Programa Previne Brasil.

Metodologia
Realizou-se uma comparação das portarias 2.979 de 12 de novembro de 2019 e 3.493 de 10 de abril de 2024, que instituíram o “Previne Brasil” e o mais recente modelo de financiamento da AB, respectivamente. O foco principal foram os componentes definidos como de desempenho e de qualidade. Com isso, realizou-se uma análise crítica do novo modelo de financiamento, utilizando a literatura científica do campo da saúde coletiva que pesquisa o financiamento da AB.

Resultados e Discussão
Os modelos analisados se diferenciam na quantidade de componentes de financiamento. O Programa Previne Brasil era composto por três componentes, sendo eles: 1) a capitação ponderada, 2) pagamento por desempenho; 3) incentivo de ações estratégicas. O novo modelo de financiamento apresentado em 2024 tem seis componentes, sendo eles: 1) componente fixo para manutenção e implantação; 2) componente de vínculo e acompanhamento territorial; 3) componente de qualidade; 4) componente para implantação e manutenção de programas, serviços, profissionais e outras composições de equipes; 5) componente para saúde bucal; 6) componente per capita de base populacional. O pagamento por desempenho do Previne Brasil estava determinado por indicadores de processo e resultados. Da mesma forma, o novo modelo apresenta o componente de qualidade formado por 17 indicadores de processo e resultados, divididos entre as diferentes equipes (saúde da família/atenção primária, saúde bucal e multiprofissional). Percebe-se uma continuidade da lógica de pagamento por desempenho iniciada pelo Previne Brasil, condicionando o montante alocado ao alcance de indicadores específicos. Nessa dinâmica, a esfera federal molda o processo de trabalho dos profissionais de saúde a partir de uma lógica gerencial de mercado, associando a qualidade à produtividade e à quantidade de trabalho. Como aponta Massuda4, o pagamento por desempenho tem pouca influência na melhoria em indicadores de processo e de resultados, além de produzir uma focalização nas ações determinadas pela portaria em detrimento de outras ações. Além disso, a aferição de desempenho desconsidera as especificidades do trabalho em saúde, como a dificuldade de padronização, a dependência das relações interpessoais e a própria fragmentação organizacional5.

Conclusões/Considerações finais
A permanência da lógica atomizante de desempenho demonstra a influência neoliberal na organização dos serviços públicos de saúde, uma vez que se importam mecanismos de gerencialismo do mercado, incorporando-os à saúde pública, em uma perspectiva meritocrática de estímulo à competição entre as equipes, assim como de controle do trabalho em saúde. Assim, o governo ultraneoliberal de Bolsonaro inaugurou a introdução de uma forma de alocação de recursos modulada pelo pagamento por desempenho, sendo mantida no modelo de financiamento da AB de 2024. Diante disso, faz-se necessário ampliar o debate crítico quanto à penetração do gerencialismo na saúde pública brasileira, pautando um financiamento que seja orientado pelas necessidades em saúde das populações e suas especificidades epidemiológicas e territoriais.

Referências
1-Mendes Á, Carnut L, Guerra LDS. Reflexões acerca do financiamento federal da atenção básica no sistema único de saúde. Saúde Debate. 2018;42(spe1):224-43.
2-Couto JGA, Mendes Á, Carnut L. Revisão crítica dos argumentos “oficiais” da nova alocação de recursos federais para Atenção PrimáriaJ Manag Prim Health Care. 2023;15:e009.
3-Mendes Á, Melo MA, Carnut L. Análise crítica sobre a implantação do novo modelo de alocação dos recursos federais para atenção primária à saúde: operacionalismo e improvisos. Cad Saude Publica. 2022;38(2):e00164621.
4-Massuda A. Mudanças no financiamento da atenção primária à saúde no sistema de saúde brasileiro: avanço ou retrocesso?.Cien Saude Colet.2020;25(4):1181-8.
5-Carnut L, Narvai PC. Avaliação de desempenho de sistemas de saúde e gerencialismo na gestão pública brasileira. SaudeSoc. 2016;25(2):290-305.


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